Ana Canosa

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Opinião

'Abri a gaveta e pirei ao ver que o vibrador da minha esposa não estava lá'

Ele veio me contar, com um tantinho de vergonha, o dia em que foi pegar um documento na gaveta da esposa e percebeu que o vibrador dela não estava lá. Olhou para mim e eu já comecei a rir. "Onde essa mulher foi com esse vibrador, homem de Deus?" Vínculo terapêutico tem dessas, a intimidade com a vivência emocional dos pacientes, autorizando a verbalizar aquela vozinha cruel que abduz o sujeito nessas situações — lhe passaram algumas ideias na cabeça, que ela levou para se masturbar no banheiro do trabalho, foi mostrar para uma amiga — ou, quem sabe, a pior delas: levou para o motel para brincar com um amante.

"Tenho certeza de que você fez busca e apreensão pelas gavetas dela, para ver se achava o maldito". Ele riu e assentiu com a cabeça. Já tinha sido apresentado ao dito cujo? Nunca, mas já sabia da existência, pois havia se deparado com ele meses atrás, sem querer, na gavetinha dela.

Me relatou momentos tensos, o sangue fervendo, a raiva despontando e um quase semidesespero — tomou um banho para pensar melhor, encontrar justificativas e senões.

A hipótese mais plausível para a compra do vibrador foi, na cabeça dele, os problemas que ele teve com o câncer de próstata, que o afastaram da relação sexual por um período. Pondero que sim, é possível, mas que não também, pois a mulher pode muito bem ter só comprado um brinquedinho para se dar prazer de vez em quando e que é preciso entender que a sexualidade feminina não é resultante de uma relação de causa e efeito com a sexualidade masculina. Que se ele justifica a compra do brinquedo por falta da atividade do parceiro, coloca o vibrador como um substituto de si mesmo e ainda que nessa relação atualmente ele esteja em desvantagem, o pano de fundo é que o pênis dele seria o maior representante do desejo dela.

"Amado, a gente pode desejar o parceiro e ainda desejar mais um monte de gente ou ninguém, ou só se masturbar mesmo para descarregar tensão sexual ou focar mais no trabalho — a dopamina que nos ajuda no pós-sexo. Você nunca faz isso?"

"Claro que sim", assume que estava sendo machista. Racionalizar que a mulher estava só se divertindo sozinha, como ele faz de quando em vez, era legitimo, afinal já tinha aceitado a existência do vibrador. Mas daí o aparelho sumir, um novo significado tinha sido posto. Para piorar o cenário, na manhã seguinte, o vibrador voltou para a gavetinha, sinal que foi mesmo passear não sei onde, nem com quem.

Passou o dia tentando não ser rude e se acalmar, não queria parecer infantil ou machista. Entoou todos os mantras da ioga, da psicologia positiva, Ho'oponopono, inteligência emocional e fez várias saudações ao sol. Revisitou os últimos tempos, nos quais ele e a esposa, após um período de crise, estão bem. Ela me ama, eu a amo, voltamos a conversar, nos divertir juntos e a transar. Então ele não tinha que se preocupar com algo que é dela, não dele.

Resolveu ir ao cinema sozinho, uma experiência que ele não vivia há algum tempo. Foi meio escondido: mentiu dizendo que tinha uma reunião, talvez a fim de dar voz a algum desejo individual, um tipo de transgressão, para quem tem passado os últimos meses tão focado no relacionamento. 'Se ela foi se dar algum prazer escondido, também o farei'. Quando voltou para casa, deitou-se sozinho na cama do casal, esparramado. "E bateu uma punheta?", perguntei, meio que já adivinhando. Bingo. Rimos da falta da criatividade humana. Embora tenha aí uma revanche, tinha também uma permissão para a vivência do gozo sem a parceria. Se dando esse prazer, era mais fácil autorizar, dentro de si, a parceira a fazer o mesmo.

Passamos mais 20 minutos falando de sua resposta sexual. Me disse que sua ereção estava como aos 18 anos, no que eu disse: "não exagera, homem, pode ser boa, mas igual não tá. Já percebeu que o pênis tá encolhendo?" Arregalou os olhos. "Claro, envelhecemos, tudo encolhe." Rimos. Chegamos aos remédios para ereção que ele está tomando e o pênis que está entortando. "Fibrose nos copos cavernosos, precisa mostrar para o urologista. Está atrapalhando a penetração?" Impressionante como os homens têm dificuldade de manter conversas francas sobre queixas sexuais até com os próprios médicos. Por isso gosto tanto da minha profissão.

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Saiu da sessão mais leve, agora já tinha se despido diante de alguém — toda a sua vulnerabilidade colocada ali, o medo da impotência, da não satisfação sexual da mulher.

Ao nos despedirmos, eu lhe disse: "já pensou que a gente carrega os vibradores e que às vezes é necessário levar para algum lugar mais discreto, para conectar o cabo a alguma fonte de energia? Esse pode ter sido o motivo do passeio do vibrador." Sim, eu faço a voz do anjinho também.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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