Ana Canosa

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Opinião

'Transamos a cada cinco meses, dá para resgatar a vontade de fazer sexo?'

Ao pensar na sua relação amorosa, qual é o pilar que a sustenta no momento? São três os fundamentais: o amor/erotismo, a conveniência de estar junto (bens, filhos, amigos, família etc.) e a função emocional que cada um exerce na vida do outro — uma pessoa que tem perfil de orientação e se une a alguém mais inseguro, por exemplo, o que pode ser interessante, desde que um aprenda com o outro e cada um possa se desenvolver individualmente.

As queixas sexuais muitas vezes são só um sintoma de uma mudança na estrutura, sem relação direta com o sexo. Robson e Carla, por exemplo, vieram à terapia sexual para resgatar a vontade de fazer sexo. Transavam a cada cinco meses, às vezes o tempo ainda era maior entre uma relação e outra. Sem questões biofisiológicas que motivassem a falta de desejo espontâneo, nos aprofundamos na linguagem sexual de cada um e na história da relação.

Robson é um orientador nato, tem sempre uma ideia, um conselho, uma pessoa para indicar, um esquema para traçar a fim de organizar a vida dos outros. Quando se conheceram, Carla tentava sair da casa da família, em meio a problemas de saúde mental da mãe e ao alcoolismo do pai. Tinha um emprego simples, nenhum plano de carreira, e autoestima muito comprometida. Rapidamente se uniram e Robson a ajudou, principalmente em sua vida profissional.

Eles tinham outras coisas em comum, como o gosto por música e culinária, além de boa convivência. Faziam mais sexo no início do relacionamento, como toda nova relação, mas descobrimos durante o processo que a química entre os dois não era lá essas coisas, não sendo o erotismo o pilar central desse relacionamento. A função emocional sustentava o vínculo.

Passaram anos vivendo assim, mas agora a falta do sexo apareceu como uma queixa. Como terapeuta, eu me perguntava o que estava mudando.
Tentamos fazer um resgate do sexo, mobilizando o desejo responsivo, promovendo momentos de intimidade entre eles, mas a resposta não estava sendo positiva. Eles demoravam muito para fazer os exercícios que eu propunha, e quando faziam, contavam sem entusiasmo.

Individualmente, Carla parecia estar se redescobrindo e desejando dar passos sozinha. Durante as sessões, cada vez que ela colocava um conflito, uma dúvida ou um desconforto, ele automaticamente vinha com uma solução. Cabeça de orientador é assim. Mas ela demonstrava completa resistência diante das opiniões dele. Estava ali a questão: eles não sabiam conviver desse novo modo. O que Robson poderia oferecer, se ela estava tirando o espaço para ele funcionar no que sabia fazer bem? Carla queria tomar decisões a partir de ideias próprias, algumas contrárias às dele. A terapia sexual se transformou em terapia de casal.

Quando pensamos em relacionamento de compromisso, não podemos nos esquecer que o sexo é um componente, mas não o único. Existem, sim, casamentos sem erotismo, com ótima convivência e apaziguamento na esfera sexual. Mas efetivamente pode ser um risco apostar em uma relação sem sexo, caso seja importante na sua vida, um item básico para a satisfação pessoal.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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