Designers criam objetos e até casas a partir de elementos biodegradáveis
Se acreditarmos em metade das centenas de comerciais de TV, consideraremos o trabalho doméstico uma guerra – uma batalha perpétua contra os sorrateiros soldados da natureza. Por décadas, temos nos armado com produtos de limpeza para matar bactérias, eliminar fungos e torturar ácaros. E assim que os organismos domésticos sobem na escala evolutiva, adquirindo asas e caras, contratamos “mercenários” para expulsá-los. Dois projetos recentes, contudo, sugerem uma trégua entre a natureza e a cultura doméstica.
Este ano, a Pantone anunciou o verde esmeralda como a cor “de 2013”. Nunca antes, em 14 anos desde o início destas seleções, um verde foi escolhido, possivelmente porque esta é, também, a cor do mofo e da couve-de-bruxelas.
A Pantone não ficou desencorajada. “Nenhuma outra cor expressa melhor a regeneração”, diz o informativo da companhia sobre o “vivo, verdejante” matiz conhecida como Pantone 17-5641, o “Emerald”.
Parece que à medida que nos tornamos mais ambientalmente conscientes (e possivelmente mais suscetíveis à cor do dinheiro), nos tornamos aptos a ignorar o fator “nojento” e dar boas vindas ao verde em nossas casas.
A ideia que a natureza pode ser uma convidada de honra e não somente algo que desliza para debaixo da geladeira está, também, por trás do “Bio Design: Nature, Science, Creativity” [“Bio Design: Natureza, Ciência, Criatividade”, em tradução literal], um livro publicado pelo MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York.
Escrito por William Myers, a obra foca no movimento crescente de integração de processos orgânicos à criação de construções e objetos domésticos, de forma que os recursos sejam conservados e o desperdício, limitado.
“Minusculamente” poderosos
Alguns efeitos visuais surpreendentes também podem ser produzidos pela natureza incorporada à arquitetura e/ou ao design. Os 73 projetos do livro mostram, por exemplo, como árvores vivas podem se tornar casas e pontes; como lâmpadas podem funcionar através da luminescência dos vaga-lumes; como o DNA humano é capaz de modificar a cor de petúnias e como o concreto pode se regenerar quando danificado, assim como a pele.
Myers, um professor radicado em Nova York, disse que o seu interesse no poder redentor das coisas pequenas e assustadoras começou anos atrás, quando ele começou a fazer seu próprio pão e sua própria cerveja e acabou por desenvolver certa familiaridade com a levedura.
Nós temos sido condicionados a temer os microrganismos, pondera, “mas, na verdade, eles podem ser úteis e o têm sido por milênios, se você pensar nos atos de fazer pão e fabricar cerveja”.
Outra influência de Myers foi “Design and the Elastic Mind,” [Design e a Mente Flexível, em uma tradução livre] a exposição realizada em 2008 e organizada pela curadora Paola Antonelli, no MoMA, que apresentou muitas colaborações visionárias entre designers e cientistas. Um dos projetos mais memoráveis da mostra, “Victimless Leather” - uma pequena jaqueta cultivada a partir de células de ratos vivos - aparece no livro sobre o design biológico.
Designers tem o hábito de copiar a natureza. Os exemplos se acumulam mais rápido do que espécies de besouros e incluem coisas como a arquitetura arrojada de Antoni Gaudí, o papel de parede floral criado por William Morris e as mesas de madeira rústica assinadas por George Nakashima.
A tecnologia de ponta não limita ou menospreza designs inspirados na natureza, ao contrário, os realça. Em 2006, o designer holandês Joris Laarman apresentou uma cadeira modelada por computador de acordo com os princípios do desenvolvimento do tecido ósseo, de maneira que as partes do móvel sujeitas a maior pressão fossem as mais espessas, enquanto aquelas menos pressionadas fossem delicadamente esculpidas. O resultado foi o uso eficiente do material e uma forma espetacular.
Mas afinal, o que é o bio-design?
Contudo, o biodesign não significa simplesmente usar estruturas e operações orgânicas como exemplo. Significa aproveitar os mecanismos do mundo natural para funcionar como a natureza: armazenando e convertendo energia, produzindo oxigênio, neutralizando venenos e descartando resíduos de maneira sustentável.
A luminária Halflife, que Laarman criou em 2010, é um bom exemplo. Um protótipo de abajur revestido com células do ovário de hamsters modificadas pelo DNA de vaga-lumes gera uma reação enzimática que ilumina sutilmente a lâmpada, assim, baterias não são necessárias.
O que a luminária Halflife requer é um suprimento contínuo de nutrientes para manter as células vivas. Enquanto os designers exploram novas maneiras de criar e descartar artigos domésticos, também sinalizam novas relações entre proprietários e propriedades.
“Estamos acostumados e pensar que podemos jogar objetos fora”, diz Laarman por telefone, de Amsterdã. “Não estamos acostumados com objetos dos quais cuidamos ou tratamos bem ou mesmo com coisas que se renovem.”
Células de ovário de hamster como bichinhos de estimação? No mundo mágico da biotecnologia, bactéria é bonita, musgo é elétrico e azulejos decorativos têm vida.
Bactérias e musgos iluminados
Leve em conta o Bacterioptica, um lustre projetado por Petia Morozov de Montclair, em Nova Jersey, que utiliza placas de Petri cheias de culturas bacterianas modificadas num emaranhado de fibras óticas. O padrão e a cor da bactéria em franco desenvolvimento (idealmente fornecida por membros da família, incluindo animais de estimação) muda os rumos e as características da iluminação.
Ou a Moss Table [Mesa Musgo, em tradução livre] - uma parceria entre os cientistas Carlos Peralta e Alex Driver, da Inglaterra, e Paolo Bombelli, da Itália - que explora a pequena corrente elétrica produzida, quando determinada bactéria consome compostos orgânicos liberados por um tipo de musgo durante a fotossíntese. Usando fibra de carbono para absorver tal carga, os cientistas produziram eletricidade suficiente através da mesa para acender uma lâmpada anexa.
Há também o Growth Pattern [Padrão de Crescimento], uma série de azulejos decorativos projetados por Allison Kudla, artista radicada em Seattle, que espontaneamente mudam seus padrões, pois são feitos de folhas de tabaco cortadas e dispostas num painel de placas de Petri quadradas. Mergulhadas numa solução que se comporta como um hormônio, essas folhinhas continuam crescendo.
“Muitas vezes os padrões decorativos são baseados em sistemas botânicos”, explica Kuda sobre a simetria dos azulejos (ela originalmente pensou em adamascados). As plantinhas sobrevivem por até seis meses se houver um monitoramento cuidadoso da solução e a troca de algumas placas que ficaram contaminadas por bactérias.
Uma singularidade do biodesign é o fato de os organismos trazidos aos ambientes domésticos frequentemente terem que ser protegidos ao invés de atacados. Marin Sawa, uma arquiteta de Londres que manipula a cor de microalgas em tubos flexíveis para criar um tipo de tecido vivo, descreve o impulso protetor para com suas amostras contra as forças destrutivas do espaço vital com um “pensamento reverso”.
Sawa explica: “Eu preciso que elas estejam completamente descontaminadas para que possam viver e fazer fotossíntese, que é um dos sistemas biológicos mais importantes deste planeta.” (As algas, a arquiteta ressalta, produzem quase metade do nosso oxigênio).
Frankensteins
Contudo, os biodesigners devem lutar contra o fator Frankenstein: a preocupação de que seus experimentos venham a desencadear algum novo horror incontrolável.
Mitchel Joachim - co-fundador do estúdio de arquitetura e design urbano Terreform One, no Brooklyn, e diretor de um biolaboratório nas imediações – afirma ser regularmente visitado por representantes do FBI, o serviço federal de investigações norte-americano. “Mas os agentes passam para ver como é um laboratório comunitário, saudável e funcional, diferentemente de uma célula terrorista”, argumenta Joachim.
Ele acredita que o medo de que pesquisadores se envolvam por engano em uma situação de ficção científica é exagerado. “É como se você estivesse projetando um bule e acidentalmente fizesse uma metralhadora”, brinca, “simplesmente não acontece”.
Joachim faz parte da equipe responsável por desenvolver o conceito baseado no enxerto conjunto de árvores vivas a fim de criar um abrigo abaulado. O pesquisador também imaginou uma casa construída por tecido vivo – embora ele prefira o termo “carne” – e está trabalhando numa cadeira feita com um novo tipo de plástico compostável que combina a base da raiz de cogumelos à celulose geneticamente reforçada. O ingrediente adicional é a queratina (ou o que podemos chamar de “unha”), que oferece força e a impermeabilização.
Muitos acreditam que as cadeiras atingiram seu apogeu na metade do século 20 e não requerem nenhum aperfeiçoamento adicional, mas Joachim tem outras ideias. “Charles e Ray Eames não conseguiriam copiar nossa cadeira”, defende. “Não é um projeto comum, que junta casualmente um pouco de aço, madeira ou fibra de vidro.” E ainda acrescenta: “E quando você não quiser mais este móvel, diferentemente de uma cadeira da Ikea, você não a joga no lixo, a descarta no jardim a fim de alimentar outras criaturas, pois ela faz parte da rede da vida”.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.