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Os militares transgêneros que viram Exército como 'forma de terapia'

Abi descobriu logo que "não se encaixava nas regras", após entrar no Exército - Stephen King
Abi descobriu logo que "não se encaixava nas regras", após entrar no Exército Imagem: Stephen King

Emilia Mincheva

Da BBC News

03/01/2016 17h56

O projeto "Dry Your Eyes Princess" (Seque seus olhos, princesa, em tradução livre) entrevistou 20 veteranas e muitas disseram ter entrado no Exército como "forma de terapia", segundo a historiadora Emma Vickers, da Universidade John Moores, de Liverpool.

O nome da exposição vem da frase depreciativa que sugere "endureça", e que participantes disseram ter "ouvido com frequência" no Exército. As entrevistadas disseram, por exemplo, terem sido forçadas a mentir sobre suas roupas femininas durante a vida militar como homens.

Transgênero é um termo que se refere à pessoa cuja identidade de gênero e/ou expressão é diferente do sexo de nascimento.

"Transgêneros no Reino Unido foram dispensados em grandes números antes de 1999 e, devido ao entendimento limitado de identidades trans, oficiais confundiam identidade de gênero com identidade sexual", disse Emma.

A historiadora descobriu que muitas entraram na vida militar na esperança de que a "hipermasculinidade" do Exército as faria superar o "desconforto que sentiam com a identidade de gênero que tinham".


Em 1999, a proibição a oficiais transgêneros no Exército foi revogada.

Michaela foi integrante do grupo de engenheiros mecânicos e elétricos do Exército em 1975 para "encontrar a parte perdida" de sua vida.

Ela disse que não havia nenhuma conscientização de pessoas transgênero, que eram vistas por autoridades como "gays que vestiam roupas do gênero oposto". "A visão era que estas pessoas não existiam", disse.

Enquanto servia na Alemanha, ela visitou bares LGBT e se vestiu como mulher longe do público. Ela deixou o Exército em 1981 porque sentia que não podia ser quem era, e começou uma nova vida.

"O maior arrependimento é que eu não fiz mais nas Forças Armadas e eu não consegui ser oficialmente Michaela".

"Este é um arrependimento que ficará comigo até o fim da minha vida".


Muitas das entrevistadas disseram ter entrado no Exército para provar sua masculinidade, mas Dawn disse que se sentia pior com cada esforço de se masculinzar. "Nunca estava feliz", disse.

"Eu atuava num papel. Era a maior camuflagem que eu poderia ter na minha vida. Eu fui forçada a entrar nos cadetes do Exército quando eu tinha 16 anos para provar minha masculinidade e ser o homem que todo mundo queria que eu fosse".

"Eu apanhei do meu pai após o médico dizer a ele que eu gostaria de ser uma menina. Foi decidido na cabeça dele que nós nunca falaríamos sobre isso de novo. Ele me fez dizer 'Eu não sou uma menina' e essa foi a maior mentira que eu disse na minha vida", continuou. 

Dawn, de Rochdale, na região de Manchester, na Inglaterra, serviu por mais de 20 anos, incluindo na Irlanda do Norte.

"Meu pai acreditava que o Exército me transformaria num homem".

Abi descobriu bem cedo que ela era diferente e que "não se encaixava nas regras", após entrar no Exército nos anos 1980.

Mas não se assumiu por mais de 40 anos "tentando desesperadamente" agradar a sociedade e sua família.

"Tudo sobre a pessoa que eu sou hoje foi cuidadosamente trancado numa pequena caixa em algum lugar para nunca ser aberta. Ninguém me conhecia".

Abi fez a transição em 2007 após sofrer um ataque nervoso depois de retornar do Afeganistão. Ela deixou o Exército após se sentir que não consegueria servir como uma mulher.