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Como é ser muçulmano em época de atentados? Seguidores da religião contam

Do UOL, em São Paulo

27/07/2016 07h20

O Brasil sempre acolheu diversas etnias e religiões e com o islamismo não foi diferente. Segundo o Censo de 2010, há mais de 35 mil muçulmanos no país. Só em São Paulo, são 11.400. Segundo a Federação das Associações Muçulmanas no Brasil, há 106 centros islâmicos em todo o país atualmente, entre salas de oração, mesquitas e espaços assistenciais. Apesar disso, parte da população, seja por falta de informação ou mesmo por preconceito, ainda relaciona o islamismo ao terrorismo, tendo em vista alguns atentados recentes, ocorridos no exterior, e que foram cometidos por extremistas islâmicos.

O especialista em filosofia árabe e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Jamil Ibrahim Iskandar, explica as origens dessa associação: “Nos anos 70, grande parte dos países de população muçulmana era governada por regimes extremamente autoritários. Muitas pessoas ficaram à margem da agenda política desses governos, o que levou à contestação do regime em nome da ‘religião’. São os chamados ‘grupos islâmicos’, que utilizam o islamismo como álibi para praticar atos terroristas”.

A seguir, três muçulmanos contam sobre como é ser fiel ao Islã no cenário político atual:

Patricia Wiest, 39, militar
Patricia Wiest, 39 anos, militar -- Muçulmanos falam sobre o preconceito que enfrentam - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

“Minha reversão [termo usado para designar a adoção do islamismo] ao Islã aconteceu em junho de 2015, aos 39 anos, por entender que essa não era apenas uma religião. Para mim, é um modo de vida, com orientações espirituais e materiais. Mas é muito comum as pessoas se confundirem e formarem uma imagem totalmente distorcida da nossa crença. Por isso, quando acontecem eventos como os atentados em Paris, naturalmente, o preconceito aumenta. Muitos irmãos [colegas muçulmanos] foram xingados na rua. Só que não vejo isso como algo exclusivo dos muçulmanos. É só pensar que quando a polícia militar comete excessos em passeatas ou contra grevistas, todos os policiais são taxados de violentos. Aqui no Rio Grande do Sul, alguns taxistas agrediram um motorista do Uber e, então, todos os taxistas passaram a ser malvistos. Ainda assim, o que procuro fazer, diante dessa realidade, é continuar estudando a religião para poder passar conhecimento às pessoas. Se vejo algo na rede social distorcido ou se sou parada nas ruas, explico que a nossa 'ummah' [nação] está muito longe do terrorismo, que nós buscamos a paz e a integração do ser humano. Oramos pelo menos cinco vezes ao dia e cada oração é mais uma forma de nos conectarmos a Deus e de pedirmos perdão por nossas falhas. Hoje, o maior preconceito que sofro é não poder vestir o 'hijab' [véu] durante meu expediente de trabalho. Sou militar e, apesar de ter feito requerimento solicitando autorização, continuo sendo barrada.” 

Fernando Salim Pereira Ahmed Carim, 47, escritor e divulgador do Islã

Fernando Salim Pereira Ahmed Carim, 47 anos, escritor e divulgador do Islã -- Muçulmanos falam sobre o preconceito que enfrentam - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Não digo que sofri preconceito após os atentados, mas é visível o receio que as pessoas têm em relação aos muçulmanos, principalmente quando acontece algo desse tipo. E muitos atentados foram realmente cometidos por muçulmanos, não podemos negar esse fato. O que muitas pessoas não entendem é que existem grupos que, embora sejam formados por muçulmanos, não seguem o Islã, uma vez que a nossa religião prega a paz. É isso que explico toda vez que percebo esse receio ao meu redor. É um erro julgar uma religião só por causa dos atos cometidos por uma minoria. Eu, por exemplo, não acho que a igreja católica cristã deva ser atrelada à pedofilia só porque alguns padres foram acusados do crime. Assim como não concordo com quem acha que todo pastor evangélico é corrupto. Em relação ao Islã, também há confusão. Mas a religião islâmica, assim como qualquer outra, existe para o bem social. Aliás, não acredito que religião alguma seja capaz de pregar coisas que não sejam o bem, o amor e a paz."

Muhammad Usman, 35, coordenador de ensino
Muhammad Usman, 35 anos, coordenador de ensino -- Muçulmanos falam sobre o preconceito que enfrentam - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

“Só não fui maltratado no Brasil nestes períodos pós-atentados porque conheço bem a minha religião e consigo me expressar e argumentar bem. Muitos colegas, especialmente mulheres, são vítimas de preconceito. Elas são chamadas de mulheres-bomba, irmãs de Bin Laden, submissas e há até os que nos consideram imigrantes e acham que queremos explodir o Brasil. Após o atentado de Paris, em 2015, duas irmãs [colegas muçulmanas] estavam andando na rua, em Curitiba, quando foram paradas por dois rapazes que as seguraram e começaram a xingá-las. O fato é que muitas pessoas sequer sabem o que é o Islamismo. Nasci muçulmano, mas também sou estudante de teologia. Escolhi a religião porque ela é de paz, ensina não apenas orações, mas o modo correto de viver nossa vida, ajudando os outros e focando na humanidade. Sempre explico que no Alcorão [livro sagrado do Islã] não tem violência nenhuma contra outro ser humano. Nosso Deus fala que se você mata um ser humano inocente é como se tivesse matado a humanidade inteira. E se você salva a vida de um ser humano é como se salvasse o mundo inteiro.”