Mercado de trabalho ainda não está preparado para pais participativos
Heloísa Noronha
Do UOL, em São Paulo
27/07/2013 09h09
As mulheres estão trabalhando mais do que nunca –muitas até bem mais do que os homens, se considerarmos que boa parte dos cuidados com a organização doméstica e os filhos ainda cai exclusivamente sobre os ombros femininos.
Por conta dessa rotina atribulada, mas também porque não são poucos os que desejam ter uma participação mais ativa nos assuntos relativos à própria família, muitos homens têm se assumido tarefas e programas incomuns aos colegas das gerações anteriores. Exemplos: reuniões com professores, festinhas, consultas médicas e outros compromissos relativos à vida dos filhos.
Dependendo da função, do nível de responsabilidade, do local de trabalho ou da carga horária da mulher, é o homem quem, no meio da tarde, precisa sair correndo para buscar a criança que se machucou ou está ardendo em febre na creche. Nada mais normal, já que a divisão de contas e, consequentemente, de tarefas e obrigações entre um casal é a realidade de muitos lares.
"De uns vinte anos para cá, está acontecendo uma mudança de comportamento nos homens. Eles perderam o poder de serem os únicos provedores da casa e começaram a assumir um novo papel dentro do contexto familiar, tendo que aprender a lidar com situações que não eram de sua responsabilidade", afirma Viviane Mourão, diretora da empresa Meta&Vida Desenvolvimento em RH.
Essa nova realidade começa a se refletir na vida profissional, algo há muito tempo peculiar às mulheres. Em um ambiente conservador, é difícil para um homem dizer para o chefe: "Preciso ir, minha filha está passando mal" ou "amanhã vou chegar mais tarde porque tenho reunião na escola do meu filho". Porém, o homem precisa aprender a negociar e assumir uma parte da tradicional segunda jornada da mulher que é mãe.
Segundo Vitor Morgensztern, professor na área de pessoas, gestão e relacionamentos do MBA da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) de São Paulo, cada empresa tem uma cultura organizacional implícita a ser seguida. Mas, se o funcionário tiver certeza de sua competência e seu profissionalismo, por que não questioná-la quando uma necessidade pessoal tiver de se sobrepor ao trabalho?
"É necessário desenvolver a coragem e dizer ao chefe o que quer, quebrando o paradigma de que quem cuida dos filhos é a mulher", diz Vitor. Para o especialista, as duas partes do casal devem ter uma clara escala de valores que os ajudem a decidir se devem ir à primeira apresentação de teatro da criança, por exemplo, ou à reunião com um importante cliente. A convicção de suas escolhas, sem negligenciar as responsabilidades, certamente ajudará a argumentação na negociação.
Sensibilidade e empatia
Vitor Morgensztern explica que não existem empresas preparadas ou despreparadas para lidar com as questões pessoais de seus colaboradores e as novas configurações e necessidades familiares. O que existem são pessoas mais ou menos preparadas, e por isso ele acredita que a mudança deve mesmo partir dos próprios funcionários.
Uma das tendências de comportamento que deve permear as relações profissionais nos próximos anos são as chamadas "soft skills", expressão que reflete a capacidade de se relacionar com o outro, de ouvir, falar, aconselhar, perdoar. De ter sensibilidade para as situações do cotidiano, do escritório, da vida.
Para Maria de Lurdes Zamora Damião, professora e psicopedagoga da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), de São Paulo, a sensibilidade é o principal valor a ser construído e até mesmo dar novo significado às relações de trabalho. "Quando o profissional mostra-se humano, empático e envolvido com os colegas, colaboradores ou pares, essa disponibilidade possibilita construir parcerias e relacionamentos produtivos", afirma.
Na opinião de Ylana Miller, sócia-diretora da Yluminarh e professora de gestão de carreiras da faculdade Ibmec, no Rio de Janeiro, o exercício de conciliar a vida profissional com a pessoal pode ser tornar um diferencial na carreira masculina, principalmente para aqueles que desejam galgar posições de comando. "Chefes que valorizam a qualidade de vida demonstram empatia e interesse genuíno pelas pessoas, além de influenciá-las positivamente. Ao partilharem emoções constroem relações mais verdadeiras e profundas", declara.
Peso do estigma
Em curto prazo, no entanto, Ylana afirma que o ambiente corporativo ainda não é receptivo nem maduro para lidar com as necessidades de seus colaboradores que têm filhos (e que ajudam a criá-los). "Culturalmente se associam às mulheres os papéis de mães e protetoras. É algo natural vê-las ocupar suas agendas profissionais com atividades relacionadas à família. Homens ainda são minoria em eventos familiares que acontecem durante o horário de trabalho e, em geral, têm vergonha de se expor", diz.
Para Daniela do Lago, coaching e professora dos cursos de MBA da FGV (Fundação Getúlio Vargas), de São Paulo, o assunto envolve um paradoxo. Apesar de ser tido como algo natural e até previsível uma mulher deixar o escritório para resolver um assunto de família, sua atitude pode ser encarada como falta de compromisso pelos colegas. "Já o homem que encerra o expediente mais cedo para buscar o filho é visto como uma exceção digna de admiração. As pessoas na empresa imediatamente o consideram um excelente pai, um exemplo de marido, um ótimo funcionário", diz Daniela.
É bom frisar que os elogios são ocasionais. "Os homens que se ausentam do trabalho para cuidar de assuntos pessoais, ainda que emergenciais relacionados à família, mulher ou filhos, ainda são estigmatizados por seus chefes e, muitas vezes, pelos próprios colegas –que podem, amanhã, precisar passar exatamente pela mesma situação", explica Verônica Rodrigues da Conceição, docente do Executive MBA da BSP (Business School São Paulo). Ela declara que existem louváveis casos de empresas vanguardistas, que pregam e preparam a liderança para praticar uma política de igualdade entre homens e mulheres e até a estimulam. Porém, por enquanto, esses casos ainda são raros.
As novas gerações devem possibilitar a efetivação de uma nova ordem –na sociedade e no ambiente de trabalho– em que os valores humanos sejam mais apreciados, aceitos e praticados, e em que os homens possam, naturalmente, escolher e realizar tarefas e participar de atividades que, antes, seriam automaticamente designadas às mulheres.
"A realidade está mudando, pois a individualidade dos profissionais está cada vez mais em evidência, e as questões pessoais fazem cada vez mais parte do universo corporativo. Dessa forma, acredito que ainda muitas barreiras precisam ser quebradas não só por parte dos homens, mas também das mulheres, para que essa realidade seja encarada de forma mais saudável e com menos preconceito dentro do ambiente profissional", afirma Fernanda Schröder Gonçalves, coordenadora do departamento de Carreiras do Ibmec de Minas Gerais.
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