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Achar que é possível controlar a vida do parceiro é uma ilusão

Quem é controlado também tem sua parcela de culpa na situação, pois não coloca limites - Orlando/UOL
Quem é controlado também tem sua parcela de culpa na situação, pois não coloca limites Imagem: Orlando/UOL

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

15/10/2014 07h03

Recursos para vigiar alguém existem aos montes. Ainda mais hoje em dia, com o excesso de exposição da vida privada nas redes sociais e de aplicativos que permitem divulgar a rotina em riqueza de detalhes, com direito a endereço, horário e companhia. Mesmo quem prefere um dia a dia mais discreto não está imune. Uma busca mais apurada pode facilitar bastante o trabalho de quem tem interesse –ou sente necessidade– de controlar a vida do par.

Mas por mais que uma pessoa se esforce, conferindo trajetos, fuçando o Facebook de minuto em minuto, telefonando várias vezes ao longo do dia, cercando o outro através de parentes e amigos, dá mesmo para controlar a vida de alguém e saber todos os seus passos?

Para a psicóloga especializada em sexualidade Juliana Bonetti Simão, de São Paulo (SP), a resposta é não. "A percepção de controlar o parceiro é ilusória. Nosso par é aquilo que pode ser e não o que gostaríamos que fosse. Portanto não está a serviço de nossas fantasias de controle", diz. "O controle da vida daquele que acreditamos amar é algo que, cedo ou tarde, vai acabar indo contra a relação, pois é uma atitude desgastante que só provoca angústia e frustração em ambos", afirma.

Segundo Maura de Albanesi, psicoterapeuta da capital paulista, quando a pessoa percebe que está sendo fiscalizada, a tendência é criar outros recursos para burlar a vigilância: contas de e-mails diferentes, páginas falsas em redes sociais, apagar rapidamente mensagens, inventar contatos no celular etc. "Para evitar conflitos, acabam utilizando várias ferramentas sem perceber que entraram no jogo do controle, se controlando também", fala.

Controlar ou cuidar?

Muitas das pessoas que se dedicam a rastrear todos os passos da vida do parceiro o fazem mobilizadas pela ideia de que "quem ama, cuida". Porém, essa crença é totalmente equivocada, já que cuidar não é sinônimo de controlar.

"Cuidar está relacionado à ação de tratar de algo ou alguém, zelar, preocupar-se, dar atenção, notar, manifestar interesse. Controlar significa vigilância, inspeção, fiscalização, exigir comprovação, domínio. Assim, quem ama cuida, não controla. O controle tem uma intensa necessidade emocional, na qual não há espaço para a necessidade do outro ou para o desenvolvimento do amor", explica Ana Paula Magosso Cavaggioni, psicóloga da Clia Psicologia e Educação, de São Paulo (SP).

Na opinião de Juliana, antes de sair por aí inspecionando o par, é melhor a pessoa olhar para si mesma e repensar suas escolhas. "Se há certeza do amor que o outro sente, existe confiança. Por isso, há espaço para que cada um tenha uma vida própria dentro do relacionamento", observa.

Por trás de todo controle excessivo é comum existir um ciúme doentio, que nasce de uma demanda de exclusividade, do desejo de ser tudo para alguém, da situação de não suportar dividir a atenção da pessoa amada com mais ninguém.

"O ciúme traz consigo uma grande angústia de ser excluído e de correr o risco de perder atenção e amor. Mas para amar o outro é preciso, primeiro, amar a si mesmo. Em qualquer relação, amar demais nunca será sinônimo de posse ou de controle", expõe Raquel Fernandes Marques, psicóloga da Clínica Anime, de São Paulo (SP).

O ciúme normal se baseia em ameaças e fatos reais. Ele não limita as atividades de quem sente ou é alvo e tende a desaparecer diante de evidências. O ciúme extrapola as fronteiras do saudável quando se torna uma preocupação constante e, geralmente, infundada de pessoas que apresentam grande imaturidade em suas relações, chegando, em casos extremos, a ter comportamentos agressivos.

"Indivíduos inseguros e com baixa autoestima nem sempre sentem ciúme por causa de um motivo, pois esse sentimento é um monstro gerado por eles mesmos. Essas pessoas não precisam de inimigos, pois elas se bastam", fala Raquel.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2014/08/02/qual-e-o-seu-grau-de-ciume.htm')

Efeito bola de neve

Ao acreditar que é possível gerenciar a relação, a pessoa tenta administrar as próprias emoções e angústias, sem considerar o que outro sente, para garantir o sucesso da vida a dois. “Mas nada é garantido. Temos o nosso desejo, mas ele precisa ser recíproco. O máximo que conseguimos gerenciar é a rotina em comum, as despesas, aquilo que é de cunho prático. Sentimentos, de forma alguma, pois não dá para obrigar alguém a amar", conta Juliana.

Alguns homens e mulheres fazem tanto esforço ao tentar vigiar o par que acabam perdendo o controle da própria vida. Com frequência, sofrem prejuízos profissionais, sociais, familiares e financeiros. "Toda a sua energia pessoal é canalizada no outro e, com isso, suas questões pessoais ficam à deriva. É como uma bola de neve: a pessoa passa a se sentir vazia e busca que o outro a preencha, o que leva a aumentar ainda mais a cobrança”, explica Maura de Albanesi.

Segundo a psicóloga Ana Paula, é importante que aquele que se sente vigiado não alimente a dinâmica doentia e controladora do parceiro, estabelecendo de forma clara os limites de sua individualidade, mantendo atividades e contatos que considere importantes e evitando ceder à pressão para evitar brigas que lhe pareçam infundadas. Ao mesmo tempo, é fundamental procurar conscientizá-lo sobre o caráter destrutivo de seu comportamento para o relacionamento, apoiando-o a buscar ajuda profissional se necessário.

"Não se deve suportar o controle. Ao menor sinal dele, mude a relação rapidamente. É preferível perder uma pessoa a perder a si mesmo", diz Maura. Já Juliana Simão lembra que toda questão amorosa tem dois lados. "Para alguém controlador, volta e meia existe outro alguém que se deixa controlar, ou seja, há uma autorização para que a relação se configure dessa maneira", diz.