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Os efeitos nocivos do julgamento social contra solteiros

Mulheres tendem a sofrer mais com estigma cultural que enfatiza o casamento e os filhos mais do que outras conquistas - Getty Images
Mulheres tendem a sofrer mais com estigma cultural que enfatiza o casamento e os filhos mais do que outras conquistas Imagem: Getty Images

Jessica Klein

BBC Worklife

03/07/2022 09h44

O número de solteiros está crescendo, mas as pessoas ainda insistem em dizer a eles que irão encontrar um parceiro em breve. Por que tanta preocupação?

Perguntar por que alguém "ainda" é solteiro e confortá-lo dizendo que "irá encontrar alguém em breve" pode parecer uma forma atenciosa e até sensível de procurar saber como estão seus amigos solteiros. Mas essas frases simples fazem parte do "constrangimento por ser solteiro" e provavelmente trazem mais danos do que ajuda.

O constrangimento por ser solteiro é o resultado do preconceito contra as pessoas que não se casaram: que elas devem ser tristes e solitárias por não terem parceiros; que estão ativamente procurando por alguém, mas ainda não encontraram um par; e que deve haver algo de errado com elas, que está fazendo com que vivam sozinhas.

Todos esses estereótipos são causados pelas pressões para adequar-se a padrões sociais definidos: conheça o parceiro, case-se, tenha dois ou três filhos e um cachorro — e pronto, você reuniu todos os ingredientes de que precisa para uma vida feliz.

Embora as pessoas venham reavaliando constantemente essas normas sociais há décadas, pesquisas recentes indicam que o constrangimento por ser solteiro ainda é grande. Dados de uma pesquisa do site de relacionamentos Match, analisados pela BBC, demonstram que, entre mil adultos britânicos solteiros pesquisados, 52% relataram sofrer constrangimento por serem solteiros "desde o início da pandemia", provavelmente devido ao maior peso de saber com quem podemos contar durante os lockdowns.

E, muito embora 59% tenham afirmado que estavam "satisfeitos com seu status de relacionamento", eles ainda eram alvo de questionamentos incômodos.

A persistência desses preconceitos contra os solteiros não é apenas constrangedora, mas também ultrapassada em muitos países.

"A vida de solteiro era considerada um período de transição, quando as pessoas passavam o tempo até que se casassem, ou se casassem de novo", segundo Bella DePaulo, autora do livro Singled Out: How Singles are Stereotyped, Stigmatized and Ignored, and Still Live Happily Ever After (publicado em português com o título "Segregados: como os solteiros são estereotipados, estigmatizados e ignorados e vivem felizes"). Mas agora, DePaulo afirma que os americanos passam mais tempo da sua vida adulta solteiros do que casados.

Ela indica que, em 1970, segundo dados do censo dos Estados Unidos, 40% dos lares americanos consistiam de casais casados e seus filhos, enquanto 17% viviam sozinhos como solteiros. E, em 2012, 27% dos lares americanos consistiam de solteiros e apenas 20% eram compostos de pais e filhos.

Mas, mesmo com essas mudanças nas estatísticas, ainda fica claro, observando tanto as pesquisas quanto episódios isolados, que as pessoas que não têm relacionamentos amorosos continuam a enfrentar dificuldades com seus amigos e parentes casados — e também com eles próprios. Ainda que os solteiros pareçam escolher e abraçar cada vez mais seu status de relacionamento, a pressão para encontrar pares não está necessariamente desaparecendo.

Mas pode haver pelo menos algum progresso, já que o percentual crescente de pessoas solteiras na população pode vir a prevalecer sobre a estigmatização.

Os danos causados pelo constrangimentos feitos aos solteiros

Segundo a psicoterapeuta Allison Abrams, de Nova York, nos Estados Unidos, o constrangimento por ser solteiro consiste em "condenar alguém por não ter parceiro e não se adequar às expectativas da sociedade... de casar-se com uma certa idade". Por isso, as outras pessoas tratam os solteiros "de forma diferente", segundo ela.

"As pessoas tendem a achar que você está solitário e aborrecido quando é solteiro", segundo Ipek Kucuk, especialista em namoros do aplicativo Happn.

O estudo apresentado pelo Match perguntou quais as "frases constrangedoras" mais comuns ouvidas pelos solteiros. E, dentre os participantes, 35% responderam "você logo vai encontrar alguém", enquanto 29% ouviram "você deve ser tão solitário" e 38% relataram que as pessoas geralmente têm pena da sua situação.

DePaulo afirma que os mitos que envolvem os solteiros incluem a noção de que os casais casados têm um domínio especial da vida que os solteiros não têm; que as vidas dos solteiros são "trágicas"; e que ser solteiro significa ser egoísta. E, na realidade, existem pesquisas que sustentam que estes são mitos, incluindo um estudo alemão de 2018 que indica que os estereótipos sobre os solteiros infelizes e casais realizados não são corretos.

Mas os estereótipos sobre os solteiros não são apenas um erro — eles podem ter consequências prejudiciais.

A psicoterapeuta Abrams afirma que o constrangimento internalizado pelo comportamento social com relação aos solteiros pode prejudicar sua autoimagem. Mesmo quando a pessoa solteira não é constrangida pelos seus amigos e parentes, não atingir grandes objetivos de vida como o casamento e os filhos pode trazer prejuízos — especialmente para aqueles que procuram ativamente por um parceiro — porque é isso que a sociedade costuma esperar das pessoas.

"Muitas vezes, presenciei essa situação como uma das causas da depressão", segundo Abrams. Um "roteiro" normalizado para a vida bem sucedida pode até forçar pessoas que estão felizes como solteiras a reconsiderar esse posicionamento e buscar algo que tenham razoável certeza de que não querem, apenas para poder encaixar-se nas normas culturais.

O constrangimento por ser solteiro vem de muitas fontes, além de nossos amigos e parentes intrometidos. Os governos também têm sua participação, oferecendo diversos benefícios às pessoas casadas legalmente dos quais os solteiros não podem beneficiar-se.

Algumas pessoas acreditam que isso envia uma mensagem sobre a "forma certa" de se portar na vida, servindo de reforço positivo para os casados e facilitando para que os solteiros internalizem a ideia de que estariam vivendo a vida adulta de forma errada.

DePaulo salienta, por exemplo, que, nos Estados Unidos, um funcionário pode acrescentar o seu cônjuge ao plano de saúde, mas os solteiros não podem fazer o mesmo para pessoas importantes, como seus irmãos ou amigos próximos. Os casais e as famílias também conseguem privilégios não disponíveis para os solteiros em outros campos, que vão desde descontos em férias até locais de trabalho que concedem benefícios especiais para as pessoas que vivem em famílias nucleares.

As 'solteironas'

Como todo estigma cultural, o constrangimento por ser solteiro não é distribuído igualmente. As mulheres tendem a sofrer mais e algumas culturas enfatizam o casamento e os filhos mais do que outras.

Tome-se, antes de tudo, a forma como as pessoas se referem às mulheres solteiras, em comparação com os homens. Em português, por exemplo, o termo "solteirona" tem sentido muito mais pejorativo que sua forma no masculino, "solteirão".

Já na língua inglesa, a palavra "spinster" (equivalente a "solteirona") surgiu no final da Idade Média para designar as mulheres que teciam lã como profissão. A maioria delas não era casada. Era mais fácil para elas conseguir esse trabalho considerado inferior, já que os empregos mais procurados geralmente eram reservados para as mulheres casadas — que, com seus maridos, tinham condições de comprar os materiais necessários para trabalhos mais respeitados.

Já os homens solteiros são chamados em inglês de "bachelors", geralmente retratados como engraçados, potencialmente charmosos (quando não de má reputação), despreocupados e vivendo o melhor de suas vidas — características positivas que remontam aos Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, do final do século 14.

"Solteirona" ganhou conotação negativa ao longo do tempo, depreciando as mulheres solteiras (e jovens) na cultura popular, como no filme e no livro O Diário de Bridget Jones (a personagem-título tem pouco mais de 30 anos de idade e um emprego estável em Londres, mas preocupa-se com sua situação de solteirona, ou "spinster").

"Segundo a sabedoria convencional — que não é sábia, nem precisa —, as mulheres se preocupam mais com o casamento que os homens", segundo DePaulo. "Por isso, acho que as mulheres solteiras são submetidas com mais frequência a perguntas irritantes como 'você está namorando?'"

Já Abrams relembra que mais clientes mulheres compartilham experiências que causaram constrangimento por serem solteiras que seus clientes homens, mas ressalva que a maior parte dos seus clientes é composta de mulheres.

"Os homens solteiros também podem ser tratados de forma depreciativa e arrogante", acrescenta DePaulo, em que as pessoas os consideram infantis, incapazes de cuidar de si próprios ou "obcecados por sexo".

Variações culturais também podem influenciar o constrangimento dos solteiros. Profissionalmente, Abrams conheceu clientes com certas origens, como famílias da Coreia, China e Índia, que tendem a ser mais constrangidos pelos familiares por serem solteiros, bem como alguns de seus clientes que se mudaram do centro dos Estados Unidos para Nova York.

Essas culturas tendem a dar mais importância aos papéis de gênero mais tradicionais em torno do casamento e não cumprir com essas tradições pode parecer muito pouco convencional. "Ouvi de um [cliente] algo como [sua] família tem vergonha porque eles não tiveram um filho com 30 anos de idade ou até menos", relembra Abrams.

O 'poder dos números'

O significado de ser solteiro está mudando. Alguns especialistas acreditam que essas mudanças comportamentais e culturais poderão ajudar a normalizar os solteiros — e talvez reduzir o impulso de julgar os que não têm parceiros.

Nos últimos anos, personalidades influentes das redes sociais e celebridades tradicionais vêm falando com orgulho sobre serem solteiros. A atriz Emma Watson, por exemplo, descreveu seu status em público como "parceira de si mesma", incentivando outras pessoas a considerar a ausência de um parceiro romântico como positiva e não negativa.

"Quanto mais pessoas aceitarem sua situação de solteira, acho que mais pessoas se sentirão liberadas para fazer o mesmo", afirma Abrams.

A pesquisa de outubro de 2021, conduzida pelo aplicativo Bumble e analisada pela BBC, demonstrou que 53% dos mais de 8.500 usuários do aplicativo pesquisados no Canadá, França, Alemanha, Índia, México, Filipinas, Austrália, Reino Unido e EUA "perceberam que não há problema em ficar solteiro por algum tempo", graças à covid-19.

Além disso, desde o início da pandemia, muitos solteiros relataram sentimentos e desdobramentos positivos sobre seu status de relacionamento. Segundo a pesquisa do site de relacionamentos Match, 42% afirmam que "gostaram" de ser solteiros durante a pandemia.

Mas essa estatística indica que os outros 58% pesquisados não gostaram dessa situação. Na verdade, o isolamento forçado pela pandemia prejudicou muitos solteiros e aumentou o constrangimento para alguns. O Match indicou que 37% dos solteiros pesquisados afirmaram terem sido mais questionados sobre sua vida amorosa por "amigos e parentes preocupados".

De fato, Abrams sugere que o constrangimento por ser solteiro "ainda é bastante desenfreado", mesmo que os números cada vez maiores de solteiros em países como os Estados Unidos indiquem uma possível redução desse comportamento.

Mas os especialistas ainda esperam que essas mudanças culturais continuem a fazer evoluir o julgamento dos solteiros. DePaulo chama esse processo de "o poder dos números". Segundo ela, "quase toda vez que o Escritório do Censo [dos Estados Unidos] divulga suas últimas estatísticas, as conclusões indicam maior número e proporção de pessoas solteiras".

"Quando uma grande parcela da população não está casada — nos Estados Unidos, perto da metade —, fica mais difícil insistir que há algo de errado com todos eles", conclui ela.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

Este texto foi originalmente publicado aqui.