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Então é Natal! Como se tudo não pudesse piorar...

Carsten Koall/Getty Images
Imagem: Carsten Koall/Getty Images
Estela May

Colaboração para Universa

23/12/2020 04h00

Como se tudo não pudesse piorar, chegaram as festividades de final de ano. Quando todos fingem ser mais legais e o passar do ano parece ganhar algum sentido. Presentes, temos que pensar sobre isso. Os prédios com luzinhas, pela arte dos porteiros. Panetones na cozinha, esburacados, pois é impossível cortar um panetone direito. Vinho seco em dias quentes. Saudades vagas perturbando os corações pesados. Festejar o quê, pra quê, por onde?

Crianças de férias gritando nos playgrounds e sentando nos colos de papais noéis suados. Montar a árvore para desmontá-la em seguida. Filmes emocionantes a serem vistos e chorados. Especiais na TV. Bebemos para ficarmos felizes, bebemos mais para ficarmos tristes. Assim manda a tradição.

Não sou aquela que quer estragar o Natal de ninguém, mas não posso deixar de notar o estrago. Fujo das emoções baratas, mas elas me peseguem. Decorações nos shoppings. Vermelhos e verdes nos comerciais. Pessoas em mil piscinas pelo Instagram.

Desejos de boas festas - existem festas boas? Me convidem. Ou melhor não, não gosto de abraços. Não gosto de lágrimas contidas. De mensagens positivas em pressupostos otimismos. De neves de isopor. Penso numa população de perus à espera de serem degolados e assados em fornos. As festas existem, portanto, porque ninguém quer passar por isso sozinho. Travessas de comidas pra lá e pra cá, temos que ocupar as nossas bocas.

Sinceridades alcoólicas e mentiras brancas resolvem qualquer problema. Familiares que se odeiam à distância podem se odiar mais de perto.E tudo ficará bem assim que o trenó pousar no nosso telhado. Bolsonaristas e Lulistas unidos por um ideal comum: a falsidade.

Sou uma traumatizada, tenho certeza. Não tenho pós-trauma porque não consigo chegar nele. Queria ver gente feliz só pra saber como é. Então tomara que chova pra que todos possam chorar em paz. Um trio elétrico de músicas natalinas passando lentamente pela sua rua, pra que você possa gritar de raiva. Colegas de trabalho se confraternizando, deixando pra trás aquilo que virá pela frente. Gorjetas maiores para os garçons, pois eles nos deixam bêbados.

O ano até que não foi tão ruim asssim. Você deu likes, recebeu likes. Teve um tuíte seu que fez o maior sucesso. Os memes engraçados que fizeram você morrer de rir um pouquinho. Milhares de lives, você participou de google meetings. Mostrou que tem estante de livros. O sinal do wifi melhorou. Você não cruzou com nenhum filho de Bolsonaro - e eles são muitos.

Várias séries legais foram lançadas, apesar de você não lembrar dos nomes delas. Teve aquele filme, com aquela atriz que fazia filmes ótimos. O spotify reparou que você ouviu milhares de músicas. Seu cachorro gosta de você. E se você se comportar direitinho, vai ter farofa de banana na ceia.

*Estela May tem 20 anos, é escritora e quadrinista