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Daninhas requerem controle e, sob regras, podem ser incluídas no paisagismo

A bela Cosmos Sulphureus Cav. ou, popularmente,  picão-de-flor é considerada uma planta daninha - Getty Images
A bela Cosmos Sulphureus Cav. ou, popularmente, picão-de-flor é considerada uma planta daninha Imagem: Getty Images

Simone Sayegh

Do UOL, em São Paulo

08/10/2013 07h06

Existe uma espécie arbustiva que deixa os campos vermelhos ou arroxeados com suas lindas flores, a corda-de-viola (Ipomoea Hederifolia L.). Outra exibe flores alaranjadas, conhecida como Cosmos Sulphureus Cav., ou picão-de-flor, seu nome mais comum. Porém, apesar da beleza, ambas são consideradas plantas daninhas, agressivas e invasivas.

Apesar da designação, o conceito de planta daninha é considerado pelos especialistas como antropocêntrico, ou seja, não existe vegetal naturalmente danoso, e sim, “no lugar errado e na hora errada”. “Uma planta de milho que nasça dentro de uma cultura da soja ou feijão será denominada ‘daninha’, o que ecologicamente não é verdade”, exemplifica o professor Dagoberto Martins, agrônomo e pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho).
 
O professor cita a corda-de-viola como um exemplo estético de planta daninha que poderia ser utilizada na ornamentação de jardins, mas que por se reproduzir muito rapidamente (alta produção de sementes) e apresentar outras características de agressividade acaba por se transformar em uma variedade não desejada. 
 
Martins afirma ainda que, dependendo do ambiente, cultura e interesse comercial é preciso controlar as daninhas, mas isso não significa - necessariamente - eliminá-las. “No caso de um jardim, como a organização estética é valorizada, erradicação da planta é comum, mas é bom saber que a incorporação delas ao solo é uma forma ecológica de melhorar a fertilidade do local, pela adesão de material orgânico a terra”, pondera. 
 
Relativizando
 
Segundo o professor Pedro Luis da Costa Aguiar Alves, do Departamento de Biologia Aplicada da FCAV-Unesp (Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp) e estudioso das plantas daninhas, o problema é que certas espécies em determinados contextos passam a interferir direta e/ou indiretamente sobre outras variedades. A ação se manifesta, acima de tudo, por meio da competição pelos recursos do meio, como água, adubo, luz e até mesmo espaço. 
 
“Uma infestação de tiririca (Cyperus rotundus) pode acabar com qualquer projeto paisagístico, dada a agressividade da espécie que pode levar a mortalidade de outras plantas”, explica Alves. Além disso, algumas plantas daninhas têm a capacidade de liberar substâncias chamadas aleloquímicos, que agem como se fossem herbicidas naturais e matam outras espécies próximas, criando halos de inibição onde outros vegetais não se desenvolvem. 
 
A chamada interferência indireta se traduz como, por exemplo, a possibilidade de tais variedades servirem como hospedeiras para pragas e doenças que podem atacar ou infectar as plantas ornamentais. Outras ações são a distorção da estética pretendida ou, até, a ocorrência de danos ao homem ou aos animais, nos casos de espécies tóxicas e alérgenas. No entanto, o paisagista Marcos Malamut reforça a questão da relatividade do conceito, já que algumas espécies utilizadas como forração poderiam ser classificadas como daninhas, já que são plantas de rápido desenvolvimento, invasoras (invadem canteiros rapidamente se não houver manutenção contínua, competindo com os demais vegetais), e se propagam facilmente por sementes. 
 
“Nesse caso, usamos a agressividade da planta a nosso favor, formando grandes superfícies homogêneas que se recuperam rapidamente dos danos que provocamos, por exemplo, ao jogar futebol sobre um gramado”, afirma Malamut. 
 
Também é possível fazer uso da beleza das plantas daninhas (folhagem ou flores) no próprio projeto paisagístico, como acontece com a perpétua-roxa (Centratherum punctatum) ou as beldroegas (Portulaca oleracea L.). O importante é lembrar que mesmo que algumas espécies tenham potencial ornamental e possam ser usadas como forração - ou adubo -, precisam de manutenção constante e rígido controle para não ocuparem mais espaço do que o reservado à variedade.
 
Características principais e plantas mais comuns
 
As plantas daninhas podem ser espécies nativas muito vigorosas ou exóticas muito bem adaptadas ao ambiente em que se encontram, com vantagens competitivas em relação aos demais vegetais daquele local.  As características agressivas referem-se à grande produção de sementes, ao tipo de dormência dessas sementes, à plasticidade fenotípica (capacidade de um organismo apresentar características distintas em resposta a um estímulo ambiental), à reprodução vegetativa (assexuada), entre outros fatores que permitem às espécies se adaptarem a ecossistemas modificados, como o sistema agrícola ou mesmo um jardim. 
 
Embora existam algumas plantas consideradas daninhas em todo o país, há também o caso de plantas assim chamadas em algumas regiões, mas em outras não. Isso acontece  por que existem ambientes mais ou menos favoráveis à agressividade de uma determinada variedade vegetal. ”A flor-do-guarujá - ou chanana - (Turnera ulmifolia L.) é um exemplo: designada como invasora em algumas regiões, é cultivada como ornamental em outras”, conta Malamut.  “Já a tiririca - ou dandá - é vista como daninha em todo o país”, completa.
 
Segundo o professor Dagoberto Martins, as espécies de plantas daninhas podem ser divididas em dois grandes grupos: as de folhas largas - em sua maioria dicotiledôneas - e as de folhas estreitas, monocotiledôneas. O capim-marmelada (Brachiaria plantaginea), o capim-braquiária (Brachiaria decumbens) e o capim-colchão (Digitaria ssp.) são bons representantes das monocotiledôneas no Brasil, com ampla distribuição em quase todo o território nacional e de origem africana.
 
Representando as dicotiledôneas temos: a corda-de-viola (Ipomoea Hederifolia L.), o picão-preto (Bidens pilosa) e a guanxuma - ou vassoura - (Sida spp.), todas originárias da América Tropical. Há também alguns vegetais daninhos com propriedades medicinais, como o dente-de-leão (Taraxacum officinale). Segundo Malamut, em parques e jardins também é comum o aparecimento de tiriricas (Cyperus rotundus), trevos (Oxalis spp.), agriãozinho (Synedrellopsis grisebachii), buvas (Conyza spp.), pega-pega - ou carrapicho - (Desmodium Desv) e quebra-pedra (Phyllanthus sp).
 
Apesar da importância dessas plantas variar de acordo com a cultura, o ambiente e o interesse econômico envolvidos, existe uma espécie que realmente têm preocupado os pesquisadores, por causar desequilíbrios no Pantanal, um bioma nacional de importância mundial: “O capim tanner-grass (Brachiaria arrecta), espécie que se estabelece nas margens dos rios e lagoas  e cresce para dentro da água está eliminando a flora nativa existente nas margens do Pantanal, devido a sua agressividade”, alerta Martins.  
 
Controle
 
É importante saber que no Brasil não há nenhum produto químico (herbicida) registrado para aplicar em jardins contra o crescimento específico dessas plantas. “Já em outros países existe registro de diversos compostos para controlar tanto plantas de folhas largas como estreitas”, esclarece o professor Dagoberto Martins, da Unesp. 
 
Todavia, dependendo da situação, como no caso de gramados, elas podem ser controladas por herbicidas não-específicos, aplicáveis segundo regras pontuais e com uso de equipamento de segurança. No entanto, na maioria dos casos o controle é manual, feito por meio de arranquio ou capina, o que realmente onera muito o custo de manutenção. “Um método muito mais eficaz e simples é a simples prevenção”, explica o professor Pedro Luis da Costa Aguiar Alves, também da Unesp.
 
Alves recomenda que, por exemplo, na hora da compra das mudas, a preferência recaia sobre viveiros certificados. Ainda assim é sempre bom fazer a inspeção visual do material, a fim de evitar a introdução dessas plantas no jardim ou cultura. “Mesmo cuidado deve ser tomado na compra de esterco, cama de frango (forração de viveiros) e outros insumos que podem servir como contaminantes”, completa.
 
Malamut também indica a possibilidade de se preparar um solo que não seja adequado a essas espécies agressivas: “A tiririca adora solos ácidos, assim, se houver um preparo adequado, com correção do pH, dificilmente haverá uma infestação significativa da variedade daninha”, afirma.
 
O paisagista reforça que quando um jardim é bem implantado e adequadamente mantido (insolação, irrigação, adubação, e regime de podas adequados) o vigor e a capacidade de competição das espécies ali cultivadas limitam a instalação de plantas indesejáveis. “Nos canteiros é recomendável fazer uma camada generosa (de 5 cm a 7 cm) de cobertura morta (cascas), que além de controlar a umidade e a temperatura do solo, dificulta a germinação de sementes de ervas daninhas", aconselha. Na manutenção de gramados também é importante evitar o uso de esterco de gado, que freqüentemente contém sementes de plantas indesejáveis, que sobrevivem ao trato intestinal dos animais. 
 
No entanto, uma vez instaladas a melhor solução ainda é a retirada sistemática das mudas. “Se as plantas florescerem no jardim, terão tempo de disseminar suas sementes”, explica o paisagista, que completa: “Se há a demora no arranque da planta-mãe, certamente haverá dezenas de sementes no chão prontas para germinar quando as condições forem favoráveis”. Ou seja, é muito importante que as plantas sejam arrancadas com as raízes, de maneira rotineira, para a infestação diminuir progressivamente e se evitar a substituição da formação original do canteiro ou gramado.