Topo

Páginas na internet promovem anorexia e bulimia como "estilos de vida"

Essas páginas não são a causa dos transtornos alimentares, mas expõem mais pessoas ao risco de desenvolver as doenças - Getty Images
Essas páginas não são a causa dos transtornos alimentares, mas expõem mais pessoas ao risco de desenvolver as doenças Imagem: Getty Images

Do UOL

25/11/2016 07h15

Jovens que sofrem de anorexia e bulimia nervosas têm encontrado na internet blogs e páginas no Facebook de “apoio” a esses distúrbios alimentares, caracterizados pela preocupação exagerada com peso. Em vez de informação para se tratarem dos transtornos, encontram no ambiente virtual “dicas” para enganarem parentes e amigos e buscarem a qualquer custo um corpo perfeito.

Em um blog “pró-ana” (gíria na web para anorexia), uma postagem lista formas de manter o transtorno alimentar em segredo. Diz o texto: “Sempre quando chego na casa do meu namorado, ele me pergunta se quero comer. Digo que meu estômago não está legal ou que comi horrores durante o dia e que estou sem fome”.

Em outro blog que defende a bulimia, há dicas para “miar”, termo que se refere ao ato de forçar o vômito, recurso usado com objetivo de não engordar. “Você não vai conseguir na primeira tentativa, talvez não na segunda nem na terceira. Aí vem o segredo. Em vez de dar uma descansada depois de uma ânsia, respire e tente de novo, sem dar tempo de a garganta voltar ao normal e a sensação sumir.”

De acordo com os especialistas ouvidos pelo UOL, são os jovens utilizando os meios virtuais para encontrar pessoas com as quais se identificam.

“O sentimento de pertencimento a um grupo é um elemento importante na configuração dos distúrbios alimentares. Dizer ‘sou anoréxica” ou ‘bulímica’ outorga uma identidade para essas pessoas”, diz a psicóloga especializada em distúrbios alimentares Veronica Lara Wainstein, do Serviço de Psicologia da Santa Casa de São Paulo.

Para a psiquiatra da infância e adolescência Bacy Fleitlich-Bilyk, supervisora técnica do Ambulatório de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), as mídias digitais são “extremamente nocivas” não só para quem tem sintomas desses males, mas também para as pessoas que ainda não estão doentes, mas dispostas a fazer tudo por um corpo ideal.

“Antes eram basicamente as revistas de dieta que estimulavam isso, mas agora há muitas mídias digitais para transmitir informações erradas e reforçar a ideia de que o peso e a forma do corpo podem e devem ser os mesmos para todos os adolescentes, desconsiderando a genética”, fala Bacy.

De acordo com as especialistas, blogs e afins não são a causa dos transtornos alimentares, mas expõem mais pessoas ao risco de desenvolver as doenças. “Anorexia e bulimia se manifestarão por meio de uma base genética vulnerável, cujo gatilho será disparado de acordo com influências ambientais”, afirma a psiquiatra Bacy.

Para a psicanalista Cybelle Weinberg, organizadora do livro de artigos científicos “Psicanálise de Transtornos Alimentares” (Primavera Editorial), o maior problema dessas mídias é levar os adolescentes a acreditarem que anorexia e bulimia são estilos de vida, não doenças. “Quadros psiquiátricos graves como esses, sem um tratamento adequado, podem levar à morte”, declara.

Na anorexia nervosa, os danos são associados a quadros de desnutrição de graus variados. “Há alterações de pele, cabelo, ossos e funcionamento cardíaco. A taxa de mortalidade é de 20% entre os pacientes. Um em cada cinco”, afirma o psiquiatra Adriano Segal, diretor de psiquiatria de transtorno alimentar da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

Segundo Segal, a bulimia nervosa tem taxa de mortalidade de 5%. “Ao vomitar várias vezes, perde-se sais minerais, o que pode levar à arritmia cardíaca. O dano pode ser fatal”, fala o psiquiatra.

Para ficar atento

Diante da inevitável presença do jovem no ambiente on-line, resta aos pais observarem e controlarem as páginas acessadas pelos filhos. A predominância da doença ainda é maior entre as meninas.

“Os transtornos alimentares acometem cerca de sete meninas para cada três meninos. Essa diferença vem diminuindo, devido à pressão social pela magreza, que também está se tornando mais intensa sobre os garotos”, diz Bacy.

Uma mudança súbita de hábitos alimentares --como excluir carboidratos da alimentação, aumento da frequência de exercícios físicos, predileção por fazer refeições sem a família, costume de sair da mesa e ir direto para o banheiro e emagrecimento rápido-- são os sinais mais claros dos transtornos alimentares. Ao perceber esses comportamentos nos filhos, cabe aos pais buscar ajuda profissional.