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Ivan Lessa comenta a volta da moda do vinho rosé

Ivan Lessa<BR><br/> Colunista da BBC Brasil

23/07/2008 07h19

Finzinho da década de 60 e em Londres, nesta mesma BBC que vos falava e ora vos virtualiza, nós - pois eu estava entre eles -, aqui da seção, não saíamos das festinhas. Ou reuniões sociais. Dadas ou por nós mesmos ou por secretárias e o pessoal local da equipe técnica. Todo dia tinha uma.
Cada um levava sua bebida a ser fraternalmente consumida e, depois, ou logo na hora, devidamente vomitada. No banheiro, com sorte. No colo da dona dos sempre minúsculos flats, com azar.

Maior parte das pessoas levava umas latonas enormes de cerveja. Acho de uns 5 litros, que iam se acumulando no espaço apertado que passava por cozinha. Alguns compareciam - vejam que chique - de vinho. E quando digo vinho, refiro-me, evidentemente, ao Mateus Rosé. Naquela garrafa característica. Toda ilhargas.

Tomava-se morno em copos plásticos roubados da cantina daqui de Bush House. Ou então, em terríveis casos extremos, xícaras verde abacate com as iniciais da corporação bem visíveis. Também surrupiados.

Eu gostaria de poder dizer que as drogas tornavam o desgraçado do Mateus suportável. A verdade é que não corriam drogas. Nem mesmo um fuminho. Caretas em Londres. Bom título para um livro de recordações da cidade-balanço que serviu de inspiração para Caetano Veloso e Gilberto Gil.

O Mateus Rosé, com o passar dos anos e a chegada da razão (e um fuminho, cá entre nós), entrou em desgraça. Ou saiu discretamente de moda. Feito a mini-saia e a tentativa de levitação em bairros da zona noroeste da cidade.

Vamos botar 40 anos em cima dessa história. Viver é tacar um flash forward sempre que a lei e as condições permitam.

Mateus Rosé voltou à moda. À moda voltaram os vinhos rosé. Não é só nas páginas de serviços dos jornais. Outro dia mesmo, teve um editorial a respeito. Para me agarrar a alguma coisa, como um bêbado se agarra a um poste, cito para que me sustente trechos selecionados do editorial do Guardian da segunda semana de julho.

"Diziam que o vinho rosé não viajava bem. Aquilo que, ontem, parecia, à tarde, uma delícia no pátio de alguma parte da Provença, não era lá a mesma coisa em Londres ou Manchester. (?) Era menos o vinho do que o ambiente que o cercava. Tudo mito. A venda do vinho rosé continua a crescer no Reino Unido."

E tome dado. E tomem rosé, que todos estão tomando, ao que não só parece mas é, e para valer. A venda dos vinhos rosé poderá representar, ainda este ano, mais da metade de todo o consumo de vinhos franceses na França.

A tendência é válida para o resto do mundo. Inclusive aqui para o Reino Unido, onde se registrou um aumento de 450% em sua venda nos últimos cinco anos. Já tem rosé custando 120 dólares a garrafa. Com gente comprando. O Garrus, também provençal.

Os vinicultores passaram a levar a sério o rosé. Se é que um dia debocharam. Os enófilos, meia-bomba ou não, também. A Meca (perdão, muçulmanos justamente abstêmios) do rosé continua a ser a Provença. Portugal, onde estou agora, ameaça por fora. Como um Cristiano Ronaldo. Aqui nunca riram de mim quando eu pedia um rosé bem "fresquinho" (e não riam vocês: fresquinho é sobre o friozinho).

Estou sempre vendo garrafas de Mateus Rosé passando por mim nos restaurantes. Só não peço em sinal de respeito às "festinhas" que fui em Londres há quatro décadas. Era, eram, uma titica. Claro.

Tiro, figurativamente, o chapéu da cabeça em sinal de respeito a todos que a elas compareceram. Com lata de cerveja ou garrafa de Mateus Rosé na mão. Que estejam bem hoje, todos aqueles que então passaram mal.