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Você tem medo de amar? A culpa pode ser da sua mãe

Medo de sofrer por amor tem diferentes origens. Descubra de onde vem o seu - Getty Images
Medo de sofrer por amor tem diferentes origens. Descubra de onde vem o seu Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

19/03/2015 07h12

O medo de sofrer é um dos mais ameaçadores inimigos dos relacionamentos. Costuma atacar, principalmente, naquele momento em que a relação engrena. A pessoa que teme sofrer por amor passa a enxergar defeitos no outro, a se incomodar com pequenas coisas, a se afastar ou a magoar o par com recusas, sumiços e indelicadezas. Até que tudo acaba, para recomeçar nos mesmos moldes, com outra pessoa, dali a um tempo.

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Emendar relacionamentos superficiais um no outro e fazer sexo casual são algumas das artimanhas usadas como válvula de escape para driblar o medo de se entregar ao amor, mas nem sempre as pessoas se dão conta disso. Por isso, se escondem em desculpas, como: "ninguém quer nada sério hoje em dia", "não era bem o que eu queria" ou "não dou sorte, mesmo".

A autossabotagem nem sempre é consciente, mas quem se identificou com a situação precisa saber que, para mudar, é preciso investigar o que acontece dentro de si mesmo, pois a culpa não está no outro.

Para Carmem Maria Bueno Neme, livre docente em Psicologia Clínica da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Bauru, no interior paulista, mais do que experiências amorosas frustrantes –uma traição que tenha causado mágoas profundas, por exemplo–, o que define nossas escolhas, conscientes ou não, são as primeiras relações afetivas que temos na vida.

“A principal delas é o vínculo com a mãe ou com quem desempenha o papel materno. É essa pessoa que vai orientar todos os outros vínculos que estabeleceremos ao longo dos anos”, afirma. Carmen recorre às teorias do pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (1896-1971) para detalhar sua explicação.

Segundo ele, a mãe “suficientemente boa” deve ir frustrando o bebê aos poucos –não atendendo ao choro imediatamente, por exemplo, ou fazendo-o esperar em determinadas situações– para que ele vá se desenvolvendo e perceba que é pessoa independente dela. 

"Já a mãe que frustra o tempo todo ou é negligente deixa a criança em um estado de total insegurança e desconfiança. Na idade adulta, há o risco de ela torna-se antissocial ou estabelecer vínculos paranoicos", explica Carmem. O medo de sofrer significa medo de se abrir, de ser abandonado. A pessoa não cria laços  ou se coloca nas relações sempre em uma postura defensiva, sem se entregar totalmente.

Por outro lado, a mãe que mima e se antecipa aos desejos do filho também constrói um vínculo instável, no qual a criança fica permanentemente ansiosa. De acordo com Carmen, na idade adulta, esses indivíduos se tornam extremamente exigentes nas relações amorosas, porque a superproteção gera insegurança e, por mais incrível que pareça, uma sensação amarga de que a mãe foi indiferente.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2013/09/20/voce-tem-medo-de-amar.htm')

“A mãe que faz tudo o que o filho quer demonstra que seu amor aceita qualquer coisa, o que pode ser compreendido como desamor. Ela não põe limites, não cobra nem exige nada. A criança se sente desvalorizada e em dúvida sobre o que pode ser, realmente”, explica. Na maturidade, essas pessoas querem sempre mais de si (por serem inseguras) e do outro. Nunca estão satisfeitas e temem o abandono.

Segundo Carlos Henrique Kessler, professor da pós-graduação em Psicanálise da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), onde também dirige a Clínica de Atendimento Psicológico do Instituto de Psicologia, é comum que pessoas que cresceram em famílias muito fechadas sejam mais desconfiadas e inseguras. Afinal, aprenderam que os parentes são dignos de confiança e que “os outros” devem ser encarados com uma certa distância, pois podem ser “maus”.

“A proximidade e a criação de vínculos com alguém se torna muito difícil nessas circunstâncias”, fala o especialista. Ainda de acordo com Kessler, o individualismo atual colabora para a impossibilidade da construção de laços.

“Amar é se doar, se fundir com o outro e, ainda, se perder um pouco de si mesmo. Em uma sociedade que prega o narcisismo e a exaltação do 'eu', abdicar de uma parte de si é algo apavorante. O outro é uma ameaça”, diz. Amar exige amadurecimento, pois as prioridades mudam. Negar-se a sofrer no amor pode ser um reflexo do temor de amadurecer.

A baixa autoestima é mais um fator relevante: muitas das pessoas que não conseguem amar costumam ter uma imagem ruim de si mesmas. Não se consideram dignas de receber afeto. Isso faz com que pensem que o parceiro vai enxergá-las como elas acreditam ser e, por isso, boicotam relações promissoras antes mesmo que comecem.

Outro ponto que merece atenção, segundo Helio Roberto Deliberador, psicólogo do Departamento de  Psicologia Social da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é o perfeccionismo excessivo de alguns indivíduos que conduz a uma visão idealizada do amor. “O receio em ter um envolvimento sério encobre os altos padrões em relação ao parceiro e ao romance. Dessa forma, as idealizações que passam na cabeça nunca são vividas, por serem expectativas irreais”, conta.

Para Helio, uma maneira de enfrentar o medo de sofrer no amor e ser feliz é buscar, dia após dia, uma visão mais realista sobre a vida e as pessoas e se concentrar nas coisas boas que a experiência afetiva oferece. Em algum momento, alguém que amamos sempre vai nos decepcionar, de um jeito ou de outro, e também faremos o mesmo com ele, mesmo sem querer.

Aceitar que uma relação pode ter conflitos e que o par tem seus defeitos, assim como você, é meio caminho andado para confrontar os receios. “Lembre-se que nenhuma relação é pronta ou perfeita, todas vivem em permanente construção. Persista”, diz Carmem Neme.