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Artistas abrem restaurante e apostam na revitalização da Praça Roosevelt

DULCE ROSELL

Da Redação

22/12/2009 12h11

A cena é propícia: artistas, palhaços e intelectuais bebendo cerveja e jogando conversa fora. A região também, já que abriga alternativos e mendigos numa mesma rua. Este é o cenário do Rose Velt, o novo restaurante-cachaçaria da Praça Roosevelt, resultado da parceria entre a companhia teatral Satyros e os sócios Fabio Delduque, Miguel Uchoa, Sergio Campanelli, Carlos de Oliveira, Rodolfo Vazquez e Ivam Cabral.

  • Roberto Setton/UOL

    A iluminação reforça o clima dramático do restaurante

Apesar de ter absorvido muito da cultura do seu endereço, a casa foi idealizada para ser mais sofisticada do que os bares teatrais da região. Fábio Delduque, artista plástico responsável pelo projeto de interiores, apostou no conceito "luxo do lixo" para conceber a casa, onde luzes cenográficas, peças assinadas de mobiliário e cartazes de peças teatrais convivem com tecidos reciclados, tampas de bueiros e uma gama enorme de "cacarecos" que viraram verdadeiras obras de arte nas paredes, pisos e mesas. "Olhamos muitos pontos antes de escolher o número 124 da Praça Roosevelt. Queríamos um lugar que fosse bem a cara de São Paulo", diz Delduque.

Ao encontrar o galpão de 180 m² que antes abrigava uma distribuidora de água, os sócios logo vislumbraram o que seria o primeiro restaurante "cool" da praça. Autor do projeto de decoração de bares e instalações de eventos, Delduque assumiu o tratamento dos interiores da casa. "A ideia era aproveitar a vasta experiência de cada um (dos sócios) para construir um restaurante que tivesse a nossa cara e a da praça", conta.

Reconstrução

Começaram a reforma do espaço pelas instalações hidráulicas e elétricas que estavam deterioradas. Reconstruíram os dois banheiros e instalaram uma parede para separá-los do salão. Os banheiros também tiveram a extensão aumentada para facilitar o acesso de deficientes físicos. Refizeram ainda a cozinha, que antes era apenas uma copa, e criaram vestiários para funcionários.

Na sequência, ao quebrar o piso com britadeira, descobriram que havia três acabamentos sobrepostos. "Foi aí que decidimos aplicar cimento queimado preto em tudo, deixando o ambiente uniforme, exceto por alguns mosaicos colocados na entrada", descreve Delduque. Nas cores bege, azul e vermelho,  os mosaicos foram idealizados pelo próprio artista plástico, que buscou inspiração em trabalhos Romanos, e executados por Francisco Souza, artesão do Francisco Mosaicos Ateliê.

As paredes do antigo galpão eram revestidas com azulejos brancos que foram removidos. A do lado direito da entrada recebeu a reprodução de uma rua, com meio-fio, faixa de pedestres e até buracos. Algumas áreas dessa mesma parede foram revestidas com ladrilhos hidráulicos das calçadas de São Paulo e do calçadão de Copacabana, além de decalques com ilustração das duas estampas. Esses mesmos materiais também foram utilizados na fachada da casa. Há ainda paralelepípedos, latas de cerveja, simulacros de bueiros e restos de calçadas da própria praça na alvenaria. “Uma verdadeira arqueologia urbana está presente nestas paredes. Quisemos retratar o antigo, o presente e o novo que virá com a revitalização da praça”, relata Delduque.

Por falar em revitalização, esse foi um dos motes para a construção do espaço. Os sócios quiseram se antecipar ao projeto proposto há dez anos pela prefeitura da cidade e fazer uma casa que combine com uma nova Praça Roosevelt. Construída há 36 anos, esta é uma das regiões que tiveram mais destaque na noite paulistana, em especial nos últimos anos com seus botecos e grupos teatrais, apesar de todos os problemas de criminalidade, pessoas em situação de rua, e abandono geral.

Tomando forma

O pé-direito de 4,5 metros de altura e 20 metros de profundidade contribuiu para a boa acústica da casa. “O teto é preto, como a caixa preta de um teatro, e tem espumas de estúdio e placas de metal que relembram essa coisa toda artística, mas também servem para isolar o som e não deixá-lo vazar para fora da casa”, conta Delduque, lembrando que o local fica no térreo de um prédio residencial.

A iluminação reforça o clima dramático do restaurante. Há eletrocalhas e refletores de teatro, além de luminárias de bola e outras presas ao forro de veludo molhado nas cores vinho, rosa escuro e verde. Luminárias de veludo foram feitas pelo próprio Delduque com as sobras das cortinas que se estendem do teto ao piso em uma das paredes. O bar também foi concebido com essa estética “trash chic”, com um balcão de cumaru e piso elevado de madeira de demolição e outro de cimento queimado. As banquetas de tocos são recobertas por material que imita couro e as cadeiras são de araucária. Há ainda uma janela, ao fundo, voltada para o fosso de um prédio com luzes projetadas.

Surpresas e mobiliário

Os banheiros são uma surpresa à parte. Tanques para lavar as mãos, inúmeros detalhes decorativos e um aviso para a distinção de gêneros: no das mulheres, um nicho guarda uma diva de longo vermelho; no dos homens, um samurai com espadas. Dentro de cada porta, fotos e pintura nas paredes com uma técnica especial de Delduque: cimento queimado e cera preta de chão. “Tudo, inclusive o banheiro, tem um dedo de reciclagem e revitalização”, revela.

Para abrigar o caixa, Delduque construiu um móvel circular de folheado de madeira de demolição e colou cartazes de peças apresentada nos teatros da região. Destaque também para o mobiliário. Há mesas vintage e Tramontina, cadeiras de fibra Charles Eames e Tonarte e dois sofás que chamam muita atenção: um é preto e velho, comprado em um brechó e com assento revestidfo de veludo com estampas de pele de zebra; o outro é assentado em um pneu de trator e tem almofada tem tecido impresso com a estampa da calçada de São Paulo. Todo esse trabalho de reaproveitamento e redesenho foi de Fábio Delduque.

Por último, mas não menos importante, o artista plástico tratou de colocar sua capacidade recicladora em ação na cozinha: pintou o forro de prata e usou panelas velhas como luminárias. “Não dá para entrar aqui e reviver, não só a história teatral paulistana, mas a da própria praça, com seu lixo, pessoas em situação de rua, boêmios e poetas. É isso o que o Rose Velt quer mostrar, que tudo está integrado”.

Restaurante-cachaçaria Rose Velt
Praça Franklin Roosevelt, 124 - Consolação, São Paulo/SP
Horário de funcionamento: De quarta a domingo, das 18h à 1h
Acesso para pessoas com deficiência
Informações: (11) 3129-5498