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Marina Rossi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nova regra da licença-maternidade: 'Fiquei com meu filho 140 dias na UTI'

A primeira vez que peguei meu filho no colo, uma semana depois que ele nasceu - Arquivo pessoal
A primeira vez que peguei meu filho no colo, uma semana depois que ele nasceu Imagem: Arquivo pessoal

Colunista de Universa

24/10/2022 14h14

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"Em média, vivem por um mês." Quando meu filho nasceu, prematuro, cerca de dois meses e meio antes da data prevista, ele foi intubado e seguiu direto para a UTI neonatal. Ali, os médicos passaram a desconfiar que ele tinha uma síndrome genética chamada síndrome de Edwards, que causa atraso intelectual grave, má-formações em diversos órgãos (especialmente no coração) e, principalmente, tem expectativa de vida baixíssima. Com uma semana de vida, ele recebeu a sentença: após examiná-lo, o geneticista me disse, ali, de pé na porta na UTI, que meu filho não viveria mais do que um mês. E, se sobrevivesse por mais tempo, teria uma vida muito comprometida, dependendo de aparelhos e cuidados intensivos.

"Mas vamos aguardar o resultado do exame", ele emendou, como se eu estivesse ouvindo alguma coisa depois de "um mês". Até então, eu achava que a única questão do meu filho era ter nascido com 29 semanas. E que, por isso, ele permaneceria na UTI neonatal por uns dois meses até ganhar peso e crescer o suficiente para ir para casa.

No entanto, aquele diagnóstico, embora feito apressadamente e antes mesmo do resultado do exame genético, mudou totalmente o curso da nossa história. Enquanto em seus primeiros dias de vida eu me dividia entre ficar ali na UTI com ele e tirar leite no banco de leite do hospital para alimentá-lo, passada uma semana a minha rotina mudou. Os médicos diziam que, caso meu filho sobrevivesse, ele não andaria, não falaria, não teria forças para ficar sentado ou sustentar a cabeça. Tampouco seria capaz de realizar a sucção para ser amamentado. Sairia do hospital —se saísse— com uma bolsa de gastrostomia que o alimentaria. Com tudo isso, o esforço para extrair leite em meio àquele estresse todo me parecia em vão. E eu acabei desistindo e me contentando com a fórmula que o alimentava via sonda.

Com muita dor, aquela avalanche de informações me levou do lugar de festejar o nascimento do meu primeiro filho para a aceitação de que, na verdade, eu deveria me despedir dele. E logo, já que o tempo ali era curto. Na beira da incubadora, aos prantos, eu disse diversas vezes que ele poderia ir embora em paz, que ele não precisava se preocupar, que ficaríamos bem.

O tempo em uma UTI neonatal é muito particular e pouco cronológico. Mas as semanas foram passando, e eu seguia me despedindo. Já ele demonstrava que estava firme em seu propósito de ficar entre nós. E eu vivia na contrariedade de celebrar suas pequenas conquistas diárias, como aumentar de 5 ml para 10 ml a quantidade de leite recebida, e me preparar para o pior, sem saber exatamente o que poderia ser pior: ele sobreviver ou morrer.

Assim foram os 30 primeiros dias que eu passei em uma UTI neonatal. Àquela altura, em meio a alarmes, um clima de tensão 24 horas por dia, diagnósticos e toda a sorte de procedimentos jamais imaginados em um bebê recém-nascido, eu não teria me dado conta sozinha de que a minha licença-maternidade já poderia estar sendo contada.

No entanto, acabei sendo assegurada por uma portaria publicada pelo Ministério da Economia em conjunto com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) seis meses antes de ter o meu bebê. O documento determinava que a licença-maternidade só passaria a ser contada a partir da alta do recém-nascido. A portaria era uma medida cautelar publicada poucos dias depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) havia iniciado o julgamento de uma ação que discutia esse direito.

Em um país onde mais de 10% dos bebês que nascem anualmente são prematuros, segundo o documento Saúde Brasil 2020/2021, publicado pelo Ministério da Saúde, a discussão tardou para acontecer. Até então, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) assegurava a prorrogação da licença-maternidade por apenas duas semanas, mas não protegia mães em casos como o meu, de internações mais longas. Mais precisamente 140 dias, no meu caso. Ou quatro meses e meio em que eu ia religiosamente todos os dias ao hospital e voltava sozinha, sem meu filho nos braços.

Isso tudo misturado à solidão causada pelo auge da pandemia: em setembro de 2020, quando ele nasceu, cerca de 700 pessoas morriam por dia em decorrência da covid-19. Ninguém nos visitava no hospital. Não havia o conforto dos abraços. Os amigos se solidarizaram enviando mensagens, refeições completas, comida congelada, doces, bolos, pães, geleias e todo o carinho possível em forma de comida. E foi o que nos confortou por aqueles dias todos.

Hoje, com a vacina no braço e os abraços de volta, mães que passarem por uma experiência como a minha terão um pouquinho mais de conforto naquilo que eu considero uma das experiências mais aterrorizantes da vida. Na madrugada da última sexta-feira, o STF finalizou o julgamento da ação, ajuizada pelo partido Solidariedade, e reconheceu, por unanimidade, que a licença-maternidade deve começar a contar a partir da alta e não do dia do parto.

Já meu filho, passado um mês de internação, o resultado do exame genético ficou pronto. A síndrome de Edwards não foi confirmada. Eu voltei a frequentar o banco de leite do hospital pelos três meses e meio seguintes em que ele ficou internado, e isso garantiu que, após a alta, eu o amamentasse até um ano de idade. No mês passado, aquele bebê que nasceu pesando um quilo e meio e com uma sentença de uma tonelada nas costas completou dois anos de vida. E, no final de janeiro, completará dois anos de alta. Por aqui, seguimos contando o tempo de um jeito muito particular.