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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mães de meninos: precisamos dar a eles exemplos de amor e respeito à mulher

Mãe de menino: faz parte do caminho enfrentar o machismo do entorno - Getty Images/iStockphoto
Mãe de menino: faz parte do caminho enfrentar o machismo do entorno Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

08/05/2021 04h00

Bem, eu não sei ser outra mãe. Sou mãe de menino duas vezes. Hoje em dia, eles já são dois caras. Um pré-adolescente e outro adolescente.

Ainda lembro de quando fizemos o primeiro ultrassom para ver o sexo do bebê. Eu não tinha planejado ser mãe, não fazia (como ainda não faço) grandes planos e projeções sobre o futuro. Só tava ali, vivendo normal, curtindo.

Na época, firmei com um ficante, que, na configuração dos relacionamentos antigos, se tornou namorado e, em seguida... Marido? Nunca me senti à vontade com a nomenclatura. A verdade é que a gente passou a se ver todos os dias e depois de um tempo ele dormia lá em casa o tempo todo. Enfim, fomos morar juntos. Essa configuração já levava uns dois anos, quando, em um belo dia, descobri que a tabelinha e coito interrompido não eram assim tão contraceptivos.

Comecei a me sentir estranha — a menstruação não descia, eu sentia uma espécie de cólica (o útero bombando em forma de ninho e a linda aqui bem alheia), minhas tetas ostentavam umas veias azuis que nunca tinha botado reparo. Comecei a ficar muito mais sensível a cheiros e cenas dramáticas. Achei que valia comprar um daqueles testes de farmácia.

Em casa, em um misto entre ansiedade e apreensão, me tranquei no banheiro e fiz xixi no tal lugar apontado nas instruções. Uma listrinha começa a se desenhar no artefato e, segundos depois... Outra listrinha azul vai se desenhando ali. Sim, positivo! É verdade, temos bebê na barriga. Já falei um pouco em outra coluna aqui sobre essa experiência. Mas hoje queria falar disso com um outro recorte. Para isso, vamos voltar ao dia do ultrassom.

É curioso que a gente tinha muitas opções de nomes para meninas e nem tantas para meninos. Como disse, não tinha feito planos. Mas aceitei com interesse aquela nova "situação".

Não tinha sonhos sobre como vestir a minha princesinha, porque não sonhava com princesinhas. Nem com principezinhos... Mas estava muito curiosa sobre essa pessoa

No tal ultrassom do terceiro mês, a médica disse: "vamos ver se hoje vai dar para ver o sexo do bebê". E lá vai ela lambuzar minha barriga com aquele gel e brincar de sobe e desce com o aparelho deslizando sobre minha pança. "Ah, o bebê tá de perna fechada, não quer mostrar". Então, de repente: "olha lá o pintinho dele, é um menino!", exclamou. Eu não via pintinho algum... Sempre tive dificuldades de ver tudo que os doutores veem naquelas TVs. Vejo imagens em madeira, paredes, azulejos, mas, ali no exame, nunca identifico nada.

Decidimos que esse menino seria o Antônio. Da segunda vez que minhas tetas quase explodiram, corri pro banheiro de novo e fiz o teste. Uma vez, duas vezes, para ter certeza. Enquanto esperava a evolução das listrinhas azuis, Antônio me perguntou: "o que você tá fazendo?" E eu respondi: "vendo se você vai ter um irmãozinho". Sem me dar conta, fui premonitória. Sim, além de grávida, descobri depois que era outro boyzinho. Esse seria o Francisco.

Esses são os meus filhos amados. Os caras que mais admiro e não canso de achar lindos e fod@s. E aí tem a Fabi mãe, que é a mesma do rolê, a mesma que é filha da Dona Nézia. Lembram dela? Mulherona arretada e à frente do seu tempo. Revolucionária sem nunca precisar ter lido nos manuais o que era uma. Guerreirona inata.

Essa mina, a minha mãe, me ensinou que não tinha isso de lugar da mulher e lugar do homem. Ela me ensinou a ser questionadora, inconformada com padrões e comportamentos assimétricos entre gêneros

Ou seja, tudo isso vem junto, né, gente? Não desligo o botão Fabi rolezeira e ligo o botão Fabi mãe. Essa cisão não há e nem poderia haver. Então, para mim, sempre foi muito natural o lance de tentar ao máximo não criar dois boys bundões, que acham que mulher precisa servi-los (não é verdade, lutei por isso, porque, sim, a sociedade exige e espera um certo comportamento das mães).

Tentei fazer com que eles jamais achassem, nem da mais remota maneira, que mulher é inferior em qualquer possível esfera. Nunca houve a ideia de que são alecrins dourados em função do sexo biológico. Pelamor, nunca rolou nem sombra disso por essas bandas.

Mas tem o entorno, não é, Brasil? E, ah... O entorno complica, hein? Em geral, ele está super trabalhadinho no machismo estrutural. Na premissa de que eles não podem fazer isso ou aquilo, ou que, em contrapartida, devem fazer isso ou aquilo.

Essa dinâmica é tão arraigada que, por vezes, calei diante de alguns absurdos. É péssimo, eu sei. Concordo e me arrependo. Mas me faz pensar no quanto esse sistema é naturalizado, em como as pessoas ficam à vontade, inclusive para te desautorizar como mãe: "Francisco, vai lavar a louça". Outra mina: "Ah, não, imagina! Deixa que eu lavo".

Um boy: "Ah, menino não usa rosa" (sim, Brasil, em meados de 2011 isso ainda rolava. Damares quem? 2019? Ah, para de brincadeira, gente). "Menino não chora", "menino não pode isso, menino tem que aquilo". E, como a gente está falando de estrutura, preciso dizer que, ao redor dos meninosm há poucos homens com histórico de falar sobre sentimento, de tratar fraqueza e medo como algo natural, como manifestações que precisam ser acolhidas, e não como algo que do qual devemos fugir. Até porque, elas voltam do além para assombrar depois.

Sou muito simpática à ideia de criar pessoas. De respeitar, amar, tretar, discordar, ensinar, escutar, acolher e estar ali. Falar e escrever é fácil. O dia a dia é absolutamente desafiador e nos põe à prova o tempo todo. Mas acredito, de verdade, que criar seres humanos vai muito bem quando se baseia no amor e no respeito. Afinal, só uma criatura criada com amor e respeito estará pronta para oferecer o mesmo amor e respeito aos outros, quem quer que sejam.