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Pessoas contam como é conviver com o diagnóstico de um transtorno mental

Segundo a OMS, em 2020/2030, a depressão será a doença mais comum do mundo - Getty Images
Segundo a OMS, em 2020/2030, a depressão será a doença mais comum do mundo Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2016 07h05

Embora hoje sejam mais comentadas, doenças como depressão, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), bipolaridade, síndrome do pânico, esquizofrenia e depressão ainda são envoltas em medo, preconceito e ignorância.

Todas exigem tratamentos prolongados, à base de medicação e psicoterapia, em muitos casos para a vida toda. A rotina da pessoa, no entanto, não pode parar. Com as técnicas adequadas e o apoio de amigos e familiares, é possível ter um dia a dia normal e trabalhar, estudar, sair com os amigos, namorar.

A melhor maneira de lidar com essas doenças é não estigmatizá-las, mesmo porque seus índices tendem a crescer. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), a depressão, por exemplo, atinge mais de 121 milhões de pessoas no planeta e na década de 2020/2030 será a doença mais comum do mundo. A esquizofrenia atinge 1% da população em idade jovem, entre 15 e 35 anos, e tem enorme impacto social; já o TOC é o quarto diagnóstico psiquiátrico mais frequente na população.

Para Andréa Paes Favalli, psicanalista da clínica do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, a falta de informação e a demora na busca de orientação e tratamento pode agravar a situação e provocar atitudes extremas, como violência familiar e mesmo suicídio.

“A vida deve seguir seu fluxo normal. Estudo, trabalho, relacionamento amoroso, convivência familiar e social compõe o projeto de vida dessas pessoas”, fala. “Quem está próximo pode tanto ajudar quanto dificultar muito o tratamento. É preciso ter empatia por aqueles que estão em sofrimento psíquico profundo e levá-los a sério, auxiliando-os a encontrar o equilíbrio e incentivando o tratamento”, declara Roberto Rosas Fernandes, psicólogo, analista junguiano pela SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica) e pós-doutorando em psicologia clínica pela USP (Universidade de São Paulo).

A seguir, quatro pessoas com transtornos mentais contam como convivem com o diagnóstico de transtorno mental. 

Robinson Vieira, 30, representante comercial

“Sabe o personagem do Jack Nicholson no filme ‘Melhor É Impossível’? Ele me representa. Tenho TOC e durante um tempo precisei me guiar por alguns padrões para me sentir confortável. Tentava não pisar nas rachaduras ou linhas das calçadas. Lavava as mãos diversas vezes por dia e, por força do hábito, ainda carrego comigo um frasco de álcool gel e um pacote de lenços umedecidos. Dificilmente usava um banheiro fora de casa e isso já me custou uma das maiores humilhações da minha vida. Quando fiz um estágio, tinha nojo do banheiro do escritório e evitava entrar lá a todo custo. Um dia, não aguentei e acabei urinando na calça. Apesar da vergonha, foi esse episódio, que aconteceu há cinco anos, que me levou a fazer tratamento psiquiátrico e terapia. Aprendi a identificar e a combater situações de ansiedade. Às vezes, em circunstâncias estressantes, ainda me pego falando mentalmente alguma frase ou palavra, repetidamente, para me acalmar, mas sinto que estou melhor. No trabalho, nem todo mundo sabe da minha condição, mas não ligo se isso vier à tona porque sou um profissional respeitado. Minha família e meu namorado me apoiam. Tento levar uma rotina normal, apesar de saber que o tratamento vai durar por muito tempo. Uma coisa que me ajuda muito é o esporte. Jogo tênis e me sinto mais tranquilo depois de uma partida.”

M.C.F.S., 25 anos, auxiliar administrativa

“Fui diagnosticada há pouco tempo com síndrome do pânico e estou em tratamento. Ninguém no meu trabalho sabe, nem pretendo contar. As pessoas são preconceituosas e o ambiente da empresa é muito competitivo. Revelar o transtorno significaria me tornar vulnerável e ser tachada de louca pelos demais. Tive algumas crises no ano passado, mas somente uma delas aconteceu no escritório. Comecei a sentir falta de ar, o coração disparou, fiquei pálida e nauseada. Cheguei a vomitar e foi a maior sorte, porque, embora não soubesse o que estava havendo comigo, pude mentir dizendo que havia comido algo que não caiu bem na véspera. Sempre fui ansiosa, mas os ataques de pânico provocaram uma grande mudança na minha vida. Hoje evito lugares fechados e muito movimentados. Raramente saio de casa nos fins de semana e meu pai passou a me dar carona para o trabalho, tanto na ida quanto na volta, todos os dias. Moro muito longe da empresa, já fui assaltada no trânsito e tenho receio de sofrer uma crise ou um acidente. Estou muito triste com a situação, mas confiante que, com acompanhamento médico, voltarei a ter uma vida normal. Tenho de acreditar.”

Maria Cleusa Novais, 44, professora

“Sou bipolar, mas levo uma vida 100% normal. Não fico anunciando que tenho a doença aos quatro ventos, porque a bipolaridade é carregada de estigmas. Mulher já tem fama de louca, não é? Algumas pessoas sabem, como parentes, meu marido, minha filha e os amigos mais chegados. Porém, acho que não é o tipo de informação que precisa ser divulgada. Prefiro me resguardar. Se alguém perguntar, confirmo. Lógico que já sofri poucas e boas, mas, desde que iniciei o tratamento, há dois anos, eu me sinto bem. A última crise foi há um ano e oito meses, quando o médico ainda estava acertando a medicação, mas aconteceu de forma branda. No episódio mais forte, cheguei a avançar na minha chefe por causa de uma piadinha sobre TPM. A irritação se alternava com depressão e uma tremenda euforia. Quando me sentia eufórica, falava sem parar, ninguém me segurava. Entrei de licença médica no começo do tratamento, mas optei por pedir demissão para me cuidar. Procurei me alimentar bem, dormir regularmente e tentar canalizar os picos de energia para atividades físicas. Estou em um novo emprego há seis meses e me sinto feliz. Aceitar o problema e tentar encará-lo com leveza é o meu lema.”

V.P.M., 24 anos, estudante

“O que mais me incomoda são os risos, as gozações. Em um surto, passei horas falando com a televisão. Em outro, ouvia vozes na minha cabeça me dizendo para fazer coisas terríveis. Não sei se o fato de ter consumido drogas na adolescência agravou meu caso, porque não há nenhum outro caso de esquizofrenia na minha família. Estou em tratamento, mas é muito difícil. A sorte é que tenho o apoio e o amor incondicional da minha mãe. Meus amigos se afastaram. De vez em quando, mandam mensagens, mas apenas um me visita. Quero ter uma vida normal, mas não sei quando isso vai acontecer. Pretendo voltar para a faculdade no ano que vem.”