Trabalho impossibilita amamentação pelo tempo ideal e mães sofrem com pressão e culpa
O dogma da amamentação esteja criando um sentimento de culpa injusto e graves dificuldades para um número crescente de novas mães, muitas das quais não podem arcar, profissional ou financeiramente, com as licenças-maternidade prolongadas necessárias para amamentar no peito seus filhos pelo período atualmente recomendado.
Há 43 anos, quando meus gêmeos nasceram, a pressão para amamentar exclusivamente no peito por seis meses não era tão grande quanto é hoje. Todavia, eu senti que os decepcionei –e a mim mesma– porque isso foi impossível. Eu esperava alimentá-los apenas com leite materno pelos seis meses de licença maternidade concedidos pelo meu emprego. Mas a natureza tinha um plano diferente.
Aos sete meses de gravidez, eu soube que teria gêmeos e meu médico ordenou que eu parasse de trabalhar, para evitar um parto precoce. Os meninos nasceram por cesariana, cada um com três quilos. Mas eu tive uma infecção perigosa após a cirurgia. Sustentada por soro por oito dias, eu fui isolada dos bebês; meu leite era extraído e eles mamavam fórmula infantil.
Quando finalmente deixamos o hospital, cada menino tomava 100 gramas de fórmula a cada quatro horas, e eu produzia menos da metade disso em leite materno. Meus médicos davam orientações contraditórias. O obstetra dizia para eu amamentar que, assim, o leite viria. Ele afirmava que, se eu desse a mamadeira, eles deixariam de mamar no peito. O pediatra mandava abandonar a amamentação no peito e dar fórmula, ou eles ficariam com fome e iriam chorar a cada duas horas. Pior que isso, iriam perder peso.
Depois de chorar muito, decidi mesclar os dois conselhos: primeiro amamentava os bebês no peito, e completava cada amamentação com fórmula. Os meninos foram perdendo gradualmente a dependência da mamadeira. Mas quando completaram quatro meses, minha licença acabou e tive que voltar ao trabalho, a uma hora de distância de casa, em um escritório sem creche local, nem um lugar onde pudesse tirar leite.
Uma barreira intransponível
Muito mais mulheres agora trabalham em tempo integral, a maioria em lugares que não podem acomodar uma mãe amamentando no peito. Poucas podem arcar com uma licença maternidade prolongada sem remuneração. Como Alissa Quart nota no artigo “A Guerra do Leite”, publicado recentemente no “New York Times”, muitas novas mães consideram difícil, se não impossível, alimentar seus bebês apenas com leite materno por seis meses.
As autoridades de saúde comparam o fracasso de amamentar no peito ao risco de fumar durante a gravidez, o que aumenta a angústia e a culpa dessas mulheres.
Mas como mostrou um recente estudo na Escócia, a diferença entre o que é ideal e o que é real é impossível de ser superada por muitas famílias. Os autores, que realizaram 220 entrevistas pessoais, a maioria com mulheres grávidas, novas mães e seus parceiros, concluíram que metas mais realistas e viáveis devem ser estabelecidas, particularmente em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, que até o momento não conseguiram atingir as metas para aleitamento materno.
Hanna Rosin, mãe de três bebês alimentados com leite materno, escreveu no “The Atlantic”, um jornal norte-americano, em 2009, que o aleitamento materno envolve “uma dedicação séria de tempo que basicamente te proíbe de trabalhar. Quando as pessoas dizem que a amamentação no peito é 'gratuita’, ela é apenas gratuita se o tempo da mulher não valer nada”.
Os pesquisadores escoceses, cujo estudo foi publicado em março na revista “BMJ Open”, uma publicação online especializada em pesquisa médica, concluíram que há um “choque entre o idealismo aberto ou secreto da amamentação do bebê e a realidade experimentada”. "Algumas famílias", eles apontaram, “percebem que a única solução que devolverá o bem-estar aos pais e ao bebê é deixar de amamentar ou introduzir alimentação sólida”.
Até mesmo as mães que planejavam se dedicar à amamentação no peito frequentemente têm dificuldades com o tempo necessário para voltarem às suas vidas pré-gravidez, incluindo sono, exercício, amizades, vida conjugal, atenção aos outros filhos e até mesmo o trabalho doméstico.
Pode haver pouco benefício no aleitamento materno se ele resultar em mães aflitas ou discórdia conjugal ou familiar. Como uma mulher no estudo escocês disse, “tudo parece ser, ‘não faça nada que interfira na amamentação no peito’. Mas isso não se encaixa no restante de sua vida, e acho que as pessoas simplesmente desistem porque é difícil demais”.
Em alguns casos de amamentação exclusiva no peito, o parceiro da mulher e outros filhos se sentem excluídos dos cuidados com o bebê e do laço que se forma ao alimentá-lo. Uma mulher no estudo disse sobre seu parceiro, “eu acho que ele está realmente contente de poder dar a mamadeira ao bebê; é o momento deles sentarem juntos e relaxar”.
Os autores concluíram que “seis meses de amamentação exclusiva no peito é considerado irrealista e inviável para muitas famílias, e promover isso é visto como conduzir os pais a um fracasso”.
Eles recomendaram que, em vez de ditar como os bebês são alimentados, os profissionais de saúde deveriam discutir abertamente com as famílias e definir um determinado regime de alimentação que se encaixe na vida familiar.
Evidência incerta
Algumas mães no estudo escocês se ressentiam da “propaganda” promovendo o aleitamento materno, chamando a mensagem de que “o peito é melhor” excessiva e questionando a evidência de que o aleitamento materno exclusivo por seis meses reduz o risco do bebê de sofrer com alergias, asma, eczema, infecções de ouvido, obesidade, diabete, doença cardíaca, morte súbita infantil e inteligência reduzida, assim como protege as mães de câncer de mama.
Há evidências apoiando essas afirmações, mas nenhum teste controlado –o padrão ouro da pesquisa científica– provou que os bebês alimentados com leite materno se saem melhor, ao menos nos países industrializados.
Os bebês que são alimentados exclusivamente no peito por seis meses geralmente vêm de famílias que divergem de muitas formas daquelas desmamadas cedo ou alimentadas com fórmula desde o inicio. (É claro, bebês alimentados exclusivamente com leite materno se saem melhor em áreas menos desenvolvidas, onde a fórmula pode ser preparada com água contaminada ou a pobreza leva as mães a serem econômicas em seu uso.)
Quanto aos anticorpos que protegem os bebês no início da vida, a maioria é adquirida por meio da placenta durante a gravidez. As principais exceções são os anticorpos contra infecções gastrointestinais (vômitos e diarreia); esses anticorpos são transferidos para o sistema digestivo do bebê por meio do leite materno, mas não pela fórmula.
Com base em sua revisão das evidências médicas, Rosin, em seu artigo no “The Atlantic”, escreve, “isso mostra que o aleitamento materno provavelmente seja, talvez, um pouco melhor, mas está longe da enxurrada de evidência” que é promovida na literatura popular.
“No geral”, ela conclui, “o peito provavelmente é melhor, mas não tão melhor a ponto de a fórmula merecer o rótulo de ‘ameaça à saúde pública’, juntamente com o fumo”.
Talvez seja hora de mensagens mais realistas e menos polarizantes, sobre o aleitamento materno.
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