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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Poderosa no OnlyFans mas fingindo orgasmos na vida real. Por quê?

Deagreez/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Deagreez/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

17/09/2022 04h00

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Com o avanço da tecnologia, cada vez mais precisaremos estudar o comportamento sexual mediado pelos apps e plataformas online. O acesso a material sexualmente explícito (SEM, em inglês) revela novas fronteiras.

O Only Fans, por exemplo, um app que à priori não tinha o objetivo de promover conteúdo sexual, acabou sendo utilizado para este fim. A ideia era conectar assinantes com conteúdo exclusivo de criadores de diversos setores (por exemplo, fitness, culinária, esportes), o que favoreceu que o tema erótico surgisse.

Durante a pandemia de covid-19, houve um aumento de 75% nas inscrições, atribuído ao desemprego e massa e ao deslocamento de trabalhadores da indústria do sexo.

O site ganhou notoriedade adicional quando celebridades passaram também a produzir conteúdo "exclusivo" aos assinantes. Imagino que, diante da exposição generalizada das atitudes e comportamentos cotidianos em lives, vídeos e fotos no Instagram, Facebook, Tik Tok, nada mais esperado que a 'exclusividade' paga, convergiria para o erótico, proibido e sujeito a sanções nessas redes sociais.

O conteúdo SEM acessado por meio de assinaturas no Only Fans varia muito de acordo com os criadores e inclui fotografias e vídeos nus, parcialmente nus e totalmente vestidos que podem ou não envolver atos sexuais explícitos.

Há também a possibilidade de fornecer acesso a conteúdo escrito (por exemplo, postagens em blogs, poesia ou histórias eróticas), participar de discussões, interagir em formato de troca de mensagens em bate-papos pessoais com assinantes ou permitir que eles enviem solicitações especiais para fotografias, atos e cenas.

Parece que a oportunidade de estarem mais intimamente conectados com os criadores de SEM, com representações mais autênticas, é o que interessa aos usuários. Segundo pesquisadores, a motivação para o uso de SEM está relacionada a obtenção de prazer sexual através da masturbação ou da relação com parcerias, evitação de tédio, alívio de estresse e aumento de repertório sexual.

Viabilizando essa possibilidade de assinatura direta do consumidor, o Only Fans está cada vez mais popular, com 100 milhões de usuários registrados e pagou mais de U$ 3 bilhões aos produtores de conteúdo.

Ainda são escassas as pesquisas nesse campo. Um estudo exploratório norte-americano publicado recentemente da Archives sexual behavior ,com uma amostra de 718 usuários, procurou obter dados demográficos sobre usuários de OnlyFans em comparação com não usuários e também comparar as atitudes sexuais entre os dois grupos, com base no sexo biológico.

O resultado demonstrou que os usuários são predominantemente homens, casados, brancos e que se identificavam como heterossexuais ou bissexuais/pansexuais.

Os pesquisadores aplicaram uma escala de atitudes sexuais, com 23 perguntas agrupadas em 4 subescalas: 1) permissividade - em relação ao sexo pré-marital/casual, sexo com múltiplos parceiros e sexo sem compromisso; 2) controle de natalidade - sexualidade responsável para homens e mulheres; 3) comunhão - comunicação, conexão emocional e 4) instrumentalidade - função biológica - prazer - liberação de tensão sexual.

O resultado foi bastante interessante. Sobre as atitudes sexuais, não houve grande discrepância entre os grupos de usuário e de não-usuários, sugerindo que os usuários não são sexualmente mais 'livres' que os não-usuários, como poderia se supor. Essa semelhança também foi percebida em relação ao gênero.

Embora os pesquisadores considerem o duplo padrão moral sexual ainda presente nas sociedades mais 'conservadoras', que fortaleceriam atitudes masculinas mais 'liberais' e focadas no próprio prazer do que acontece com as mulheres - estimuladas ao contrário - os dados mostraram que as atitudes da sociedade em relação ao sexo podem estar tendendo a perspectivas mais liberais e positivas para todos os gêneros, já que as participantes da amostra apresentaram resultados semelhantes aos homens, em ambos os grupos.

No entanto, eu chamo a atenção, para o fato de que o entendimento racionalizado sobre a importância da autonomia sexual feminina e do combate à desigualdade e gênero, não acompanha a linguagem emocional, que frequentemente trai as pessoas durante uma interação real.

Uma coisa é achar como as coisas devem ser, outra é agir da maneira pensada. Só o entendimento racional não combate emoções tão enraizadas, frutos de séculos de repressão sexual contra a mulher. É totalmente possível encontrar uma mulher autônoma, ganhando dinheiro com seu conteúdo erótico no Onlyfans, fingindo orgasmos na vida real.