Topo

Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Parem de criticar o amor romântico: sonhar com isso é direito de todos

Gisele Bündchen disse que estava em luto pela morte de um sonho, o casamento - Reprodução / Internet
Gisele Bündchen disse que estava em luto pela morte de um sonho, o casamento Imagem: Reprodução / Internet

Colunista de Universa

28/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Só porque Gisele Bündchen disse à revista "Vanity Fair" que está de luto pelo "fim do sonho" —se referindo à separação de Tom Brady— choveram comentários sobre a crise do amor romântico. Me dá muito desânimo essa leitura rasa e parcial das relações.

Quem disse que Gisele acha que o casamento é o único destino do amor, que ela vai cortar os pulsos, que apostou todas as fichas da vida nessa relação? Quem disse que ela nunca imaginou que podia se separar, que viveu uma relação idealizada de completude amorosa, que não tinha amigos, prazeres para além do parceiro e que só acredita no amor empacotado na vida em comum? Não conheço Gisele —gostaria, pois, de longe, me parece uma mulher interessante— mas, sinceramente, não acho que ela faça o estilo que só vive pelo casamento e pela maternidade.

Mas problematizaram. O problema foi a palavra sonho? Se o sonho é manter a relação com quem se ama, isso não é crise do amor romântico, mas uma decisão dela sobre como viver o romantismo.

Fico aqui refletindo como posso descrever esse sentimento complexo, o amor, que sentimos por alguém. Amor erótico? Amor apaixonado? Porque se digo que é amor romântico, pronto, lá vem todo mundo esfregar na cara a desconstrução. Se digo que é amor fraterno, vão dizer que falta sexo. Se digo que é paixão, dirão que vai acabar logo.

Sexoterapia: Estamos vivendo o fim da monogamia?

Claro que é importante discutir a ideia de que só existe uma maneira de viver o amor, que ele serve à completude, que é para toda a vida, que é exclusivo e monogâmico, não cabendo outras possibilidades, que sua vivência é o único caminho para a felicidade.

Esse amor, único e inquestionável, é que deve ser posto abaixo, mas isso não significa que qualquer pessoa que se aproxime do formato da relação romântica reproduza todos esses desatinos.

É interessante como revelar o universo romântico pessoal virou incômodo, enquanto damos voz ao erótico, necessário para fazer do sexo uma atividade saudável e prazerosa, mas que não exclui os afetos.

O amor é tão importante quanto, pois ele é mais do que só um sentimento. Ele é um jeito de a gente se colocar no mundo. Não está em crise, é feito de crise: como diz a escritora americana bell hooks, só quem ama de verdade reconhece a dor de ser afetado pelo outro. Quando Gisele diz: 'estou em luto pela morte do meu sonho', ela assume a responsabilidade pelo que sente e faz uma conversa interna com a sua dor.

Não acho que o romance vá acabar, espero mesmo que não. Que mundo chato esse que problematiza todos os sonhos alheios, que lança hipóteses sem nenhum conhecimento da realidade dos outros e associa de maneira frouxa teorias muito importantes, que precisam ser contextualizadas.

Podemos ser não monogâmicos, autônomos, cheios de amigos e prazeres, com os mesmos direitos e deveres (sonho meu), solteiras convictas e ainda sim adorar um romance, sem precisar vivê-lo como uma Cinderela ingênua, pronta para deixar o sapatinho de cristal como símbolo da castidade e submissão absoluta.

Gisele que viva seu luto e que possa construir novos sonhos nesse campo, se desejar. Tem todo o meu apoio.