Topo

Ana Paula Xongani

Moda precisa ser um lugar onde todo mundo se expressa, diz Dudu Bertholini

Dudu Bertolini no Baile no Copacabana Palace, em janeiro de 2016 - Marlene Bergamo - 22.jan.2016/Folhapress
Dudu Bertolini no Baile no Copacabana Palace, em janeiro de 2016 Imagem: Marlene Bergamo - 22.jan.2016/Folhapress

Colunista do UOL

30/07/2020 04h00

Dudu Bertholini é, sem dúvida, um dos ícones da moda brasileira. Com 23 anos de carreira, já fez de tudo um pouco: estilista, curador, figurinista, várias participações na TV e muitas, muitas outras coisas. Hoje, se considera um comunicador multidisciplinar de moda. Eu o vejo como uma pessoa que pensa e reflete a moda estando lá dentro.

Dentro da indústria, dentro da mídia, dentro do "fazer moda". A credibilidade que cultivou e mantém lhe deu possibilidade, lugar e poder de falar e questionar o mundo da moda com um olhar diverso. Dudu tem caminhos abertos para circular e faz uso disso para abrir brechas e fazer da moda um lugar mais respeitoso para todes.

Mesmo passando por um momento de muitas mudanças na vida, em razão da pandemia, mas também em razão de várias novidades na vida pessoal, Dudu aceitou meu convite para bater um papo com a coluna. Mudou de cidade, de estado civil (casadíssimooooo), de forma de trabalhar. Tudo! Aí, não tinha como começar de outra forma: quis perguntar sobre mudança, sobre que mudanças ele tem assistido na moda desde quando começou até agora.

"A moda mudou muito! Coleções de 6 em 6 meses, que de certa forma se transformaram no post a post de hoje em dia nas redes sociais. Mas a maior transformação eu gosto de chamar de "revolução da empatia". A moda estava reforçando padrões excludentes. Hoje, ela precisa ser um lugar onde todo mundo se expressa. A moda precisa ser uma experiência para que todes sejam a melhor versão de si mesmos."

Sem dúvida, concordo com esse lugar que Dudu deseja para a moda e, para além de pensar se estamos perto ou longe disso, me anima imaginar o que estamos construindo. Perguntei também se ele acha que a moda já está flexível, aberta e preparada o suficiente para tantas transformações:

"A moda é um espelho do mundo e acompanha a velocidade das transformações sociais. A moda já sabe que não tem como voltar como era antes. Mas é preciso muita atenção para o perigo do esvaziamento de discursos relevantes, para a pasteurização de conceitos. A moda, assim como o capitalismo, tem a habilidade fantástica de incorporar discursos que sejam convenientes para a manutenção do seu próprio poder. Depende de cada um estar atento para legitimar mudanças verdadeiras, que realmente beneficiem a todes."

Eu penso que todas as mudanças trazem benefícios, mas não só. Trazem também novas questões, coisas que estão há bastante tempo urgindo para ter espaço e visibilidade. E, nesse sentido, estou em muita consonância com Dudu. Esvaziamento de discurso, de propósito e apropriação cultural me deixam realmente preocupada e alerta. E por isso fiquei curiosa para saber como o Dudu se sente questionando estas questões todas nos espaços que ocupa:

"Sempre fui o questionador, mas sempre pertenci muito a essa engrenagem, por isso há uma facilidade aí. Mas foi a tomada de consciência individual de que devo romper com o pensamento e com a narrativa hegemônica, com os padrões que mantém o status quo. Defender a diversidade e as liberdades se tornou um propósito de vida e também do meu trabalho. Ao mesmo tempo sigo encontrando brechas e fissuras para que a mudança aconteça. Pontos de penetração e intersecção de uma forma empática e afetuosa, mas sem ser ingênuo. Entendo que é preciso resistência e luta. Entrar para gerar essa transformação."

Reconhecer os privilégios que acolhem cada um de nós, sobretudo as pessoas não negras, e gerar mudança a partir dos lugares que ocupam, pra mim, além de uma receita de sucesso, é ter a real noção da responsabilidade que se tem para que as estruturas se reconfigurem. Mas, sabemos que "na prática, a teoria é outra". E então perguntei ao Dudu se ele tem um "truque", uma "ferramenta" um "pi rim pim pim" para gerar empatia nos seus pares e nos lugares onde ele está para gerar novas escutas:

"Adorei essa pergunta! É preciso perceber o contexto de cada lugar, cada configuração, e mapeá-la. E só depois colocar a mágica pra funcionar. Entre pares, consigo entender, ainda que de forma crítica, seus lugares, suas questões e até suas limitações. Aí, com afeto, escuto e tiro meus coelhos da empatia e da inclusão da cartola. Mas, tem uma coisa! Quando você alcança lugares de decisão, é importante transformar ideias e sugestões de inclusão em "exigências", regras mesmo. Funciona e gera mudanças efetivas."

Quem acompanha meu trabalho, sabe que acredito profundamente e invisto na construção de pontes para alcançar novos lugares e, então, transformá-los em espaços mais justos e plurais. E acredito mais ainda que pontes precisam ser construídas de fora para dentro e de dentro para fora. A intersecção dessas duas ações são encontros como esse que tivemos aqui.

Dudu é um construtor de pontes para novas ideias para a moda e, consequentemente, para a sociedade. Como curador do Centro Cultural São Paulo (CCSP), por exemplo, ele contribuiu como Festival Marsha (em homenagem a Marsha P. Johnson), primeiro festival de cultura LGBT feito por pessoas trans. Agora, se dedica à curadoria do Panorama da Criação Inclusiva, totalmente feito com pessoas atípicas e que estará disponível online pelo CCSP.

Dudu e eu já tivemos muitos encontros por aí. E sempre me encanto. Obrigada, querido, pela conversa e pelas tantas perspectivas de pontes que sempre me enchem a cabeça quando converso contigo. Vamos juntes!