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Malhação de 'musinha fitness' é motivo para tanta polêmica? Leia e opine

Anna Clara faz treinos orientandos pelo pai, que é personal, duas vezes por semana - Arquivo Pessoal
Anna Clara faz treinos orientandos pelo pai, que é personal, duas vezes por semana Imagem: Arquivo Pessoal

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

06/02/2015 11h09

O bochicho começou nas redes sociais e não demorou muito para ganhar espaço em sites e programas de TV. A goiana Anna Clara Lagares Mansur, 9 anos, começou a semana com um número considerável de seguidores no Instagram e se tornou famosa no país inteiro.

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Um post em um perfil da rede social voltado às fofocas de famosos e da blogosfera bastou para que milhares de internautas passassem a acessar a página da menina para elogiá-la, criticá-la e xingá-la. Muita gente se espantou com o fato de uma criança mostrar séries de exercícios e posar para fotos segurando pesos, em uma academia.

Seus pais, a empresária Mileny Mansur, 35, e o personal trainer Weslley Mansur, 37, foram duramente criticados e a página da “Blogueira Fitness Infantil”, como Anna Clara se autointitulava, foi denunciada por conteúdo impróprio e retirada do ar. Pelas normas do Instagram, não são permitidas adesões de usuários menores de 13 anos.

Mileny, no entanto, resolveu criar outra página para a garota –"Musinha Fitness"– e decidiu rebater acusações e apresentar justificativas para a rotina da filha. “Anna Clara é uma criança normal, que faz todas as coisas típicas da idade dela. Meu marido e eu somos adeptos de um estilo de vida saudável. É natural que ela siga o nosso exemplo, tanto que começou balé e natação aos dois anos. Partiu dela o interesse em se exercitar”, conta ela.

Segundo a mãe, em casa, a família tem uma alimentação equilibrada durante a semana e abre mão das regras aos sábados, domingos e nas festinhas. “Ela não passa vontade. Não é nada restritivo.”

Mansur, que desenvolveu e acompanha o treino funcional da filha, realizado duas vezes por semana e com pesos de um quilo, garante que as séries são adequadas à idade dela. “Sou psicopedagogo e criei exercícios lúdicos. Ela faz agachamentos, 'step', corre, pula corda... Tudo isso de uma forma divertida, brincando de amarelinha ou de morto-vivo.”

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“As pessoas estão julgando, mas afirmo que ela está sendo muito bem supervisionada. Tem tempo para brincar com os amigos e primos, vai à escola, estuda inglês, pratica taekwondo. É uma vida normal”, diz o pai de Anna.

Para a modelo Geisa Vitorino, tida como “madrinha fitness” de Anna Clara, quem a criticou pegou pesado sem nem sequer ter informações. “Com nove anos, disputava meu primeiro campeonato brasileiro de ginástica olímpica. Minha rotina de treino era muito mais pesada do que a dela. Muitas pessoas se sentiram ofendidas por não terem a disciplina e a determinação da Anna Clara”, declara.

Os prós

E o que dizem os especialistas? É perigoso para uma criança malhar desde cedo? De acordo com Carlos Alberto Landi, secretário do Departamento de Adolescência da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo), não há problema algum no treino que Anna Clara vem fazendo.

“Pelo que vi em reportagens e redes sociais, os exercícios não têm o intuito de hipertrofia, ou seja, não trabalham o desenvolvimento muscular, portanto, não oferecem risco de lesão muscular ou óssea”, afirma. Landi os compara com aqueles movimentos que as crianças costumam realizar brincando em um trepa-trepa, em um parquinho, por exemplo.

“A polêmica toda envolve o fato de a menina se exercitar em uma academia, um ambiente que, para muita gente, é associado ao exagero, à figura dos ‘marombeiros’. Existem crianças até mais novas que praticam exercícios mais vezes na semana e em maior intensidade do que ela. É o caso de quem frequenta escolinha de futebol quase que diariamente ou inicia a ginástica artística muito cedo”, fala o médico.

Linha de raciocínio semelhante tem Moisés Cohen, professor titular e chefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, em São Paulo.

“O peso da rede social interferiu muito no julgamento das pessoas. Incomoda-me a maneira como a imagem de Anna Clara vem sendo explorada, com título de ‘miss’ e tudo o mais. Mas será que se esse Instagram fitness pertencesse a um menino, e não a uma menina, haveria todo esse rebuliço? Há garotos que treinam futebol de uma forma muito mais agressiva e ninguém fala nada. Tenho um paciente que, aos 11 anos, vai ter de operar os dois joelhos por causa de lesões típicas de atletas adultos”, afirma Cohen.

“Se o treino funcional dela acontece à base de exercícios lúdicos, respeitando o sistema musculoesquelético e apenas duas vezes por semana, sem interferir nas outras atividades da rotina, não vejo nenhum problema. Anna Clara pode, sim, servir como exemplo em um país onde os índices de obesidade infantil são altos e os hábitos alimentares são ruins”, afirma o especialista.

Cohen, no entanto, diz que o fato de uma criança frequentar uma academia aos nove anos é algo muito precoce. "Os pais devem tomar muito cuidado para que esse investimento todo na imagem não se torne futuramente uma distorção. Ela está em uma fase de desenvolver a identidade, e a aparência não deve ser encarada como o único valor a ser cultivado”, diz Carlos Alberto Landi, da SPSP.

Para Ricardo Galotti, presidente da SPAMDE (Sociedade Paulista de Medicina Desportiva) e diretor do Departamento de Medicina Desportiva da APM (Associação Paulista de Medicina Esportiva), estranho seria se ela, tendo o exemplo dos pais em casa, não se interessasse por esporte.

“Para ela é natural. E não me parece que os pais a estejam pressionando. A impressão é que a Anna Clara gosta de praticar exercícios. A carga é bem pequena e adequada à idade dela, portanto, não há risco de lesão na coluna ou algo parecido. Há crianças menores que carregam mochilas com um peso superior a esse”, fala.

Idade

Outros especialistas, entretanto, não recomendam a prática de exercícios em equipamentos antes dos 14 anos. É o caso de Rogério Toledo Junior, coordenador da Comissão de Prevenção de Acidentes Domésticos da AMB (Associação Médica Brasileira) e membro titular da Academia de Medicina de São Paulo, que afirma não ver necessidade nenhuma de uma criança praticar o tipo de exercício que Anna Clara vem praticando.

“Ainda mais em uma academia, um ambiente que oferece vários riscos para alguém de tão pouca idade. Existem inúmeras outras atividades que ela poderia fazer ao ar livre, em um playground ou na quadra da escola”, diz.

Ele destaca que o pai de Anna Clara, apesar de atuar como personal trainer, não é a pessoa mais indicada para avaliar o que a garota deve ou não fazer. “Além da liberação de um pediatra (que, segundo Mileny, a filha tem), é recomendável ouvir a opinião de um ortopedista e de um fisiatra. Somente esses profissionais têm condições de avaliar em qual estágio do desenvolvimento ela se encontra e dizer se pode ou não realizar o treino funcional que costuma fazer”, afirma.

José Gabel, conselheiro do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e vice-presidente do Departamento de Cuidados Domiciliares da SPSP, afirma que, segundo preceitos que regem a pediatria universal, somente depois dos 14 anos é que as atividades que exigem maior resistência e força muscular são recomendadas.

“Nessa idade, os adolescentes já atravessaram a fase de crescimento, o chamado estirão, e apresentam uma massa óssea mais adequada. E, ainda assim, devem se exercitar somente após liberação médica”, fala. Segundo ele, antes disso, há o risco de a criança apresentar desgastes articulares nas fibras tendinosas e problemas osteoarticulares, comprometendo todo o seu desenvolvimento. Há também o perigo de inibição ou aceleração da puberdade.

“A prática esportiva é altamente recomendável às crianças, porém, sem supervisão ou em excesso, pode causar vários danos a elas, por causa de sua constituição física e biológica  mais vulneráveis do que a dos adultos. Uma criança fisicamente sobrecarregada costuma apresenta alguns sintomas como fadiga, insônia, dores no corpo, falta de concentração e pouca disposição para ir à escola” diz Gabel.

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Exposição

Com a fama repentina, a nova conta no Instagram e a página no Facebook de Anna Clara passaram a ser supervisionadas pela família e pela consultoria de marketing Projeto Caos, de Belém do Pará, de propriedade de um primo de Mansur. Os pais afirmam que Anna Clara está curtindo o fato de ter se tornado uma celebridade mirim (a consultoria também se responsabiliza por contratos de publicidade), mas vem encarando tudo com naturalidade.

Segundo Mileny, Anna Clara não teve acesso às críticas e aos comentários pejorativos. Para Carlos Alberto Landi, da SPSP, a atitude da mãe foi positiva. “Ela fez bem em protegê-la de opiniões as quais ainda não tem condições nem maturidade de lidar”, comenta.

Segundo os especialistas, a exposição em uma rede social é vista com ressalvas e tida como mais perniciosa do que a precocidade de uma criança frequentar uma academia. Conforme lembra Marco Antonio de Tommaso, psicólogo especializado em transtornos alimentares e acompanhamento psicológico em programas de emagrecimento, de São Paulo, as garotas vêm desenvolvendo transtornos alimentares cada vez mais cedo. É comum ver meninas de sete ou oito anos com bulimia e anorexia.

“O fato de alguém tão jovem se interessar por esportes é admirável, mas o que percebo é que há mais apelo estético do que uma busca por qualidade de vida. O termo ‘musinha’, a linguagem das fotos, as poses, as roupas, tudo isso tem uma sofisticação que parece priorizar mais o corpo do que a saúde. É difícil mensurar como as outras meninas da idade dela vão decodificar todas essas informações”, fala Tommaso.

Para Samir Salim Daher, presidente da SBMEE (Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte), a busca por um padrão de beleza pode ser cruel, ainda mais se iniciada precocemente. “Será que, em algum momento, ela não vai se cobrar por causa da vaidade e querer resultados cada vez mais difíceis?”, diz. De acordo com Mileny, a filha ainda não tem essa visão. “Ela não malha para ficar bonita nem é obcecada pela aparência. Se isso acontecer, serei a primeira a perceber e a intervir.”