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Ana Canosa

A primeira vez no swing a gente nunca esquece

Sexo em grupo swing - iStock
Sexo em grupo swing Imagem: iStock

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

06/10/2020 04h00

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Ronaldo e Bianca estão juntos há pouco mais de um ano. São pessoas abertas, criativas e bem-humoradas e gostam muito um do outro. Não fosse o fato de discutirem a monogamia como formato da relação para esse momento da vida deles, provavelmente não estariam diante de mim.

Enquanto Bianca acha que ainda é cedo para abrirem a relação, Ronaldo já dá sinais de que precisa de mais, o que deixa a companheira insegura e, por vezes, raivosa. Bianca não entende qual a necessidade de buscar outras pessoas, já que a vida dos dois é boa e eles têm projetos em comum.

Mas é justamente a maneira como o casal pensa o futuro, na questão sexual, que deixa Ronaldo incomodado: como abrir mão de ser livre para encantar e seduzir outras pessoas, ter novas experiências e alimentar sua porção narcisista do desejo?

À medida em que as discussões do casal passaram a contemplar, no imaginário, a introdução de novas pessoas na relação, um misto de sentimentos foi tomando o casal de assalto. Ora isso tudo os excitava, ora causava angústia, pois uma parceria desejante nos tira do lugar da exclusividade.

Pensaram em separação várias vezes ao longo do processo, pois esse aspecto do projeto comum não batia de maneira alguma. Mas a cumplicidade e o afeto que os unia ainda era mais forte. Questionamos, inclusive, se não era justamente a discussão sobre abrir o relacionamento o que fortalecia a escolha por estarem juntos. Isso porque, em alguns períodos, eles viveram na corda bamba da separação, mas acabavam sempre abraçados, emocionados e reafirmando que eram muito importantes na vida do outro.

Atualmente, discutir o formato de relacionamento monogâmico acontece muito mais cedo na vida dos casais. Embora ainda seja comum os pares adotarem a monogamia de uma maneira compulsória assim que o relacionamento vira compromisso, o fato de desconstruirmos o amor romântico (com todas as suas imposições de exclusividade afetiva e sexual) como o único formato possível traz às pessoas possibilidades mais livres de satisfação, mas que ameaçam a ilusão de estabilidade e satisfação emocional.

Como manter o laço afetivo, erótico e evitar paixões, que minem o interesse entre o casal diante da interação intima com outras pessoas?

Depois de revisitarmos vários aspectos da personalidade de cada um e da dinâmica dos dois, colocando em perspectiva a necessidade de ambos, Bianca e Ronaldo decidiram se aventurar na prática do swing para experimentarem a vivência e avaliarem as emoções.

Como ela era a mais incomodada e resistente, ficou responsável por escolher possíveis parcerias e fazer interações. Ronaldo tinha o desejo de vê-la fazendo sexo com outros homens e ela também (sim, de vê-lo fazendo sexo com outro homem), portanto se cadastraram em um site de casais swingers e buscaram possíveis parceiros bissexuais. A interação foi toda mediada por ela, com anuência dele, e, juntos, resolveram marcar um encontro com um casal. Conversaram muito a respeito, estabeleceram algumas regras para maior segurança e se prepararam para a noite.

No dia marcado, Ronaldo esteve animado e, com entusiasmo, preparou o ambiente, o que já deixou Bianca meio inconformada: afinal, para fazerem sexo, ele não mais se detinha tanto nos detalhes, na preparação do ninho dos dois. Essa mania que temos de seduzir o novo e colocar o conhecido na engrenagem do cotidiano comum... Mas, ou eles aceitavam parte dos clichês que envolvem o casal tradicional que havia dentro deles, ou a experiência não ia dar certo.

Passadas algumas horas de conversa já com o casal na casa deles, enquanto o terreno do erotismo ia sendo preparado na imaginação dos quatro, Bianca resolveu iniciar a aventura com seu jeitinho espontâneo e pouco sutil: "Então pessoal, como é essa história de suruba? Alguém me explica quando começa, o que é para fazer..."

Foi uma experiência intensa. Da posição de heterossexual e monogâmica, Bianca foi para o oposto. Fez sexo com o rapaz, fez sexo com a moça, fez sexo com o marido, se divertiu com a cena de ver Ronaldo com a moça e com o rapaz. Ambos iam se testando com calma, avaliando as sensações e emoções e mantendo a conexão entre eles.

Enquanto ela se excitava e se divertia, a experiência foi boa. Mas, foi no instante em que esteve já mais satisfeita, após um orgasmo, naquele momento em que o corpo acalma e a cabeça diz que já dá para ir dormir, que a situação mudou o rumo. Afinal, só ela estava assim. A outra moça, desejosa de mais, pediu uma dupla penetração, o que deixou Bianca inconformada e mergulhada na exclusão. Embora Ronaldo tenha tentado incluí-la, buscando com as mãos a sua proximidade do jeito que dava, afinal estava por baixo e meio imóvel na posição para favorecer a DP, uma tempestade se aproximava nas feições de Bianca, que, por pouco, não acabou com a festa, rugindo no meio da sala.

Sua porção leoa, dona da p*rra toda, lhe tomou a alma e, ali, definitivamente, percebeu que não é possível dar conta de ser coadjuvante em uma situação dessas. Ela gosta mesmo é de ser rainha soberana. O curioso foi que, durante nossas conversas, era justamente isso que ela via e criticava tanto em Ronaldo, a necessidade que ele tinha de atenção, o que, na prática, se mostrou uma projeção, um truque da psique para nos defendermos de aspectos internos de nossa própria personalidade.

No final das contas, não ser uma unanimidade é, de fato, o grande desafio do ser humano. E há quem aposte que, na cultura pós-moderna, marcada pelo capitalismo de consumo, nos voltamos cada vez mais para uma necessidade infantil de satisfação plena. Se não reconhecermos essa nossa porção cada vez mais narcisista, estaremos fadados a cavar cada vez mais fundo o buraco do vazio existencial, em vez de fazermos as pazes e conviver com ele. Ao menos a porta da exploração, da busca por reconhecer e acomodar esses (e outros) sentimentos foi aberta. Bianca e Ronaldo estão dispostos a olhar para isso com muito cuidado e amor!