Como Adele, mães obcecadas pelo filho também podem ter depressão pós-parto
“Meu conhecimento sobre depressão pós-parto era de que você não quer ficar com seu filho”, declarou Adele à revista “Vanity Fair”, que sai em dezembro, ao comentar a dificuldade que teve de perceber que estava sofrendo com a doença, após o nascimento de Angelo, hoje com quatro anos. “Mas eu era obcecada pelo meu filho”, afirmou a cantora. “Eu me sentia inadequada. Era como se tivesse tomado a pior decisão da minha vida.”
A sensação a que Adele se refere é comum em mulheres que vivenciam a depressão pós-parto, segundo a psiquiatra Taciana Capitanio, que atende gestantes com transtorno mental no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).
A mulher pode sentir repulsa pelo bebê e ter pensamentos de machucar a si ou ao filho, mas, assim como ocorreu com a cantora inglesa, mães com depressão pós-parto também podem se tornar superprotetoras.
“Há mulheres que desenvolvem transtorno ansioso e mesmo transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC, associado à DPP [depressão pós-parto]”, diz a psiquiatra. Nesses casos, a mãe pode verificar a cada minuto se o bebê está respirando ou agasalhá-lo demais, por exemplo.
Diferentemente da melancolia da maternidade, também conhecida como “baby blues”, um quadro que ocorre com a maioria das mulheres e tende a melhorar gradualmente até a segunda semana pós-parto, a depressão pode surgir tanto entre a quarta e a sexta semana pós-natal, quanto em outros momentos do primeiro ano da criança.
“E pode se estender por um período de seis meses a dois anos”, declara Renata Pereira de Felipe, que desenvolveu sua tese de doutorado em psicologia experimental sobre depressão pós-parto, na USP (Universidade de São Paulo).
O que é importante frisar é que nem toda mãe com DPP interage da mesma maneira com os filhos. “Elas podem ser intrusivas, retraídas ou ter boa interação”, diz Renata. O primeiro grupo passa uma emoção negativa da própria afetividade. “Geralmente, elas estabelecem um contato físico áspero: fazem cócegas, cutucam ou puxam o bebê. E também exibem expressões faciais tensas ou falsas”, explica a doutora em psicologia experimental.
As mães deprimidas retraídas parecem totalmente desinteressadas da criança. “São mais quietas, distantes, desviam o olhar do filho e oferecem um suporte mínimo para ele”, fala a especialista.
O terceiro grupo é o mais difícil de ser percebido pelo par e pelos familiares, porque elas são responsáveis pelo cuidado com o filho e até sorriem. “Elas agem de modo semelhante às mães não deprimidas”, diz Renata.
Outros sintomas são essenciais para fechar o diagnóstico. “Cansaço, insônia, diminuição da disposição e redução da libido podem ser confundidos com queixas normais esperadas no contexto do pós-parto. Mas uma falta de energia tão intensa, em que a paciente não consegue levantar da cama, mesmo após horas de descanso, deve ser considerada um sinal de alerta. Ataques de pânico ou raiva também podem aparecer”, afirma Taciana Capitanio.
É preciso tratar
O psiquiatra Daniel Sócrates, doutor em psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo, explica que a DPP é mais comum em mães com histórico de depressão, mas a doença não exclui mulheres que nunca tiveram quadros depressivos.
“São considerados fatores de risco falta de apoio do parceiro ou da família, estresse intenso --quando o recém-nascido adoece ou há problemas financeiros, por exemplo– e violência doméstica, física ou emocional”, diz Sócrates.
Mulheres com história de desordem disfórica pré-menstrual, que é a forma grave de tensão pré-menstrual, também estão mais propensas ao quadro, de acordo com o médico.
Embora Adele tenha dito que não buscou ajuda médica para lidar com a depressão, mas se curou ao conversar com outras mães, a DPP precisa de tratamento para não se tornar crônica. Essa é a recomendação dos especialistas ouvidos pelo UOL, mesmo quando os sintomas não são intensos.
“A depender da gravidade do caso, é possível tratar sem medicação, apenas com psicoterapia”, diz Sócrates.
Quando necessários, os remédios receitados pelos especialistas são os que têm menor passagem para o leite. “Há medicações relativamente seguras, que praticamente não são absorvidas pelo bebê”, afirma Taciana.
O apoio familiar é imprescindível durante o tratamento. “Recomendamos ter por perto pessoas que acolham a mulher e que possam ajudá-la a cuidar do recém-nascido, possibilitando que descanse”, declara a psiquiatra.
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