Timidez não é problema desde que criança não sofra por causa dela
Perto do fim do verão, eu estava examinando uma garota do ensino médio. As anotações de uma consulta na primavera anterior diziam que se tratava de uma boa aluna, mas que pouco falava em sala de aula. Então, lhe perguntei se aquilo ainda era um problema para ela.
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Eu sou tímida, ela respondeu. Somente tímida.
Será que eu deveria ter me voltado para sua mãe e sugerido um orientador psicológico? Uma avaliação acadêmica? Deveria ter investigado mais a fundo? Como você se sente na escola, tem amigos, alguém a intimida?
Ou deveria ter dito: muita gente é tímida. É um entre os estilos saudáveis e normais de ser humano.
Em conjunto, todas essas respostas seriam corretas. Uma criança vítima de bullying ou atormentada pode estar ansiosa em atrair atenção para si mesma; uma criança que nunca deseja falar em sala de aula pode estar se contendo porque algum problema de aprendizagem a atrapalha, deixando-a envergonhada. Então, é necessário ouvir –principalmente no caso de uma criança que fala menos do que mais– e encontrar formas de questionar. Você está feliz, ansiosa, com medo?
Porém, a timidez também faz parte da grande e gloriosa gama do normal humano. Dois anos atrás, Kathleen Merikangas, investigadora sênior do Instituto Nacional de Saúde Mental, e colegas publicaram um estudo com dez mil crianças, com idades variando entre 13 e 18 anos.
"Nós constatamos que, praticamente, a metade dos garotos dos Estados Unidos se descrevem como tímidos", afirmou ela.
Por mais comum que seja, nossas escolas –e nossa cultura em geral– nem sempre celebram o reservado e retraído.
"As crianças tímidas, que não levantam a mão, que não falam na sala de aula, são penalizadas de verdade nesta sociedade", disse Kathleen .
Ouvi falar que o temperamento foi inventado pelos primeiros pais a ter um segundo filho –é nessa hora que eles percebem que os filhos vêm ligados a muitos dos determinantes da disposição e personalidade. O que funcionou bem com o filho número um não funciona, necessariamente, com o número dois. A análise do temperamento tem sido assunto de discussão de pediatras e psicólogos há décadas.
"Em grande medida, o temperamento é um conjunto inato de comportamentos que formam o estilo com o qual a pessoa funciona e que não deve ser confundido com sua motivação, status de desenvolvimento e capacidades", afirmou William B. Carey, professor clínico de pediatria do Hospital Infantil da Filadélfia e autor de "Understanding Your Child’s Temperament".
A timidez reflete o lugar da criança no contínuo temperamental, aquela parte que envolve lidar com circunstâncias novas e desconhecidas. E começar um novo ano escolar pode ser difícil para quem considera as situações novas mais difíceis e cheias de ansiedade. A maioria das crianças necessita de tempo para se adaptar, apoio de pais e professores e, às vezes, auxílio para fazer conexões e participar das aulas.
"Se a criança não estiver mais à vontade depois de cerca de um mês, os pais devem questionar se mais ajuda é necessária", disse Anne Marie Albano, diretora da Clínica da Universidade Columbia para Ansiedade e Desordens Relacionadas.
Geralmente, o tratamento envolve estratégias de comportamento cognitivo para ajudar a criança a lidar com a ansiedade.
Todos os tipos de temperamento têm suas zonas externas desconfortáveis ou até mesmo patológicas. Da mesma forma que existem crianças cuja avidez impetuosa em participar lhe causa problemas na escola ou sinaliza a presença de outros problemas, também existem crianças cujo silêncio é um grito por ajuda.
Estou perplexa com os paralelos entre as formas pelas quais discutimos a timidez e aquelas pelas quais discutimos a impulsividade e a hiperatividade. Em ambos os casos, existe a preocupação quanto ao risco de "patologizar" crianças que estão bem dentro da gama do normal e o temor com que somos por demais inclinados a medicar os desajustados. Com esse pensamento em mente, crianças que antes teriam sido consideradas tímidas e quietas, muitas vezes, recebem antidepressivos. Da mesma forma que aquelas que seriam tidas como animadas e impetuosas, muitas vezes, recebem medicamentos para o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade.
Contudo, a questão mais importante é se as crianças estão sofrendo. O estudo de Kathleen fez uma distinção entre a característica comum da timidez e o diagnóstico psiquiátrico da fobia social. No geral, cerca de cinco por cento dos adolescentes do estudo eram limitados severamente pela ansiedade social. Entre eles estavam quem se descreveu como tímido e quem não. Os autores questionaram se o debate a respeito da "medicalização" da timidez pode estar escondendo a detecção dos sinais distintos de fobia social.
Para pais que apenas querem ajudar um filho tímido a lidar com, por exemplo, uma sala de aula nova em folha cheia de gente nova, considere fazer ensaios, criar roteiros de encontros e interações.
"A melhor coisa que eles podem fazer é representar um papel e fazer um ensaio comportamental por antecipação", disse Steven Kurtz, clínico sênior do Instituto Mental Infantil, em Manhattan. Os pais deveriam "planejar uma recompensa para a coragem".
Porém, não assuma o controle. "O ponto do perigo é resgatar cedo demais, com muita frequência, e de tal forma que os filhos não desenvolvam mecanismos para lidar com as situações", explicou Kurtz.
A terapia comportamental cognitiva se vale de "aproximações sucessivas", nas quais as crianças se aproximam lentamente dos comportamentos que esperam alcançar. Nesse sentido, o pai ou mãe pode marcar para encontrar outro pai ou mãe no caminho da escola, para que uma criança tímida possa caminhar ao lado de outra e criar um vínculo. Um professor pode encontrar o par correto para uma criança tímida pensando em atividades em dupla na sala de aula.
"Provavelmente, a pior coisa é dizer: 'não seja tímida. Não seja quieto'", afirmou Kathleen. A questão não é tentar mudar o temperamento da criança. A ideia é respeitar e honrar a índole e a variação, ajudando as crianças a navegar pelo mundo com seus próprios instrumentos.
* Perri Klass é médica pediatra.
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