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Casa "de lata" reúne fetiche arquitetônico e apelo sustentável

Versão mais recente da Zachary House, na Carolina do Norte, projetada pelo arquiteto Stephen Atkinson - Sara Essex Bradley/The New York Times
Versão mais recente da Zachary House, na Carolina do Norte, projetada pelo arquiteto Stephen Atkinson Imagem: Sara Essex Bradley/The New York Times

Penelope Green

Do The New York Times, em Ramseur, Carolina do Norte (EUA)

17/01/2013 13h26

Uma casinha incrivelmente bonita, revestida externamente em metal ondulado reluzindo sob a luz do sol… tão honesta e simples entre magnólias e muitos hectares de uma viçosa plantação de soja, quanto o desenho de uma criança. Essas características fazem parte do encantamento de Terrie Moffitt e Avshalom Caspi, professores de psicologia em Duke, em relação à morada que possuem em Ramseur, Carolina do Norte.

Os acadêmicos admiram o modo como a casa incorpora a arquitetura rural que tanto amavam: as cabanas da América do Sul e as estruturas de zinco cheias de sulcos da Nova Zelândia, onde estão conduzindo um estudo. Caspi relembra, através da residência, das cabanas do kibutz em que cresceu e Moffitt ressalta como a pequena construção foi erigida sobre o local onde estava a casa original da fazenda, construída por sua família nos anos 1920 e como as lembranças ainda são fortes ali.

Mas ainda há quem seja cético quanto à nova casa. Um vizinho exclamou: “Querida, você cometeu um erro terrível e construiu a lareira do lado de fora da sala”. Ao que Moffitt lhe respondeu: “É pior que isso. Não há sala”. E o pai da professora foi obtuso quanto à construção, como ela mesma conta: “Isso é uma mistura entre um galinheiro e um trailer”.

Mas a única consideração com a qual o casal realmente se preocupa é a de Stephen Atkinson, o arquiteto com quem eles fizeram uma barganha incomum. Atkinson, que vive e trabalha em Palo Alto, na Califórnia, entregou-lhes o projeto da casa sem cobrar, mas com restrições: para cada mudança que o casal desejasse fazer a partir do desenho original, seria cobrada uma taxa.  

A exclusão da chaminé externa, por exemplo, custaria US$ 3 mil. Vidros transparentes ao invés de janelas com fibra de vidro translúcida? US$ 4 mil. Um teto de catedral, ao invés do teto reto e modernista que fora especificado? US$ 2,5 mil.

Em outras palavras, quanto mais próxima a casa fosse daquela projetada, menos custaria. Atkinson, para quem este projeto se tornou quase uma obsessão, estaria assim garantindo que a terceira encarnação da estrutura que ele chama de Zachary House estaria próxima da perfeição.

A história

Em meados dos anos 1990, logo após terminar a graduação em design na Universidade de Harvard, Atkinson começou a vender a ideia de uma casa modernista feita de metal ondulado, com passagens abertas e apenas dois ambientes para vários periódicos de arquitetura. Para seu deleite, o arquiteto ganhou um prêmio de prestígio – a citação da Progressive Architecture – e implorou a seu pai, um dentista aposentado de Baton Rouge e dono de uma propriedade em Zachary, no estado de Louisiana, para construí-la.  

Quando foi construída, por US$ 45 mil, a casa de 51 m² se transformou em uma pequena celebridade, aparecendo em 39 revistas - desde as que tinham inclinações modernistas como a Dwell, até as mais tradicionais como a Southern Living -, além de figurar em um grande número de livros.

CASA-CELEIRO DATA DE 1770, VEJA

  • Randy Harris/The New York Times

A Zachary House mexeu com todo tipo de pessoa, não só com entusiastas da arquitetura ou designers, para quem a passagem aberta e abstrata havia se tornado um objeto de fetiche, nas palavras de Karrie Jacobs, editor fundador da revista Dwell.

Em forma de cruz, com dois pequenos cômodos ligados por uma passagem coberta e divididos por um longo deck, a Zachary House imitava a forma das grandes catedrais. Ambientalistas preocupados com o custo e devotos ao movimento das pequenas casas festejaram seu preço, comedimento e tamanho. Autores especializados em arquitetura trabalharam e criaram em cima dela (“uma construção poética que contém uma essência maior que suas interpretações em potencial – uma estrutura formal e persistente cujo significado percebido será menor que a essência total da arquitetura”, escreveu um acadêmico entusiasta em um periódico de universidade).  

Atkinson se viu mimado por tanta atenção. “Sou muito ambicioso”, diz o arquiteto, “e esta avalanche de atenção pessoal não foi uma boa lição. O mundo não funciona assim”.

Desconfiguração

Durante anos, Atkinson recebeu ligações e e-mails de fãs pedindo o projeto. E durante anos ele recusou, porque não sabia como precificar e porque não gostava da ideia de ter sua casa construída sem sua supervisão.

Enquanto isso, “peregrinos do design” lotavam ônibus para visitar a Zachary House e os pais de Atkinson, que usavam o local aos finais de semana, começaram a querer mostrar a pequena casa e salientar seus pontos fortes, como o teto reto de 2,5m, projetado para relembrar o Pavilhão de Barcelona; as janelas de fibra de vidro translúcida que preenchem os dois pequenos cômodos com luz difusa e sombras; o “vazio” da passagem.    

“É um paradoxo”, Atkinson certamente dirá a qualquer um, “que o coração da casa seja na verdade um vazio”. Mas em 2005, o pai do arquiteto teve que vender a propriedade onde a casa se encontrava e Tom Ranzino, um padre católico de Baton Rouge, ofereceu-se para “resgatar” a pequena casa e movê-la para a terra que possui ali perto.

O padre também era um fã da construção e durante anos passou seus dias de folga visitando a casa, deleitando-se com o estado meditativo a que ela o induzia. Todavia, a casa foi danificada durante a mudança e ao consertá-la e deixá-la de acordo com o código de construção local, o padre fez algumas mudanças – instalou janelas que abrem e um novo revestimento externo com bordas arredondadas, não retas. 

CASA NO "FIM DO MUNDO", VEJA

  • Goeril Saetre/The New York Times

Atkinson conta que ficou tão perturbado com tais alterações que mistura as consequências do furacão Katrina com a sua visão da reformada Zachary House. “As pessoas me perguntavam, depois do furacão, se a minha casa sobrevivera”, lembra, “e a vontade era de dizer que ela não sobreviveu”.

Uma nova chance

Caspi e Moffitt se conheceram 25 anos atrás em uma conferência em St. Louis chamada, romanticamente, de “Caminhos Distorcidos, da Infância à Fase Adulta”. Na época em que Atkinson estava se lamentando pelo destino da Zachary House, eles tentavam comprar a fazenda da falecida avó da professora, com cerca de 78 hectares e próxima de Raleigh, onde ela crescera. 

O avô dela tinha seis fazendas e cinco filhas, e cada vez que Moffitt fazia uma oferta, uma tia diferente criava algum empecilho. Finalmente, todas as cinco tias concordaram em vender uma das propriedades. Moffitt adorava sua avó, uma iconoclasta que vestia calças e chapéu de safári. “Ela seguiu o próprio caminho”, afirma, relembrando que quando a avó foi apresentada a Caspi, cujo nome não se escuta muito na Carolina do Norte, ela olhou demoradamente para ele e disse: “Acho que vou chamar você só de ‘Bobby’”.

Os professores reuniam ideias sobre o que construir na terra que fora tão importante para Moffitt em certa época. Nada luxuoso ou muito caro, algo que lembrasse as estruturas simples que viam em suas viagens.

Em uma loja de livros em Dunedin, na Nova Zelândia, eles encontraram o livro “Mini House”, do arquiteto espanhol Alejandro Bahamon, que conta com uma foto encantadora da Zachary House na capa. Depois de fisgados, os professores escreveram para Atkinson e pediram o projeto. Houve alguma coisa, talvez uma súplica (Atkinson não sabe dizer direito o quê) que fez com que o arquiteto os levasse a sério e não os espantasse como fez com todos os outros. 

“Atkinson nos contou a historia da casa e disse que estaria aberto para nos ter como zeladores da nova encarnação”, conta Caspi. “Ele fez os arranjos todos e nós seguimos em frente”.

Atkinso, por sua vez, diz: “Tem quatro coisas que as pessoas querem mudar na casa, e são sempre as mesmas. E nunca caiu a ficha deles que isso diminuiria a essência arquitetônica do projeto”. E quais são elas?

“Uma é não construir a chaminé”, responde. “A segunda é fechar a passagem. A outra é construir as portas externas com 1,8 m ao invés de 2,4 m, que é o tamanho padrão, porque é um óbvio fator de economia. A quarta coisa é criar pés direitos mais altos, ao invés de manter os tetos retos e com 2,4 m de altura”.

Mas o importante sobre a porta de 2,4 m e o teto de 2,4 m, o arquiteto afirma, além do critério do ícone modernista - o Pavilhão de Barcelona -, “é que não há nada que levante o espaço, então o teto simplesmente permeia toda a casa. É por isso que fiz branco o teto da passagem aberta, criando este enigmático espaço central”.

Caspi e Moffitt ficaram encantados com Atkinson, e, do seu jeito, estão tão apaixonados pela casa quanto o arquiteto. Muito da pesquisa em andamento dos dois trata de como o lugar altera o comportamento. Um estudo relaciona a quantia de espaço verde de uma região com incidentes de delinquência juvenil.

Enfim, pronta e pouco modificada

Em 2012 a casa ficou pronta. Custou aos doutores US$ 120 mil para construí-la, mais US$ 300 - a multa cobrada por Atkinson por duas escotilhas de ventilação que foram feitas nas paredes do quarto. (Lembrando: não há janelas que se abrem na casa, somente quatro portas duplas na extremidade de cada ambiente).

Além disso, foram feitas mudanças invisíveis para a adaptação do volume ao código de construção local, assim como algumas melhorias no projeto original, como isolar o encanamento, por exemplo, enterrando-o no chão. Um dos toques elegantes e da eficiência do custo é que a casa é construída acima do solo, portanto sem fundação. E para liberar espaço no banheiro, o empreiteiro Brent Lindley usou um aquecedor de água sem reservatório.

Mas a maior modificação que Atkinson teve que engolir, foi amarga: Lindley colocou vigas em forma de cruz nas portas externas para impedir que o vento as destrua. Essas portas, feitas de metal ondulado, protegem as portas de vidro internas, o que significa que você pode fechar a casa como uma pequena caixa quando não há ninguém dentro. A solução, disse Atkinson, é unir as ondulações do metal.  

Caspi e Moffitt, porém, estão lutando com outro enigma: como ler na cama. O móvel foi projetado para ficar exatamente no centro do quarto e criados-mudos e abajures com fio serpenteando pela a parede iriam realmente atrapalhar o visual. “Esse problema a gente ainda não solucionou”, reconhece Moffitt.

A casa está basicamente vazia, mas parece extraordinária dessa maneira. Caspi gosta do modo como a luz atravessa os cômodos, uma instalação de arte em constante movimento. Ele está de olho na Slow Chair, um item de alto design criado por dois franceses para a Vitra, mas que custa quase US$ 3.5 mil.

Isso dá quase US$ 7 mil por um par, para sentar, “embora cada Slow Chair venha com seu próprio travesseiro”, nota o professor.  “Devagar estaríamos é pagando nosso cartão de crédito”, a esposa se opõe.

Por enquanto, eles estão relaxando nas quatro cadeiras do deck, compradas no Wal-Mart. E nós nos perguntamos o que será que o Atkinson vai dizer sobre elas quando for visitá-los pela primeira vez.