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IA ajuda a salvar vidas em hospitais mas ainda não substitui médicos

Tratamento passar das mãos dos médicos para uma inteligência artificial está longe de acontecer, acreditam participantes do South Summit - iStock
Tratamento passar das mãos dos médicos para uma inteligência artificial está longe de acontecer, acreditam participantes do South Summit Imagem: iStock

Colaboração para Tilt, em Porto Alegre (RS)

01/04/2023 14h57

Graça a seu algoritmo de inteligência artificial (IA), um programa garante tratamento para pessoas que sofreram AVC (acidente vascular cerebral) em uma janela maior de tempo depois do ocorrido, com mais precisão e eficiência. A tecnologia foi criada nos anos 1990, na Universidade de Stanford, Estados Unidos, para identificar os efeitos da doença no cérebro e calcular tecidos mortos ou que poderiam ser salvos.

Este é um dos exemplos de aplicação da IA na saúde — mas que funciona apenas junto aos médicos. "A ideia é entregar os resultados para a equipe médica o mais rápido possível, para que entendam a situação real do paciente e definam o melhor protocolo de tratamento", explica Renato Cunha, que representa a empresa por trás da ideia, a RapidAI, na América Latina.

"O médico que trabalha com inteligência artificial consegue ser mais assertivo e agir mais rápido. Mas a decisão de tratar ou não, medicar ou não um paciente, sempre vai ser do médico. A IA vai trazer mais informações e mais rápido". Cunha foi um dos participantes da discussão sobre o futuro do uso de inteligência artificial na saúde, no evento South Summit, em Porto Alegre, nesta sexta-feira (31).

O chefe de marketing do Hospital Sírio Libanês, Christian Tudesco, também no painel, concorda que a adoção da IA não deve substituir profissionais de saúde tão cedo. "A gente estima que o médico gaste 50% do tempo dele com tarefas administrativas, olhando para laudos, e isso é menos tempo olhando para o paciente", avalia. "O uso de inteligência artificial aumenta a rapidez no diagnóstico, a assertividade, mas a tomada de decisão é do médico, do enfermeiro, de quem estiver no comando."

Corrida contra o tempo

O processo de análise do sistema da RapidAI leva até dois minutos. A tecnologia chegou no Brasil em 2019 e já está sendo usada em mais de 40 hospitais pelo país, com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para casos de AVC. Outras aplicações, como para aneurismas e embolia pulmonar, ainda aguardam regulação.

Segundo a empresa, com auxílio da inteligência artificial, entre 26 e 30% de pacientes que chegam ao hospital fora da janela de tempo pós-AVC ainda puderam ser tratados. Impedir sequelas mais graves nestes casos é uma corrida contra o tempo. Para a medicina tradicional, um tratamento eficaz é possível apenas dentro de seis horas após um acidente vascular — com a tecnologia, este tempo aumenta para 24 horas.

"Na América Latina e no Brasil, tratamos menos de 1% das pessoas que sofrem AVC. É uma tragédia que nos traz quase 400 mil AVCs por ano e cerca de 100 mil mortes", afirma Cunha.

Na avaliação dele, esse quadro poderia ser melhorado com a ampliação do uso de tecnologia — o que ainda é um desafio para o sistema público de saúde. "Quando a gente está falando com uma instituição privada, o investimento se paga em três ou quatro procedimentos adicionais que você vai fazer. Não é um custo proibitivo, não é alto para uma instituição que trabalha com valores bem elevados", aponta.

No painel, ele também citou um estudo recente de médicos radiologistas, publicado na revista Nature, sobre o uso de IA no atendimento de pacientes com covid-19. Com o suporte de inteligência artificial para análise das tomografias computadorizadas, usando parâmetros objetivos, foi possível reduzir erros de diagnóstico de uma margem de 9,5% para 1% — usando dados de 109 paciente de 2 hospitais.

Algoritmos enviesados

Ainda assim, a discussão sobre quando a decisão final de um tratamento passará das mãos dos médicos para a inteligência artificial é algo distante, segundo os debatedores. Cunha ressalta que há outros pontos éticos importantes a se considerar sobre o desenvolvimento dos algoritmos.

Entre eles, está a base de dados que alimenta os sistemas. Ela pode ter distorções ou algum viés que, por exemplo, vai impactar detecções para um certo tipo de população ou raça.

"Uma coisa que a gente fala na RapidAI é que os produtos hoje, da maioria das empresas no mercado, foram treinados com imagens de americanos e europeus. A gente tem um projeto de compartilhamento de imagens com universidades brasileiras, para incluir brasileiros no repertório de treinamento desses algoritmos, para ter uma garantia de que o viés não está ocorrendo", ressalta.