Fora da escola: conheça famílias que ensinam os filhos em casa
Lorena Dias mora em Brasília, tem 17 anos e acabou de entrar na faculdade de jornalismo. Essa seria mais uma história entre tantas outras semelhantes, se não fosse um detalhe: a garota não cursou o ensino médio regular, matriculada em uma escola, como a maioria dos adolescentes brasileiros. Ela estudou em casa, com a ajuda dos pais, Lilian e Ricardo Dias.
Segundo a Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar), existem hoje, no Brasil, cerca de 2.500 famílias cujos filhos estão fora das instituições de ensino. Para o Ministério da Educação e Cultura, o ensino em casa fere o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação Nacional e a própria Constituição Federal. Todos indicam que a criança deve ser regularmente matriculada na rede de ensino particular ou pública.
Há diversas maneiras de praticar o ensino domiciliar (também chamado pelo termo em inglês "homeschooling"). Algumas famílias compram sistemas de estudo, outras acompanham o currículo nacional e há ainda as que decidem com os filhos o programa a ser seguido. Algumas têm horários estipulados para as atividades, outras possuem dias e horários flexíveis.
“Para certas disciplinas ou áreas do conhecimento, alguns pais contam com a ajuda de professores especializados ou aulas particulares. E, tanto entre crianças quanto entre adolescentes, a internet é amplamente utilizada para pesquisas e estudos”, afirma Luciane Muniz Ribeiro Barbosa, professora do Departamento de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.
"O intuito da educação domiciliar é ensinar o adolescente a ser autodidata, a pesquisar. A partir daí, ele vai se desenvolvendo sozinho”, diz Ricardo Dias, pai de Lorena. Por ter estudado em casa, Lorena teve de conquistar na Justiça o direito de cursar o ensino superior. Embora ainda caiba recurso para o Ministério da Educação e Cultura, o caso abriu precedentes e coloca de novo o tema em discussão.
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A dona de casa Renata Correa, 32, de Contagem (MG), também se encantou com a possibilidade de educar os três filhos --de 4, 11 e 12 anos-- em casa. Tudo começou porque Felipe, o do meio, começou a ter problemas sérios de adaptação onde estudava. Engordou, pedia todo dia para não ir, tinha dificuldade em entender as ordens da professora. “No meio disso tudo, descobrimos que ele é daltônico”, conta a mãe.
O ensino domiciliar pareceu uma solução. “Além dos estudos em casa, comecei a me reunir com famílias locais que também fizeram essa opção. Em um mês, Felipe voltou a ficar bem, a gostar novamente de estudar”, conta. Os filhos de Renata estudam de três a quatro horas por dia e, com outras crianças do grupo de adeptos do "homeschooling", vão a museus, zoológicos, realizam feiras de ciências e de livros, entre outras atividades.
Os filhos do representante comercial George Freedman da Silva, 46, de Timóteo (MG), têm, atualmente, 12, 18 e 19 anos. “Os dois mais velhos fizeram o ensino fundamental na escola, mas o médio em casa”, diz o pai. Juliana, a mais velha, faz faculdade de nutrição na cidade de Pitágoras (MG). “Ela fez o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), o que deu a ela o certificado de conclusão da etapa.”
Pelo fato de Juliana ter mais de 18 anos, não foi necessário entrar na Justiça para que ela se matriculasse na faculdade, como ocorreu com Lorena, que obteve uma liminar inédita no Brasil para ter o direito de cursar a universidade mesmo sem ter estudado de forma tradicional.
Socialização
Uma das maiores críticas que alguns especialistas fazem ao "homeschooling" diz respeito à socialização. “Uma criança que é privada do encontro com seus pares pode ter dificuldade de se sentir pertencente a um grupo e de se desenvolver. A aprendizagem com os colegas é riquíssima. Permite que a criança esteja exposta a diferentes pontos de vista, implica que ela tenha uma outra figura importante na vida, com quem tenha de dialogar e compartilhar, que é o professor”, diz Maria Teresa Mantoan, professora de pós-graduação em educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Maria Teresa ainda afirma que o papel da escola não é simplesmente transmitir conhecimento, mas introduzir o cidadão na vida pública. “É o lugar no qual a criança vai vivenciar o que é ter direitos e deveres”, declara.
Os adeptos do ensino domiciliar discordam. “Essa questão da socialização é um mito. No ambiente escolar, o professor pode ajudar uma criança, mas não 40. A socialização pode ser até mais pobre. Primeiro só há 30 minutos por dia para ela, já que o aluno não pode conversar durante as aulas. No intervalo, são várias crianças da mesma idade, geralmente do mesmo nível social e que moram na mesma região. Ou seja, não há contato com o novo, o diferente”, fala Dias.
E como fica o vestibular?
Para a professora Luciane Muniz Ribeiro Barbosa, se bem preparado, o adolescente que estudou em casa estará apto a entrar em uma faculdade. “Se você tem condições favoráveis ao estudo, com materiais apropriados, recursos para aprofundamento de atividades e pesquisas, aulas particulares de conteúdos específicos, se necessário, como isso pode atrapalhar a aprovação no exame vestibular?”, questiona.
Os filhos de Renata Correa ainda têm anos de estudo pela frente, mas ela partilha dessa segurança. “Se eles quiserem fazer faculdade --e isso será uma escolha deles--, estarão preparados para isso. Minha parte estou fazendo”, diz.
Em termos burocráticos, tudo o que uma pessoa precisa para cursar uma faculdade é um certificado de conclusão do ensino médio. O Enem serve para esse propósito e pode ser prestado por qualquer pessoa maior de 18 anos. Já para os menores de idade é necessária uma liminar judicial que garanta a validade da prova.
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