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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Podemos voltar a sair (com cuidados). Mas como não levar ansiedade junto?

A artista e ilustradora Eva Uviedo: "Meu tempo de "exposição aos contatos sociais" diminuiu. Antes, ficava cinco horas em um boteco. Hoje, depois de uma hora, já quero ir embora." - Arquivo pessoal
A artista e ilustradora Eva Uviedo: "Meu tempo de 'exposição aos contatos sociais' diminuiu. Antes, ficava cinco horas em um boteco. Hoje, depois de uma hora, já quero ir embora." Imagem: Arquivo pessoal

Colunista de Universa

29/10/2021 04h00

Lá no início da pandemia a gente era bem inocente. Acreditávamos que um belo dia tomaríamos a vacina e isso seria a solução de nossos problemas. Sairíamos para comemorar em um grande carnaval e tudo voltaria ao normal. Sim, temos vacina. E a situação no momento nos permite sair (tomando todos os cuidados) e finalmente matar a saudade dos amigos, dos botecos e até dos shows (com máscara e distanciamento social, por favor).

Mas essa volta à "normalidade" não é tão fácil assim. Primeiro que as coisas não estão totalmente normais. Já sabemos que, mesmo vacinados, podemos nos contaminar, apesar do risco de enfrentar um caso grave da doença ser baixo. Mas precisamos continuar atentos.

Fora isso, muitos de nós (eu me incluo) não conseguem simplesmente relaxar depois de mais de um ano e meio trancados em casa. Além do medo de se contaminar, para muitos (eu me incluo novamente) a volta ao contato social vem carregada de um certo medo e uma ansiedade. O que faz todo sentido, afinal, a gente estava trancado em casa esse tempo todo. A gente desacostumou a interagir.

"Passamos mais de um ano e meio vivendo em modo de alerta total, sabendo que tinha um inimigo que poderia nos matar nas ruas. Foi como se ficássemos dentro de um escafandro. Agora, ao sair, nos confrontamos de novo com o medo da tragédia", diz o psicanalista André Camargo. Esse medo, ele explica, nos faz entrar em contato com a nossa fragilidade e nos sentirmos desamparados.

No caso da vida social, segundo ele, temos que aprender tudo de novo e reconstrui-la. Ou seja, são desafios enormes. E é difícil mesmo. Como não somos máquinas, alguns de nós reagem a essa estranha volta à "normalidade" tendo crises de pânico e de ansiedade. Aconteceu comigo.

Duas semanas depois de tomar a segunda dose da vacina, marquei de almoçar com dois amigos queridos que não encontrava havia um ano. Peguei o metrô e, algumas estações depois da minha casa, comecei a tremer e suar frio. Passei tão mal com um ataque de pânico terrível que peguei um táxi de volta para casa e cancelei o almoço.

Não foi difícil para mim perceber, quando cheguei em casa, que eu tinha passado mal porque estava havia praticamente um ano e meio sem ter contatos sociais. Pegar um metrô para encontrar dois amigos tinha deixado de ser algo normal.

Não sou a única. "Estou voltando a sair aos poucos. Mas acho que passei tanto tempo sabendo que tinha que tomar todo cuidado, seguindo protocolos, que acho que agora preciso aprender a relaxar", diz minha amiga artista e ilustradora Eva Uviedo.

Há algumas semanas ela foi a sua primeira festa desde março de 2020, o casamento do seu melhor amigo, ao ar livre. "Apesar de racionalmente saber que estávamos todos vacinados, que era seguro, tive várias vezes a sensação de que estava em algum daqueles pesadelos onde saímos e esquecemos de colocar a máscara. Em certos momentos, eu pensava: "O que está acontecendo? Meu deus, estou em uma festa sem máscara!".

Eva tem saído apenas para visitar exposições de arte e encontrar melhores amigos. E, mesmo assim, dá pânico? "Sinto que meu tempo de 'exposição aos contatos sociais' diminuiu. Antes, ficava cinco horas em um boteco. Hoje, depois de uma hora, eu já quero ir embora." Além disso, ela lida com "pequenos ataques de pânicos" no dia seguinte. "É como se fosse uma ressaca com ansiedade", ela diz.

Segundo André, isso é um sentimento adequado. Para lidar com isso, ajuda ter amigos e grupos de apoio com quem falamos abertamente sobre nossas ansiedades. "Quando temos um ataque de pânico, sentimos emoções avassaladoras. Fica difícil pensar. Falar nos ajuda a organizar o que está acontecendo."

Acontece até com a Miley Cyrus

Sabe quem pensa da mesma maneira? A cantora pop star Miley Cyrus. Mês passado ela parou um show que fazia para uma multidão nos Estados Unidos e disse para a plateia: "Sinto que estou tendo um ataque de pânico. Eu só queria ser honesta com o que estou sentindo. Porque acho que, sendo honesta sobre isso, sinto menos medo."

Ela explicou para a multidão os motivos para estar com medo: "Como todo mundo, no último ano e meio estive trancada e isolada então é muito impactante estar de volta. Estar no palco era como estar em casa, mas não me sinto mais assim por causa do tempo que passei em casa trancada. Isso é muito drástico".

Claro que é! Então, se você se sentir mal na tão esperada volta aos encontros com amigos e aos shows, lembre: estamos em uma situação bizarra, estranha e assustadora mesmo. Não é fácil para ninguém.