Quando se ajoelhar é um ato de rebeldia - e não de submissão
De acordo com Rumi, místico Persa que viveu no século 13, existem "mil maneiras de ajoelhar".
E os tempos mostraram que não se trata de uma licença poética. Nos anos 60, o ativista de direitos humanos Martin Luther King Jr. organizou uma série de eventos em que manifestantes sentavam-se ou ajoelhavam-se coletivamente como forma de chamar atenção pacificamente para desigualdade racial institucionalizada nos EUA.
Mais recentemente, em setembro passado, centenas de jogadores de futebol americano deram impulso a uma crise política ao se ajoelharem durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos antes de diversas partidas do principal campeonato da modalidade, a NFL.
O controverso gesto teve origem em 2016, quando Colin Kaepernick, então principal jogador do San Francisco 49ers, fez o que definiu como um protesto contra a violência policial no país. Mas ganhou repercussão ainda maior quando o presidente Donald Trump exigiu que a liga e os clubes punissem os atletas que aderissem à manifestação. Em uma resposta desafiadora, muitos jogadores fizeram exatamente isso.
No entanto, como maneirismo social, o ato de se ajoelhar é mais frequentemente associado com obediência e deferência do que com resistência ou confronto.
Peregrinos ajoelham-se, bem como pessoas que querem pedir parceiras ou parceiros em casamento. É uma espécie de mesura: o gesto rebaixa o corpo de forma a demonstrar insignificância diante da presença de uma figura mais importante.
Alguém que não é familiar com o costume de ficar de pé para a execução de hinos poderia perfeitamente acreditar que as pessoas ajoelhando eram as que mostravam maior respeito.
Afinal, a postura reflete, por exemplo, a posição submissa adotada em inúmeras pinturas renascentistas e medievais por homens mais velhos diante da presença do Menino Jesus.
E, por vezes, de maneiras curiosas: o pintor italiano Sandro Botticelli tem um incrível painel, A Adoração dos Magos (1475), em que mostra integrantes mortos da família Médici, então a mais poderosa de Florença, no lugar dos Reis Magos, que levaram presentes para Jesus por ocasião de seu nascimento.
Ao fazer a substituição, o artista não apenas imortalizou a nobre família como também a subjugou diante de uma autoridade maior.
Assim como as fotos de jogadores americanos ajoelhados, a pintura de Botticelli ousa perguntar:
"Quem ou o que neste mundo - ou além dele - faz com que você se ajoelhe?"
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