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Quais países têm as pessoas mais prestativas e generosas?

Atos individuais de caridade também dizem muito sobre a sociedade em que eles se inserem - Getty Images
Atos individuais de caridade também dizem muito sobre a sociedade em que eles se inserem Imagem: Getty Images

Pablo Uchoa

Do Serviço Mundial da BBC

01/01/2019 11h42

Dados de pesquisa mostram que um país não precisa ser rico para ter uma população altruísta.

Por que a população de Mianmar - onde o PIB per capita é de US$ 1.350 - dá dinheiro para caridade com mais frequência que o povo da Noruega, que é seis vezes mais rico?

E por que o número de pessoas fazendo trabalho voluntário é duas vezes maior na Indonésia do que na Alemanha, apesar de a Indonésia ter uma das maiores cargas horárias de trabalho do mundo, e o país europeu ter uma das menores?

Todos somos capazes de boas ações, mas alguns ambientes são mais propensos a elas, de acordo com o relatório Países Mais Generosos 2018, do instituto de pesquisas Gallup. Os dados usados foram de 2017.

Os brasileiros podem ter a fama de serem amigáveis, mas as pessoas da Líbia e do Iraque são duas vezes mais propensas a ajudar estranhos, de acordo com a pesquisa.

Pergunta: Você ajudou alguém que não conhecia?

País

Percentual da população

País

Percentual da população

Líbia

83%

Belarus

31%

Iraque

81%

China

31%

Kuwait

80%

Índia

31%

Libéria

80%

Macedônia

30%

Serra Leoa

80%

Letônia

28%

Barein

74%

República Tcheca

26%

Gâmbia

74%

Croácia

25%

Arábia Saudita

74%

Japão

23%

Quênia

72%

Laos

22%

África do Sul

72%

Camboja

18%

Estados Unidos

72%

Fonte: Gallup/Países Mais Generosos 2018

O Gallup perguntou a mais de 150 mil pessoas em 146 países em 2017 se elas haviam doado dinheiro para caridade, feito trabalho voluntário ou ajudado um estranho no mês anterior.

Mas, afinal, o que explica as diferenças entre os países?

O que faz as pessoas ajudarem?

Há anos, pesquisadores investigam várias teorias sobre o chamado "comportamento pró-social": atos individuais de caridade que melhoram o bem-estar de outras pessoas.

"É uma tarefa complexa tentar isolar os motivos por trás das variações entre os países", afirma o psicólogo Peter B. Smith, da Escola de Psicologia da Universidade de Essex, no Reino Unido.

Smith estuda psicologia social e variações interculturais nesse campo.

"Alguns países têm altas notas nos três tipos de comportamento pró-social e outros têm notas baixas nos três. No entanto, são as circunstâncias locais que mudam essa tendência", afirma.

Em um artigo no Jornal de Psicologia Intercultural, Smith escreveu sobre a influência de fatores sociais, econômicos e culturais nesse comportamento - fatores como riqueza, confiança, desigualdade, corrupção, medo ou questões culturais e religiosas.

Os chamados 'comportamentos pró-sociais' variam bastante de país para país - Getty Images - Getty Images
Os chamados 'comportamentos pró-sociais' variam bastante de país para país
Imagem: Getty Images

Por exemplo: algumas sociedades têm uma cultura mais coletivista, que enfatiza a importância do grupo mais do que a do indivíduo. No entanto, pessoas de fora do grupo podem ser vistas com desconfiança.

Alguns estudos mostram que culturas mais individualistas podem encorajar comportamentos mais altruístas substituindo solidariedade intragrupo por uma crescente confiança em canais institucionais e uma ênfase maior em direitos iguais para todos.

A economia costuma ter uma forte influência: rendas maiores estão associadas com a habilidade de doar dinheiro, particularmente no Ocidente.

Mas as tradições do Budismo Theravada (uma das correntes da religião) no Mianmar são consideradas responsáveis pela cultura caridosa do país.

Pergunta: Você já doou dinheiro para caridade?

País

Percentual da população

País

Percentual da população

Mianmar

88%

Azerbaijão

8%

Indonésia

78%

Botsuana

8%

Austrália

71%

Congo

8%

Nova Zelândia

68%

Mauritânia

8%

Reino Unido

68%

Grécia

7%

Holanda

66%

Palestina

7%

Islândia

65%

Tunísia

7%

Noruega

65%

Afeganistão

6%

Irlanda

64%

Geórgia

6%

Malta

64%

Lesoto

5%

Morrocos

5%

Iêmen

2%

Fonte: Gallup/ Most Generous Countries 2018

Smith afirma que pessoas de locais com maior desigualdade de renda são mais propensas a ajudar estranhos - mas essa tendência é diminuída se as pessoas acham que estão se colocando em risco ao fazer isso.

Além desses traços particulares de cada nação ou sociedade, o comportamento pró-social pode ser influenciado por conjunturas como crises de refugiados e epidemias.

Solidariedade em tempos de crise

"Observando mudanças nos resultados do relatório da Gallup ao longo dos anos, consegui identificar alguns dos motivos para aumentos em comportamentos pró-sociais", afirma Smith. "Entre eles estão mudanças nos valores das pessoas com a modernidade e a ocorrência de algumas emergências específicas."

A crise de refugiados dos últimos anos, que afeta bastante Europa, África e Mianmar, por exemplo, pode ter incentivado mais pessoas a doarem dinheiro e ajudarem estranhos, por exemplo.

"Foi particularmente interessante ver altos índices de engajamento em nações onde houve epidemia de ebola", diz Smith.

Ele afirma que países com sociedades se modernizando rapidamente, onde os valores estão mudando, com maior valorização de liberdades individuais e da igualdade de oportunidades para todo, passam por um aumento no trabalho voluntário.

A Indonésia foi o país no qual as pessoas mais dedicaram tempo a isso em 2017, diz a Gallup.

Pergunta: Você já fez trabalho voluntário?

País

Percentual da população

País

Percentual da população

Indonésia

53%

Albânia

7%

Libéria

47%

Bósnia e Herzegovina

7%

Quênia

45%

China

7%

Sri Lanka

45%

Costa do Marfim

7%

Austrália

40%

Grécia

7%

Irlanda

40%

Camboja

6%

Nova Zelândia

40%

Egito

6%

Singapura

39%

Romênia

6%

Estados Unidos

39%

Sérvia

6%

Ilhas Maurício

38%

Iêmen

6%

Bulgária

5%

Macedônia

5%

Laos

4%

Fonte: Gallup/Most Generous Countries 2018

Pouco engajamento

Na outra ponta do espectro, o relatório da Gallup tem mostrado consistentemente um grupo de países que têm pouco engajamento da sociedade civil.

O grupo inclui o Iêmen, a Palestina e a Grécia - países que, em 2017, "continuaram a sofrer crises econômicas e políticas".

No leste europeu, o baixo engajamento ainda reflete restrições que a dominação da União Soviética impôs às comunidades.

E a China melhorou desde o último relatório, depois que novas regras diminuíram as restrições para arrecadação de verbas para a caridade em 2016.

O Brasil também está entre os países com menor engajamento, ficando em 123º lugar em um ranking de 146 países, com nota 23 em um total de 100, uma das mais baixas.

As maiores notas são da Indonésia e da Austrália, que têm 59.

Países com conflitos, com o Iêmen, estão em posições baixas no ranking de países mais generosos - EPA - EPA
Países com conflitos, com o Iêmen, estão em posições baixas no ranking de países mais generosos
Imagem: EPA

Ajudar te torna feliz

Atos individuas de caridades revelam mais sobre uma sociedade do que imaginamos, afirma o professor de psicologia Robert Levine, da Universidade Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos.

Pesquisador da gentileza com estranhos, ele afirma que algumas culturas "normalizaram" o trabalho voluntário, tornando possível para as pessoas fazerem boas ações.

"Tem a ver com políticas sociais e às vezes com os valores da elite política que controla o país", diz Levine.

Países com as notas mais altas e mais baixas de engajamento da sociedade civil em ajudar o próximo

País

Nota

País

Nota

Indonésia

59

Brasil

23

Austrália

59

...

Nova Zelândia

58

Macedônia

20

Estados Unidos

58

Turquia

20

Irlanda

56

Croácia

20

Reino Unido

55

Mauritânia

20

Singapura

54

Laos

20

Quênia

54

Tunísia

20

Mianmar

54

Afeganistão

19

Bahrein

53

Letônia

19

Lituânia

19

Azerbaijão

18

Camboja

18

Palestina

17

China

17

Grécia

17

Iêmen

15

Fonte: Gallup/Most Generous Countries 2018

"Tem a ver com o estabelecimento de formas através das quais as pessoas possam colaborar e fazer boas ações para outras pessoas, de uma maneira que elas de fato tenham contato com quem estão ajudando e que as faça se sentir seguras", diz ele.

Segundo Levine, resultado de uma atitude altruísta não é bom apenas para quem recebe a ajuda. Ele também faz com que quem ajuda se sinta melhor.

"O que sabemos é que pessoas que gastam seu tempo ou dinheiro ajudando os outros tendem a afirmar que estão mais satisfeitos com a vida depois", diz ele.

"Elas ficam mais felizes no momento, logo após, e o sentimento dura até algumas semanas depois."