'Não quero ser dependente', diz professor sem email, celular ou rede social
As palavras “curtir” e “compartilhar” têm um significado muito diferente para João Braga, 55, de São Paulo. Ele decidiu viver off-line, nunca teve celular, não usa computador ou e-mail e não faz parte de nenhuma rede social. “Eu nunca gostei de máquinas e acho que, por extensão, elas também não gostam de mim, nada funciona comigo. Mais do que analógico, sou manual”, brinca.
O mundo tenta inserir João na vida digital, mas ele resiste bravamente. “Todas as faculdades onde já lecionei fizeram e-mails para mim. Não adianta. Não sei usar. Anos atrás, alguns alunos criaram uma comunidade sobre mim no Orkut. Como não entendi, perguntei para minha assistente o que tinha na internet parecido com iogurte. Hoje, minha agente de viagens fez uma página sobre meus destinos no Facebook. Está todo mundo lá, menos eu.”
À moda antiga
Membro da Academia Brasileira de Moda e professor de História da Moda na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), João é referência na área e frequentemente faz palestras sobre o assunto a convite de marcas internacionais. “Tenho uma auxiliar que prepara as apresentações no computador para mim. Eu pesquiso lendo, escrevo meus livros e artigos à mão, passo a limpo e dou para uma pessoa digitar. Ela imprime e eu reviso no papel.”
Apesar disso, ele não despreza a tecnologia. “Sei que a internet acelera os contatos, auxilia a comunicação, é um caminho sem volta. Mas também vicia e não quero ser dependente. O celular, por exemplo, é mal-educado, imediatista, desrespeitoso. E ainda emburrece as pessoas, que nem sabem mais como escrever.”
Dono de uma biblioteca com quase 30 mil títulos, João afirma que não tem necessidade de ser o primeiro a saber das coisas. “Em minha casa, ouço o noticiário no rádio e as pessoas me encontram ligando para o telefone fixo, se não estou, deixam recado na secretária. Até hoje, tenho as fitas guardadas com todas as mensagens que já recebi.”
Ansiedade e perda de privacidade
Um estudo, realizado em julho de 2016 pela Hello Research com 1280 pessoas das cinco regiões do país, apontou que o acesso dos brasileiros às redes sociais mais que dobrou nos últimos quatro anos, passando de 33% em 2012 para 69% em 2016.
No entanto, segundo o médico homeopata e psicólogo Roberto Debski, diretor da clínica Ser Integral, em Santos (SP), muitas pessoas estão andando na contramão da tecnologia em busca de uma vida mais tranquila. “Há pessoas que já estiveram nas redes e acabaram se aborrecendo pela invasão de privacidade e porque viviam em um estado de estresse e ansiedade permanentes. Nesse caso, a saída é saudável, pois demonstra um movimento de busca pela saúde e pelo equilíbrio.”
Fuga de desentendimentos
A decisão de sair das redes sociais, explica o psicólogo, também é comum a quem tem mais dificuldade de lidar com críticas e opiniões diferentes da sua. “As pessoas se expõem demais na internet e isso se torna inconveniente. Muitos desentendimentos, brigas de família e amizades desfeitas são fruto do desrespeito pela diversidade de pensamentos.”
Para o especialista, não há como negar os benefícios que a internet pode trazer. “O problema é que as pessoas não sabem dosar o tempo que passam on-line e podem até se viciar.”
Na opinião do neurocientista e coach Aristides Brito, diretor do Marca Pessoal Treinamentos, o uso da internet vai depender da personalidade de cada um. “A tecnologia não muda quem a pessoa é, mas pode acentuar comportamentos. Quem já era extrovertido pode se expandir mais. Quem tinha uma vida tranquila, voltada para o bem-estar, pode achar desnecessário estar conectado o tempo todo.”
Os que resistem a ser engolidos pela tecnologia, explica Brito, podem experimentar muitos benefícios considerados raros hoje em dia. “Podem ter mais controle sobre os próprios horários, mais qualidade de vida, privacidade e tranquilidade. No entanto, perdem também muitos benefícios e oportunidades, é preciso balancear.”
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