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Marina Rossi

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Premiada por 'valentia jornalística', ela denuncia narcotráfico em Honduras

Jennifer Ávila, co-fundadora do Contracorriente, em cerimônia do Prêmio Gabo de jornalismo  - Divulgação
Jennifer Ávila, co-fundadora do Contracorriente, em cerimônia do Prêmio Gabo de jornalismo Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

08/07/2023 04h04

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A jornalista hondurenha Jennifer Ávlia Reyes tem apenas 33 anos e um enorme desafio pela frente. Co-fundadora do jornal independente Contracorriente, ela se dedica a denunciar a corrupção e os vínculos do estado com o narcotráfico. Sua missão como diretora do periódico não é nada simples. Localizado na América Central, Honduras é um país pobre, violento e cada vez mais militarizado. "A militarização sempre afetou muito mais as mulheres", diz Jennifer. No ano passado, 297 mulheres morreram vítimas do feminicídio no país, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, de acordo com a Center for Women's Right. E se as mulheres são sempre as mais vulneráveis, imagine uma mulher jornalista, diretora de um veículo independente e que denuncia a corrupção e o narcotráfico.

Contracorriente surgiu em 2017, dois anos depois que Honduras viveu uma convulsão social. Inspirados pelos movimentos de rua no país vizinho, a Guatemala, milhares de hondurenhos foram protestar pela renúncia do então presidente, Juan Orlando Hernández, acusado de corrupção. "Foi em meio aos protestos que conheci Cathe [Catherine Calderón, hoje também diretora do jornal] e começamos a pensar em como faltava informação de verdade, completa, bem apurada", conta Jennifer. "As pessoas queriam entender como funcionavam as redes de corrupção e não havia informações seguras sobre isso".

Com uma pequena redação feita em parte por jornalistas muito jovens, rapidamente o Contracorriente ganhou relevância. Em 2021, o jornal fez parte do Pandoras Papers, um consórcio mundial de seletos veículos de comunicação que investigaram redes de corrupção envolvendo advogados poderosos, a indústria offshore e empresas de fachada. Ao longo desses seis anos de existência, o veículo co-fundado por Jennifer foi reconhecido por algumas das maiores premiações do mundo, como Maria Moors Cabot, o mais antigo prêmio de jornalismo do mundo, SIP (Sociedad Interamericana de Prensa) e mais recentemente o Prêmio Gabo, da Fundação Gabriel García Márquez de jornalismo. Uma coleção de troféus que nem mesmo grandes veículos conseguem acumular em tão pouco tempo.

Vestindo um longo vestido preto com uma fenda que deixava sua tatuagem na coxa à mostra, Jennifer subiu no palco do Teatro Colón, em Bogotá, na semana passada, para receber o Prêmio Gabo, que reconhecia sua "valentia jornalística". "O jornalismo tem sido uma terapia para mim. Uma terapia contra o esquecimento", disse, em seu discurso de agradecimento. "Agradeço ao meu marido e à minha filha por estarem ali quando crio meus textos na cabeça e pareço estar ausente. Quando não estou em casa. Obrigada por me darem todo o amor que necessito para seguir com isso".

Mãe de uma menina de nove anos, Jennifer afirma que conciliar seu trabalho —e tudo o que ele significa, incluindo os riscos e as ameaças— com a maternidade é um desafio. "É um desafio não contaminar a minha casa com o estresse do meu trabalho", diz. "Há muitos ataques, especialmente nas redes sociais, e eu tento, pela minha saúde mental, não ler tudo o que está ali". Ela diz que tenta deixar a filha o mais segura possível, dentro de um contexto de muita insegurança. "Não temos bolhas dentro do país. As cidades são muito hostis, existe muita violência. É um desafio manter um espaço de tranquilidade para a família em meio a tanto caos. E como diretora da redação, ainda cai sobre mim muito do estresse da equipe também".

Por isso, Jennifer explica que, ao cobrir um tema mais perigoso, ela tenta fazer com que o trabalho não afete a sua vida familiar. "Mas minha filha e eu temos uma conexão muito forte. Então é difícil fazer com que ela não se preocupe". Nesse sentido, o contexto é desafiador: nas últimas duas décadas, 92 jornalistas foram assassinados em Honduras, de acordo com a Comissão Nacional para os Direitos Humanos (CONADEH) do país. Somente em outubro do ano passado, cinco jornalistas foram assassinados, de acordo com o Comitê para a Liberdade de Expressão (C-Libre).

"Assassinato monstruoso de mulheres"

Honduras elegeu em dezembro de 2021 Xiomara Castro para a presidência. A vitória da primeira mulher a comandar o país também marcou a volta da esquerda ao poder e o fim de 12 anos de um governo conservador. "É bom ter uma mulher na presidência porque não temos uma representação muito grande das mulheres na política", diz Jennifer. "E a chegada de Xiomara passa uma mensagem muito interessante de que as mulheres podem chegar à presidência mesmo em um país tão machista. Isso é muito positivo".

No entanto, as razões para comemorar param por aí. "Ela tem tomado decisões e se rodeado de pessoas que não entram na agenda feminista. Prometeu desmilitarizar o país e o que vem fazendo é o contrário disso. Além disso, o marido e o filho têm muito poder dentro do governo, inclusive são eles quem dão entrevistas coletivas, já que ela nunca falou com a imprensa", conta. "Isso tem sido muito negativo para as mulheres em um país onde há muito feminicídio e as ações de combate a esses crimes têm sido nulas".

Enquanto Jennifer se preparava para viajar à Colômbia para receber o Prêmio Gabo, ao menos 46 mulheres eram mortas em um motim em um presídio feminino próximo à capital de Honduras, Tegucigalpa. A maioria morreu queimada. A presidente Xiomara Castro descreveu o ocorrido como um "assassinato monstruoso de mulheres", ocorrido em decorrência de um conflito entre gangues. Como resposta, demitiu o ministro da segurança e anunciou a militarização também dos presídios.