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Não se deixar levar pela 1ª impressão é caminho para encontrar um amor

Casais "incompatíveis" não são tão improváveis - Andrew Rae/The New York Times
Casais "incompatíveis" não são tão improváveis Imagem: Andrew Rae/The New York Times

John Tierney

The New York Times

03/07/2015 12h24


Após décadas estudando o conceito de "valor da união", cientistas sociais finalmente contam com os dados necessários para explicar as escolhas românticas dos filmes "Ligeiramente Grávidos" (2007) e "Orgulho e Preconceito" (2005).

Seth Rogen é um cara desajeitado, mal arrumado e está longe de ser um namorado dos sonhos, especialmente quando interpreta um personagem desempregado, que passa o dia fumando maconha e cobiçando celebridades nuas no filme "Ligeiramente Grávidos". Ele não tem nenhuma das qualidades óbvias que tornam um parceiro valiosos: boa aparência, dinheiro, status social.

Ainda assim, esse cara preguiçoso acaba se relacionando com uma jornalista famosa, representada pela linda Katherine Heigl. Você até poderia ver a história toda como uma fantasia absurda inventada por roteiristas cheios de testosterona, mas o filme foi plausível o bastante para faturar 200 milhões de dólares nas bilheterias.

A fórmula narrativa do "desajeitado que acaba com a moça bonita" sempre deu bons resultados nas bilheterias --o ator norte-americano Adam Sandler construiu sua carreira toda com esse tipo de filme. E casais incompatíveis não são apenas um sonho masculino.

Há centenas de romances do tipo "Maria-sem-graça e Ricardão", um tema igualmente popular quando Jane Austen escreveu "Orgulho e Preconceito". Alto e bonito, dotado com um "semblante nobre", Mr. Darcy ridiculariza a aparência de Elizabeth Bennet: "ela é tolerável, mas não é bonita o bastante para me encantar". Ele ainda diz que há "mais de uma falha na simetria de suas formas".

E o que era ainda pior para o rico Mr. Darcy: o status social da família dela "está obviamente abaixo do meu".

Suas reações iniciais fazem muito sentido para os psicólogos evolucionários, já que essas preferências podem aumentar a probabilidade de transmitir os genes para as futuras gerações. Beleza e simetria física são sinais da saúde e da situação genética do parceiro; além disso, o status social e as posses do parceiro aumentam a probabilidade de que os filhos cheguem à idade adulta.

Parece lógico que pessoas que tenham um valor de união alto insistam em ficar com parceiros comparáveis, e há indícios de que isso seja verdade. Ao observar solteiros em busca de um parceiro em sites de relacionamento online, os pesquisadores descobriram que as pessoas costumam ficar com aquelas que tenham um valor de união similar.

Esse padrão também ocorre nos casamentos: pessoas atraentes, bem-educadas e que ganham bem costumam se casar com indivíduos similares. Na verdade, os economistas afirmam que essa tendência de "parceria seletiva" é uma das principais causas de desigualdade social, já que famílias com duas pessoas com salários altos ganham muito mais do que uma família com duas pessoas que ganham pouco (ou com só uma pessoa que tem um bom salário).

Mas será que as pessoas são tão superficiais no momento de avaliar o potencial dos parceiros? Para investigar a questão, psicólogos da Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, pediram para que os estudantes avaliassem o apelo romântico dos colegas de sala do sexo oposto.

No início do semestre, os estudantes geralmente concordavam com quais colegas eram os mais desejáveis. Mas quando eram questionados novamente após três meses, depois de passar o curso inteiro juntos em uma sala pequena, os pontos de vista mudavam drasticamente em relação a quais pessoas seriam as mais atraentes.

"A percepção do valor de união muda à medida que as pessoas passam mais tempo juntas", afirmou Lucy Hunt, estudante de pós-graduação, que publicou o estudo no ano passado em parceria com Paul Eastwick, professor-assistente de desenvolvimento humano e ciências familiares.

"Às vezes é isso o que percebemos na história feliz de Seth Rogen, na qual uma pessoa pouco atraente se torna cada vez mais interessante para outro indivíduo", afirmou Hunt. "Mas o oposto também tem boas chances de acontecer. Uma pessoa pode se tornar menos atraente com o tempo".

Essas mudanças de pontos de vista, de acordo com Eastwick, mostram que deve haver menos perdedores no jogo do amor, já que nem todo mundo está em busca do mesmo tipo de gente. "À medida que o consenso a respeito de quem é a pessoa mais atraente desaparece, a competição começa a diminuir, já que aquele que me parece mais desejável pode não parecer a mais atraente para você", afirmou.

Para testar esse efeito, os pesquisadores texanos se uniram a Eli Finkel, professor de psicologia da Northwestern University, em Illinois (EUA), para um estudo envolvendo casais e que foi publicado on-line este mês pela revista científica “Psychological Science”.

Alguns dos casais estavam casados há cinco décadas; outros haviam começado o relacionamento há poucos meses. Alguns já se conheciam antes de se apaixonarem; outros começaram a namorar pouco depois de se conhecer. Depois de serem filmados conversando a respeito do relacionamento, todos tinham suas características físicas avaliadas por um grupo de jurados que analisava os parceiros separadamente.

Quando as notas eram comparadas, era possível notar um padrão claro baseado em quanto tempo as pessoas se conheciam antes de começarem a namorar.

Se estivessem namorando um mês depois do primeiro encontro, as chances eram maiores de que ambos fossem igualmente atraentes fisicamente. Mas se ambos se conhecessem há bastante tempo, ou se fossem amigos antes de se tornarem amantes, as chances eram maiores de que uma pessoa bonita acabasse com uma pessoa não tão atraente.

Essa mudança gradual parece ocorrer com grande frequência, segundo a antropóloga Helen Fisher do Instituto Kinsey, que trabalha em parceria com o site de relacionamentos Match.com em sua pesquisa anual com uma amostra representativa dos solteiros nos EUA.

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Na pesquisa realizada em 2012, as pessoas entrevistadas respondiam a uma versão da famosa questão levantada por Christopher Marlowe no século 16: "Quem pode dizer que amou sem ter amado à primeira vista?"

Na verdade, um bocado de gente. De acordo com a pesquisa, 33% dos homens e 43% das mulheres responderam “sim” quando questionados se já haviam se apaixonado por uma pessoa que não considerassem atraente quando se encontraram pela primeira vez. Fisher chama esse processo de "amor lento" e afirma que ele está se tornando mais comum à medida que as pessoas demoram mais para se casar.

"Todo mundo tem medo que os sites de relacionamento estejam reduzindo o valor de união a um número limitado de características superficiais como beleza --que determina quem passa as fotos do Tinder, aplicativo de encontros, para a direita ou para a esquerda, aprovando ou não", afirmou a antropóloga. "Mas esse é só o início do processo. Assim que você se encontra com uma pessoa e tem a oportunidade de conhecê-la melhor, o valor de união muda constantemente".

Quando as pessoas envolvidas na pesquisa eram questionadas sobre o que havia mudado seus sentimentos, as principais razões eram "boas conversas", "interesses comuns" e "senso de humor compatível". Todos esses fatores contribuíram que Mr. Darcy mudasse de opinião em "Orgulho e Preconceito".

À medida que ele conversa com Elizabeth e aprende a gostar de seu humor inteligente, ela chega a mudar de aparência. "Mas pouco depois de deixar claro para si e para os amigos que não havia nada de bom naquele rosto, ele começa a notar a beleza incomum gerada pela expressão inteligente daqueles olhos escuros". Até que ele declara que "ela é uma das mulheres mais bonitas que ele conhece".

Naturalmente, aqueles olhos belos não são capazes de mudar sua situação social e Mr. Darcy continua resistindo a seus encantos. Ele se lembra da "inferioridade" da família de Elizabeth e da "degradação" que seria encarar aquele casamento. Mas então ele desiste e resolve revisar mais uma vez os resultados dos seus cálculos do valor de união.

"Eu resisti em vão", afirma ele. "Não será possível. Meus sentimentos não podem ser reprimidos. Permita-me dizer que a amo e a admiro ardentemente".