'Por que fiz uma laqueadura aos 23 anos e não me arrependo'
E isso aconteceu há 40 anos.
Mais tarde, porém, Valerie se disse surpresa e frustrada ao ouvir a história de outra britânica, Holly Brockwell, que há anos tenta convencer o serviço de saúde pública da Grã-Bretanha que ela também queria passar pela esterilização - procedimento que foi dificultado ao longo dos anos no país.
No Brasil, o tema é regulado por uma lei de planejamento familiar que data de 1996 e permite a esterilização voluntária (laqueadura em mulheres e vasectomia em homens), mas com várias precondições: o paciente tem de ter mais de 25 anos ou pelo menos dois filhos vivos e, caso seja casado, é necessário o consentimento expresso do cônjuge.
“Quando eu tinha 23 anos, estava casada e meu marido e eu decidimos que não queríamos filhos. Na verdade eu já sabia havia anos que não queria ter filhos”, relembra Valerie em entrevista à BBC.
“Li no jornal uma reportagem sobre uma jovem da minha idade que tinha sido esterilizada. Fui até minha clínica geral e ela me encaminhou para uma ginecologista. As duas eram mulheres fortes que se solidarizaram com o que eu sentia”.
“Imediatamente fui colocada na lista de espera e, seis meses depois, fiz a operação. Foi simples assim. Perceber que eu poderia fazer valer minha vontade daquela forma e conhecer pessoas que me apoiaram foi muito fortalecedor – olhando para trás vejo que teve um efeito enorme em minha vida.”
Pedido negado
Já Holly Brockwell, 29, contou à BBC, em novembro de 2015, que já tinha passado por quatro médicos diferentes para tentar ser submetida à laqueadura pelo serviço público de saúde britânico, sem sucesso.
Eles disseram que ela era “jovem demais para sequer considerar uma esterilização”.
Quando ela conseguiu ser encaminhada para a entidade encarregada desse tipo de procedimento, disseram a ela que não havia cirurgiões disponíveis.
“Podemos decidir engravidar aos 16 anos, mas não podemos renunciar à maternidade aos 29. Parece que nossas decisões só são levadas à sério quando se alinham com a tradição”, disse.
Depois da entrevista, Holly passou a ser alvo de comentários agressivos nas redes sociais, mas manteve sua decisão e sua opinião.
População
De volta a Valerie, ela lembra que, antes de decidir passar pela esterilização, nunca havia falado sobre o assunto com ninguém, apesar de pensar nesse assunto desde criança.
“Quando eu tinha 12 anos, percebi que a população mundial estava crescendo muito e não precisávamos de mais bebês vindos de mim. E eu não tinha nenhum sentimento maternal”, afirma.
“Não sei por que eu estava preocupada com a população já com aquela idade. Talvez fosse porque eu ouvia sobre conflitos em outras partes do mundo e pessoas morrendo de fome.”
Já casada, Valerie começou a debater suas opções. “Sabia de algumas pessoas para quem os anticoncepcionais não funcionaram, e a ideia de tomar hormônios tão invasivos durante anos e anos não me parecia boa. Avaliamos a ideia de o meu marido ser esterilizado, mas eu queria estar no controle daquela parte da minha vida”, prossegue Valerie.
“A ginecologista conversou comigo sobre o fato de que eu não poderia mudar de ideia – o que está feito está feito, é difícil reverter. Mas acho que por eu ser casada eles me levaram mais sério, porque meu marido concordava comigo. Um ano depois nós nos separamos, mas não importa.”
“Ninguém com quem me envolvi depois, por qualquer período, queria ter uma família comigo então realmente não importou. Estou muito tranquila com minha decisão”, conclui.
Esterilizações voluntárias
Kate Guthrie, ginecologista do Royal College of Obstetricians, afirma que a abordagem à contracepção mudou muito nos últimos 40 anos - e lembra que os processos de esterilização também têm pontos negativos.
“Progressos na contracepção significam que métodos como implantes ou hormônios são tão eficazes, talvez até mais, do que a laqueadura em mulheres jovens. A esterilização pode não funcionar e, no caso de mulheres com menos de 30 anos, falha mais frequentemente do que as formas eficazes de esterilização.”
“Além disso, o risco de arrependimento para mulheres com menos de 30 anos é maior”, acrescenta.
“Dito isso, se uma mulher já pensou em todas as opções e procurar aconselhamento com um especialista em contracepção, então ela deve ter acesso a serviços de esterilização”, opina.
Retrocesso
Valerie, porém, vê "retrocesso" na abordagem à questão. “No mínimo parece que não fizemos progresso nenhum. As mulheres deveriam estar empoderadas, mas nos infantilizam ao não nos dar o controle sobre nossos corpos.”
Quando fez a laqueadura, Valerie diz que ouviu críticas de que estava sendo egoísta, o que ela refuta.
“Não é mais egoísta colocar uma criança no mundo para sua própria gratificação? Escolher não ter um filho não é egoísta, pois a única pessoa afetada é você. Minha vida sem filhos permitiu que eu fizesse o que eu queria e quando eu queria.”
Valerie afirma que tudo o que aconteceu em sua vida foi uma “confirmação” de que a esterilização foi a decisão certa.
“Quando minha irmã teve filhos, eu virei uma tia razoavelmente boa. Mas nunca fui babá de ninguém, ninguém nunca me pediu. E ainda bem que foi assim.”
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