Ana Canosa

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Opinião

'Há um ano, tinha ereção sempre, mas perdi o tesão nela porque tem estrias'

Márcio tem 47 anos e namora há um ano Adriana, da mesma idade. Me conta que no começo do namoro tinha desejo e excitação "eu tinha ereção a toda força", porém, com o passar dos meses foi perdendo a atração sexual. Justifica na parceira, que segundo ele, "tem uns quilinhos a mais, estrias, um corpo que não é mais de uma moça de 20 anos". Bom, nem o dele é, convenhamos, já que passou a perder a ereção, mesmo tomando 'afrodisíacos' e medicações para a ereção.

Eu acho curioso que em tão pouco tempo de relacionamento a perda de interesse sexual se dê. A não ser que o corpo dela tenha mudado drasticamente, as estrias já deviam estar ali e a marca dos anos também. É possível supor que o motor para a excitação de Márcio estivesse mais ancorado na situação erótica em si, a novidade, a sensação de conquista e, quando isso passou, ele recorra ao estímulo visual para se excitar. Como o que vê não lhe agrada, não sabe como ativar o erotismo.

Quando as pessoas são extremamente visuais no estímulo para a excitação e, reproduzem um padrão corporal específico nos seus objetos de desejo, sejam as parcerias, sejam os filmes pornográficos que assistem, enfrentam dificuldade na excitação que advém de outros estímulos, práticas e recursos. Pessoas mais sensoriais, que se excitam com toques corporais, tendem a dar menor importância para o tipo de corpo. Também, quem valoriza a sensualidade e o erotismo, costuma se excitar mais com a forma que a parceria encara o sexo, o quanto é livre para experimentar, assumir papéis, explorar possibilidades e fantasias. É o cenário e a narrativa que importam, não o corpo em si.

Penso que Márcio tem esse perfil mais genitalizado e enquadrado no padrão estético comum. Me dá a impressão que vai reproduzindo o padrão, o seu ser desejante moldado pela cultura — a sensualidade do corpo jovem -= e explorou pouco outras possibilidades em si mesmo.

Mas tem um outro ponto bem interessante: quando ele me revela que a namorada "é muito tarada", que 80% do relacionamento, para ela, é baseado no sexo. Questiono como é se relacionar com uma namorada tão ativa sexualmente, o quanto ele não está inibido com o transbordamento do desejo dela, já que ele mesmo não se vê assim, tão potente. Isso reflete na ereção, que não chega nem com medicação.

Também, não consigo deixar de pensar que ele acaba justificando tudo no padrãozinho sexual heterossexual, aquele que aprisiona as mulheres no corpo sexy e os homens na ereção. Então, quase como uma fórmula matemática interiorizada e automatizada, ele entende que se há problema no sexo é por causa do corpo dela.

Como Márcio gosta muito da namorada - e talvez aí esteja mais uma questão a se pensar - ele gostaria de voltar a ter desejo por ela. Mas já sabemos, não será pelo aspecto visual que ele encontrará a sua excitação, mas no quanto consegue ampliar a sua percepção sobre a sexualidade, aceitando inclusive que ele tem menos desejo sexual que a namorada, que aos quase 50 anos a ereção não será sempre mais tão 'rija' como antigamente e que sim, talvez ele esteja dando mais importância para o afeto, do que para o sexo. Para um homem padrão heterocisnormativo, desenvolvido a base de uma sensualidade genitalizada e padrão, essa realidade, entendo, é um tanto assustadora

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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