Topo

Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Casal que 'só conseguem ficar bem longe': será que é melhor terminar?

andresr/Getty Images
Imagem: andresr/Getty Images

Colunista de Universa

07/05/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Fernando namora Marcela há quase 10 anos. No começo do relacionamento eles namoravam a distância, e o sexo acontecia quando se encontravam. No entanto, quando passaram a morar juntos, o sexo passou a ficar escasso e em 2019, segundo ele, 'péssimo'. "Eu sinto que estou morando com um colega de quarto, parece que ela virou minha amiga apenas, sem o sexo. Não sinto que atraio ela, não me sinto desejado nem nada".

Para piorar o cenário, Fernando ficou desempregado e Marcela achou por bem sugerir que ele voltasse para a casa dos pais dele, pois assim ela gastaria menos com as despesas da casa e ele poderia se aprimorar, estudando, e melhorando seu currículo.

Mesmo ficando mais uns meses com a namorada, e aumentando um pouco a frequência, depois que ele conversou sobre a importância do sexo para ele, resolveram que ele voltaria para a cidade natal. Se viam duas vezes por mês, quando ele ia visitá-la.

Assim que ele conseguiu um trabalho, voltou a morar com Marcela, mas meses depois ela viajou para fora do país, aproveitando uma oportunidade de parceria com o seu trabalho atual, sendo que também demonstra o desejo em continuar morando lá, caso consiga um emprego.

Fernando não se vê morando fora do país, longe de seus amigos e família, enquanto ela já morou no exterior e parece que não é tão afetada pela distância nas relações familiares, fraternas e amorosas, o que o deixa muito chateado. "Ela tinha o trabalho dela aqui, não precisava fazer esse programa de um ano, entende? E agora que consegui voltar para morar com ela, ela viaja por um ano e pode decidir não voltar."

Digo a ele que formatos românticos, principalmente os de coabitação, podem não ser satisfatórios para todas as pessoas.

Há também quem tenha um espírito mais livre das convenções relacionais, e que não sente tanta necessidade de dividir a sua vida no mesmo espaço físico, bastando as conversas via tecnologia. Se por um lado ele se ressente da "liberdade emocional" dela, por outro ela pode também achá-lo pouco ambicioso, curioso e muito arraigado aos laços afetivos.

Quem perde a oportunidade de morar fora do país, conhecer outra cultura, vivenciar outras experiências? Marcela pode se indagar.

Mas ainda tem a questão sexual. Enquanto estão longe, mas ainda namorando, ele me confidencia que tem vontade de ficar com outras mulheres, mas que evita as relações. Conversam todo dia, apesar do fuso horário de 3 horas. Ele não sente que ela tem saudade dele como homem - o desejo sexual dela nunca aparece - mas como esse companheiro de 10 anos cuja história tem muitas passagens, "risadas de tirar o ar", cumplicidade, companheirismo.

Fernando tem amor pela história deles e isso é sim um fator muito importante na decisão de manter ou não uma relação de compromisso. Há quem viva bem se alimentando de companheirismo e cumplicidade, como parece o caso da Marcela, mas há quem precise do toque, do desejo e da comunhão de corpos.

Provoco Fernando a pensar, porque o seu desejo precisa estar atrelado ao dela. Que em vez de preocupar-se na maneira como ela estabelece os vínculos, que olhe para si mesmo, pensando por que ele mesmo vai cerceando a própria sexualidade em nome dessa relação.

Talvez ele tenha um perfil dos que precisam de conexão emocional para ter sexo, mas também questiono o quanto ele se expôs a outras maneiras de viver a sua sexualidade. Já perguntou à Macela como seria se experimentassem uma relação sexualmente mais aberta durante esse período que estão distantes fisicamente? Tem receio que ela ache interessante?

Quando vivemos sob o medo de romper uma relação, não conseguimos seguir adiante, tomar decisões, experimentar o novo. Embora seja um sentimento comum, também é importante avaliar o quanto ele nos paralisa e por quê.

Talvez a relação com Marcela esconda outras inseguranças que Fernando tem sobre a sua própria sexualidade, autoestima, identidade pessoal. Depois de tanto tempo junto com ela, como é se imaginar diante de outra mulher? Ele se percebe como um homem a ser desejado por outras pessoas? Se deixar afetar pela personalidade de Marcela é olhar para si mesmo e encontrar alguns fantasmas, e é assim mesmo nas relações de amor.

Eu não disse que vai ser fácil, mas sugiro que algo seja feito para mover essa água parada. A angústia adora se instalar nesses espaços dilemáticos da existência humana e elas doem e por muito tempo fazem adoecer.