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Pediatras americanos denunciam bullying envolvendo alergia alimentar

Mês sim, mês não, uma criança conta ter sido forçada a comer um alimento alergênico - Thinkstock
Mês sim, mês não, uma criança conta ter sido forçada a comer um alimento alergênico Imagem: Thinkstock

Catherine Saint Louis

New York Times

22/06/2013 08h15

Qualquer diferença serve para separar alunos dos colegas e transformá-los em alvos potenciais de bullying. Porém, alergia severa à comida é uma vulnerabilidade singular. Basta um almoço ou festa de aniversário para as outras crianças saberem quais colegas não podem comer nozes, ovos, leite ou uma quantidade mínima de trigo. Pode demorar até eles compreenderem como é assustador viver com uma alergia que pode ser letal.

De forma surpreendente, os colegas podem se aproveitar dessa vulnerabilidade, tramando trocar o lanche para ver se, por exemplo, a criança fica enjoada ou cuspir leite em seu rosto para provocar uma rápida reação anafilática.

Segundo pesquisa recente com 251 conjuntos de pais e filhos com alergias a alimentos, publicada na revista "Pediatrics" no mês de janeiro, praticamente um terço das crianças relatou ter sofrido bullying por causa das alergias. Os pais somente sabiam do comportamento ameaçador em metade das vezes.

O médico Robert Wood, diretor de alergia pediátrica do Centro Infantil Johns Hopkins, em Baltimore, escuta relatos muito frequentes de intimidação dos pacientes e dos pais. "Na semana passada, uma criança teve o rosto lambuzado com creme de amendoim, colocando-a em risco. Geralmente, o bullying não é tão radical, mas o fenômeno sempre existe."

Agora, no entanto, a questão está começando a chamar a atenção. Em maio, o Food Allergy Research and Education, grupo sem fins lucrativos de McLean, Virgínia, divulgou um comunicado de serviço público destacando o tema com um estudante lamentando o fato de a cantina da escola ser um "lugar assustador". O vídeo teve mais de 17 mil visualizações no YouTube, tendo sido exibido na rede de televisão CW, levando dezenas de pais a contar episódios inquietantes na página do grupo no Facebook.

"O bullying nunca deveria ser visto como um rito de passagem", afirmou John Lehr, diretor-presidente do grupo. "Nunca é uma piada, mas a intimidação via alergia alimentar nunca é piada porque alguém pode terminar no pronto-socorro."

O Centro Médico Infantil Nacional, de Washington, acabou de contratar um psicólogo para participar do programa de alergia alimentar, em parte para ajudar os pacientes jovens que se sentem isolados ou estão sofrendo intimidação. De acordo com o médico Hemant P. Sharma, diretor do programa, um terço dos pacientes já relatou casos de bullying.


Mês sim, mês não, uma criança conta ter sido forçada a comer um alimento alergênico. "Ainda que seja apenas uma criança que se sinta isolada por causa da alergia alimentar, o fato contribui para o fardo emocional."

Na verdade, algumas crianças com alergia alimentar ficam aflitas ou ansiosas. Wood costuma mandar a criança falar com um psicólogo "porque não tocam em maçaneta nem usam o banheiro por temerem uma exposição inadvertida ao alimento alergênico”.

O Instituto Jaffe de Alergia Alimentar, do Centro Médico Mount Sinai, Manhattan, não apenas oferece orientação psicológica às crianças e aos pais depois do episódio de bullying como também convoca os diretores em nome do paciente.

Nem sempre as vítimas da intimidação alertam os pais. Porém, Miles Monroe, de 8 anos, de Bethesda, Maryland, que é alérgico a leite, ovos e trigo, contou aos seus pais que não se sentia à vontade na cantina depois que um colega segurou uma embalagem do chocolate Kit Kat perto do rosto e ficou cantando "você não pode comer isto".

Miles não ficou "com medo de ficar doente por causa disso, mas se sentiu agredido", contou Courteney Monroe, 44 anos, sua mãe e diretora de marketing do canal National Geographic. A compreensiva professora de Miles arrancou o mal pela raiz ao falar para o agressor que seria como se ele não pudesse comer o alimento preferido, fosse provocado com ele ou terminasse no hospital se o ingerisse (até então, esse resultado era inconcebível).

Nem todo professor se mostra tão preocupado. "A intimidação relacionada à alergia alimentar nem sempre vem dos colegas, mas de adultos, como os professores", afirmou Elisabeth Stieb, enfermeira do Centro de Alergia Infantil do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston.

Pelo menos 15 estados americanos têm diretrizes para a administração da alergia alimentar nas escolas, e muitos cuidam de forma específica do bullying. As normas do Texas pedem "tolerância zero à intimidação ligada à alergia alimentar". Já as do Arizona sugerem que os responsáveis sejam treinados a "intervir rapidamente para ajudar a impedir a troca de alimentos ou bullying" na cantina.

“Bullying e provocação comum não são a mesma coisa. O que os distingue não é apenas a força diferencial entre as crianças, mas alguém propositalmente tentando prejudicar outro", afirmou Rashmi Shetgiri, pediatra e pesquisadora do Centro Médico Southwestern da Universidade do Texas.

Da mesma forma que os agressores cibernéticos usam equipamentos eletrônicos para machucar, os intimidadores da alergia alimentar "reafirmam a força utilizando o alimento alergênico", finalizou Shetgiri.