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OPINIÃO

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Por que estou fascinada por Sandra Sapatão

Sandra Sapatão, acusada de chefiar tráfico de drogas no Jacarezinho, no Rio, momentos antes de ser presa na praia - Divulgação/Polícia Civil
Sandra Sapatão, acusada de chefiar tráfico de drogas no Jacarezinho, no Rio, momentos antes de ser presa na praia Imagem: Divulgação/Polícia Civil

Colunista de Universa

24/05/2021 04h00

"Sandra Sapatão, chefe do tráfico, é presa na praia."

Se na semana passada você não estava de férias, incomunicável numa ilha deserta, provavelmente ficou sabendo.

Uma mulher (lésbica?), que ocupa um posto de destaque no crime, foi capturada enquanto retocava a marquinha em Saquarema (RJ). Não é todo dia que isso acontece.

"Achei o nome Sandra Sapatão digno de vilã de novela da Globo"

"Já quero filme/série do ícone Sandra Sapatão, chefona do tráfico, presa enquanto curtia uma praia"

"A representatividade que a gente precisava hahahaha"

Esses foram alguns dos comentários que viralizaram nas redes. Mas, afinal, quem é Sandra Sapatão?

Sandra Helena Ferreira Gabriel tem 56 anos e, segundo a Polícia Militar, é uma das lideranças do Comando Vermelho e gerente do tráfico de drogas do Jacarezinho, comunidade na zona norte do Rio de Janeiro.

Em 2007, ela entrou para a lista dos dez bandidos mais procurados do estado do RJ. Em 2010, foi localizada e, para tentar evitar a prisão chegou a prometer R$ 1 milhão aos policiais, mas teve a oferta de suborno recusada. Naquele ano, Sandra passou a ser a única mulher detida em uma penitenciária federal de segurança máxima. Lá, tomava banho de sol sozinha, separada dos demais.

Foragida do sistema penitenciário, em 2014 Sandra tentou fugir de um cerco policial na garupa de uma moto às cinco da manhã. Na ocasião, ofereceu R$ 20 mil aos policiais, sem sucesso.

Em liberdade desde 2016, após cumprir pena, Sandra voltou a ser procurada. Desta vez, pelo suposto envolvimento na morte do policial militar Michel de Lima Galvão, atingido durante um tiroteio no Jacarezinho, em 2017.

"Não é possível que essa senhora seja chefe do tráfico do Jacarezinho"

No canal Quem Me Conhece Sabe, que tem quase 70 mil inscritos no YouTube, o cabo da reserva Renan Qmcs publicou um vídeo comentando a prisão recente de Sandra: "Não é possível que essa senhora é chefe do tráfico do Jacarezinho. É uma pessoa que, para mim, passaria acima de qualquer suspeita. Tem uma persona, uma figura parecida com uma mãe, uma avó minha."

Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Brasil tem mais de 779 mil detentos. Mais de 90% da população carcerária é do sexo masculino. Pouco mais de 8%, do sexo feminino. Por ser mulher e ter um visual "comum", nada extravagante, Sandra tem passabilidade e desperta nossa curiosidade e outros sentimentos antagônicos.

Acontece que, na internet, além da ficha criminal, não há nenhuma informação pessoal sobre Sandra. Nenhuma. Sequer é possível confirmar se a alcunha 'sapatão' está ligada à sua orientação sexual ou foi apenas um apelido pejorativo que ela recebeu por não ser uma mulher que performava feminilidade.

Racismo estrutural: Sandra foi apagada como indivíduo

Esse apagamento de Sandra como indivíduo não é casual. Sobre Suzane Richthofen — presa pelo assassinato dos próprios pais —, por exemplo, há notícias detalhadas de todos os aspectos de sua vida, tanto pregressa quanto atual. Quem eram seus pais, seu namorado, como se conheceram, que curso ela fazia à época do crime, com quem se relaciona atualmente.

Suzane é branca, nasceu em uma família rica e morava no Campo Belo, zona sul de São Paulo. Sandra é uma mulher negra do Jacarezinho, uma favela do Rio, onde as pessoas são invisibilizadas, desumanizadas e marginalizadas. Foi lá, no início deste mês, que aconteceu a segunda maior chacina da história do Rio e 27 pessoas foram executadas. A 28ª vítima era um policial que participava da ação.

O grau de periculosidade — ou de amabilidade — de Suzane e de Sandra não é o que está sob análise aqui, mas a forma como elas são vistas, tratadas e julgadas pela sociedade.

Quem são os pais de Sandra Sapatão? Quem foram seus amores? O que a levou ao crime? Eu quero saber. Estou fascinada por sua história. E se você chegou até aqui, não estou sozinha.