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Alvos fáceis de preconceito, jovem e idoso são grupo de risco para suicídio

O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo a OMS - Getty Images
O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo a OMS Imagem: Getty Images

Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

07/07/2015 11h34

Em setembro de 2014, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou o primeiro "Relatório Global de Prevenção ao Suicídio". Segundo o documento, dar fim à própria vida é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Pessoas acima dos 70 foram classificadas como as que mais se tornam suicidas. De acordo com os especialistas entrevistados pelo UOL Comportamento, o fato de jovens e idosos serem presas fáceis do sofrimento causado pelo preconceito faz com que as duas faixas etárias figurem com destaque no levantamento.

Apesar de não existir uma estatística fidedigna sobre homossexuais que atentam contra si mesmos, acredita-se que eles também façam parte desse grupo --os atestados de óbito não são redigidos com a orientação sexual do indivíduo. 

"O preconceito é um fator desencadeador para o comportamento suicida, ou seja, facilita que esse tipo de morte ocorra, mas não é a principal razão. A discriminação provoca sofrimento, faz a pessoa se sentir julgada, culpada, o que são elementos de risco que colaboram", declara a psicoterapeuta Karen Scavacini, mestre em saúde pública e especialista em prevenção ao suicídio.
 
Em seu livro "O Suicídio" (Schapire), de 1897, o sociólogo francês Émile Durkheim fala sobre os fatores sociais que levam o ser humano a tirar a própria vida. Entre os quais estão a baixa integração com a sociedade e o sentimento de não ter lugar no mundo, ou seja, sofrer algum tipo de preconceito. 
 
Para Karen, hoje, não existe permissão para ser diferente, envelhecer ou sentir algo que não seja considerado padrão, como o amor heterossexual, por exemplo. "Foi a partir de muitos casos de suicídios de jovens e homossexuais que o bullying e a homofobia começaram a ser discutidos", fala. 
 
O psiquiatra e professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Neury Botega afirma que a discriminação prejudica a autoestima e, consequentemente, o prazer de estar presente em interações sociais. 
 
"Tudo isso leva ao isolamento e o risco é maior nos casos somados a traços impulsivos de personalidade e consumo de bebidas alcoólicas ou outras drogas", diz ele, que é especialista em pesquisas sobre a prevenção ao suicídio.   
 
De acordo com o psiquiatra Carlos Estellita-Lins, especialista em suicídio e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o preconceito é uma violência simbólica, que gera dano moral às suas vítimas. Para ele, o que difere os grupos de jovens e idosos é a experiência de vida. 
 
"Jovens fazem mais tentativas de suicídio, enquanto  entre idosos há mais suicídios do que testes. O primeiro grupo tem menos conhecimento dos meios, do que é letal. Os mais velhos já viveram bastante e sabem o exatamente o que estão fazendo", diz. 
 
O psiquiatra diz que ambos --jovens e idosos-- possuem pouca estrutura para lidar com os danos que a discriminação pode acarretar, seja por um bullying na escola ou por se sentir inútil para a sociedade, no caso dos que passaram dos 70.
 
"Reconhecer as formas de discriminação, que elas são uma forma de violência e deixam as pessoas sem saída, pode nos fazer entender que o suicídio é uma resposta a essas ações hostis", declara. 
 
Especificamente sobre os homossexuais, Karen enfatiza que a orientação sexual só é um fator de risco quando associada a outros aspectos.  
 
"Existem milhares de homossexuais felizes e que nem pensam nisso. É a falta de perspectiva, depressão e desespero que levam ao suicídio, não a homossexualidade. Sofrer preconceito, recusar-se a aceitar a própria natureza e não arrumar emprego por causa dela, por exemplo, podem fazer a orientação sexual se tornar um problema", fala. 
 
A psicoterapeuta acrescenta, entretanto, que o fato de pertencer a um grupo de risco --depressão, transtornos mentais, tentativas de suicídio anteriores, doenças incapacitantes etc.-- indica apenas uma vulnerabilidade, e não que a pessoa vá de fato cometer o suicídio.

 

Prevenção

Segundo a OMS, que enxerga o suicídio como um problema de saúde pública, 90% dos casos poderiam ser prevenidos. Por isso, a responsabilidade sobre um episódio suicida também é da sociedade como um todo. 
 
Ao contrário do que se pensa, quebrar o tabu e trazer à tona o assunto é uma das formas de prevenir. Os especialistas afirmam que essa pode ser a abertura necessária para que os que pensam em tirar a própria vida consigam pedir ajuda. 
 
"Perguntar sobre ideias de suicídio para alguém que já ameaçou --e é importantíssimo levar a sério os 'avisos'-- não vai incitá-lo à prática. O sofrimento é tão profundo que essa pessoa precisa ter uma chance de saber que pode falar a respeito. Uma conversa pode gerar opções de vida e levá-la a repensar o ato", afirma Neury, psiquiatra e professor da Unicamp. 
 
O engenheiro civil Carlos Correia, 61, é voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) desde 1992. Para ele, o sentimento de alívio ao desabafar sobre os problemas é perceptível em contatos via telefone e, principalmente, nas palavras usadas em e-mails enviados à ONG. 
 
"O preconceito gera muito sofrimento e pode ser considerado a gota d'água em um caso de depressão. Ao entrar em contato conosco, as pessoas sentem um pouco de calor humano, sabem que podem falar sobre tudo e compartilhar, pois não serão julgadas", declara. 
 
Correia diz que suicidas dão sinais do que pretendem fazer. "As frases normalmente são do tipo 'estou tão cansado' ou 'não dá mais para segurar'. E quando existe um canal, como o CVV, esse alguém se sente valorizado, percebe que dentro dele existem coisas boas e que ainda há quem se preocupe com sua existência. Já recebemos cartas dizendo: ‘estou vivo por causa de vocês’ ".  
 
Mudanças drásticas no comportamento também podem indicar risco de suicídio. "Dormir muito pouco ou mais do que o normal, falar sobre ser um peso para os outros, procurar meios --estocar remédios, por exemplo--, perder interesse por coisas que importavam antes e se despedir são alguns aspectos a serem observados ", diz a psicoterapeuta Karen Scavacini.  Além disso, a especialista alerta para situações de luto, mudança, separação, pois podem ser tornar desencadeadoras do ato.
 
Entretanto, muitos desses sinais se fazem reais apenas depois que a pessoa morreu, o que faz aumentar a culpa daqueles que fazem parte da vida de quem cometeu suicídio. 
 
De acordo com Karen, que também é fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, em São Paulo, estima-se que de cinco a dez pessoas têm a vida impactada por esse tipo de morte. "Muitas vezes, elas são julgadas por não terem percebido a tempo ou terem feito alguma coisa para impedir aquele suicídio. Mas é preciso lembrar que, apesar de poder ser prevenido, o ato não é previsível", afirma. 
 
"Prevenir também é aumentar o conhecimento sobre o tema. Se falarmos a respeito, não criaremos uma sociedade fiscalizadora, mas, sim, que entenda o assunto e ajude quem lida diretamente com esses casos, como médicos e policiais", diz o pesquisador da Fiocruz Carlos Estellita-Lins.