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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cirurgia íntima: por que e para quem?

Brasileiras recorrem aos procedimentos maciçamente por questões estéticas - Doucefleur/ iStock
Brasileiras recorrem aos procedimentos maciçamente por questões estéticas Imagem: Doucefleur/ iStock

Colunista do UOL

01/03/2022 04h00

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Nesta semana, a life coach Maira Cardi revelou em uma entrevista que fez uma cirurgia íntima para "dar uma rejuvenescida". Muito se especula sobre a decisão ter acontecido após ela descobrir as traições do marido, Arthur Aguiar, na busca por aumentar sua autoestima e melhorar o desempenho sexual.

Líderes de cirurgias íntimas no mundo, as brasileiras recorrem aos procedimentos maciçamente por questões estéticas, que promovem, segundo suas percepções, desconforto e constrangimento. A labioplastia, ou ninfoplastia, que é a redução dos chamados "pequenos lábios", quando eles são hipertrofiados (ou seja, maiores) ou assimétricos (quando um é maior do que o outro) é a mais procurada.

A questão da funcionalidade nesse tipo de cirurgia é muito controversa, já que boa parte das vezes o desconforto está associado a uma adequação genital baseada em pressupostos do que seja bonito ou feio, e não há um prejuízo físico real que interfira diretamente no bem-estar sexual.

Os genitais femininos, assim como os masculinos, compreendem uma gama de variações anatômicas, sendo impossível estabelecer um padrão de "normalidade". Além disso, sendo uma zona erógena, não há como destacá-la de seu caráter sensual e de todos os seus significados.

O que seria uma vulva sexy? As simétricas, alvas e sem pelos, escancaradas nos filmes pornográficos, que de longe não são a esmagadora maioria das vulvas do planeta?

Sendo assim, imagino que seja difícil para um cirurgião avaliar quando a cirurgia estética genital seja realmente indicada, já que as próprias mulheres podem não saber ao certo por que as fazem, que não seja para se adequar a um modelo que foi pré-estabelecido por um grupo de gênero que nem é o seu.

Lembremos que a indústria pornográfica foi até pouquíssimo tempo liderada por homens para entreter homens. Ressalto também que a grande maioria de cirurgiões plásticos no Brasil são homens e isso, sim, é uma questão relevante.

Claro que uma decisão pautada em aumentar a própria autoestima é, por si só, válida. E, penso, deva ser considerada. Certamente, muitas mulheres se sentem satisfeitas com os resultados —um grande efeito psicológico, pois a maioria delas nem fica olhando para a sua vulva depois, admirando-a.

Porém, cabe também refletir como é possível aumentar a autoestima genital sem termos vencido a etapa anterior, aquela que aceita a variedade genital feminina e que busca, à luz do movimento body positive, estimular as mulheres a gostarem de seus corpos reais, na sua diversidade. Sem essa opção, acho que estamos engordando as estatísticas por motivos equivocados.

Diante desse tema, eu sempre me lembro da história da Cinderela, quando as meia-irmãs, desesperadas para calçar o sapatinho da "prometida", cortam o próprio dedão ou um calcanhar, reforçando a ideia de que o corpo da "escolhida" deve ser castrado, mutilado, modificado para ser concorrente ao posto.

Espartilhos e sapatos de salto alto, para cintura mais fina e postura de bumbum arrebitado, à custa de desmaios, vértebras a menos e pés deformados. Passamos para o conserto dos narizes e, em seguida, ao silicone nas mamas, que também migrou para a bunda.

De lá para cá, a lista só foi aumentando: lipoaspiração, botox, cílios, lábios, sobrancelhas —enquanto houver algo de "errado" no corpo da mulher, lucram aqueles que vendem seus produtos e serviços.

Para aumentar o apelo, lança-se mão da palavra mágica: "rejuvenescimento", a fim de combater o envelhecimento natural a qualquer custo.

Cirurgias genitais íntimas podem ajudar esteticamente após lacerações que não foram corrigidas, distopias genitais que também podem estar acompanhadas de incontinência urinária e reestabelecimento da anatomia em casos de violência sexual. Podem também melhorar a função sexual quando há necessidade de correções nas distopias e diástases das fáscias da musculatura.

Mas não corrigem distorções de gênero, nem o aprisionamento da sexualidade feminina, na busca eterna por adequação.