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Europa está criando a maior rede de reconhecimento facial do mundo; entenda

União Europeia poderá ter banco de dados de reconhecimento facial com 60 milhões de rostos - iStock
União Europeia poderá ter banco de dados de reconhecimento facial com 60 milhões de rostos Imagem: iStock

Barbara Mannara

Colaboração para Tilt, do Rio de Janeiro

08/04/2022 16h43

Milhões de fotos de rostos de pessoas, acumulada por autoridades policiais de vários países da União Europeia, estão sendo reunidas e catalogadas. O projeto, chamado Prüm II, vai criar a maior rede de identificação facial do mundo.

O objetivo é utilizar inteligência artificial para acelerar o processo de captura de suspeitos, facilitando a cooperação entre diferentes países no bloco.

O banco de dados já existe há algum tempo: a primeira versão, de 2005, foi usada por sete Alemanha, Espanha, França, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Áustria. Mas agora a revista Wired teve acesso aos documentos oficiais da "atualização" do projeto.

Além do enorme escopo do Prüm II e das recorrentes preocupações técnicas e éticas com o reconhecimento facial via IA (vide mais abaixo), há outro ponto que chama atenção: as autoridades terão acesso "automatizado" a esses dados, sugerindo que não será necessária a aprovação de um órgão controlador.

Como é hoje

Atualmente, caso a Espanha suspeite que um foragido esteja na Alemanha, por exemplo, seria necessário solicitar às autoridades alemãs para fazer a busca por fotos em seu banco de dados. Agora, com o Prüm II, elas estarão numa só base, instantaneamente acessível pelos 27 países participantes.

O acordo também libera o compartilhamento de impressões digitais, dados de DNA, registro de veículos, carteira de motorista e diversos outros dados.

O projeto ainda deve levar alguns anos até ser concluído e, embora haja apoio de legisladores europeus, outras agências da UE estão se posicionando.

Wojciech Wiewiórowski, atual Supervisor Europeu de Proteção de Dados (cargo individual ligado à General Data Protection Regulation, a LGPD europeia) afirma que propostas de lei nesse sentido precisam incluir mais salvaguardas que "protejam o direito à privacidade das pessoas."

60 milhões de rostos

Os detalhes do Prüm II começaram a ser discutidos publicamente em dezembro de 2021. Mas documentos de abril do ano passado, obtidos pela Wired, revelaram mais detalhes, como o uso de reconhecimento facial retrospectivo.

Essa tecnologia aplica a identificação somente em fotos, e não nas imagens captadas por câmeras de vigilância em tempo real. Isso seria uma maneira de driblar a Lei de IA, atualmente em discussão na Europa, que pode proibir o uso de reconhecimento facial pela polícia em espaços públicos.

Mesmo com essa restrição, o Prüm II seria bastante poderoso. Ele seria capaz de comparar fotos no seu acervo com imagens estáticas de gravações e até de mídias sociais.

Segundo os documentos, esse acervo será gigantesco. Só nos arquivos da Hungria, primeiro lugar nesse ranking, há 30 milhões de fotos. Na Itália, 17 milhões de fotos. Na França, 6 milhões. Na Alemanha, 5,5 milhões.

Esses bancos de dados variam de país para país, mas podem incluir imagens de suspeitos, de condenados por crimes, de pessoas que pediram asilo político e de cadáveres não-identificados.

Críticas ao sistema

O uso de IA para identificar suspeitos por reconhecimento facial é problemático em diversas partes do mundo. O resultado nem sempre é 100% preciso, e estudos têm comprovado que ele pode reproduzir padrões de racismo, gerando falsas evidências e condenações injustas.

Foi o caso de Robert Williams, em 2021, em Detroit, nos Estados Unidos. Ele foi identificado erroneamente por um programa de reconhecimento facial como o autor do roubo de cinco relógios de uma loja.

Para evitar falhas de reconhecimento no Prüm II, um porta-voz da Comissão Europeia adiantou que um ser humano terá de revisar as identificações feitas pela IA antes que a polícia tome uma decisão sobre o suspeito.

Mas para os críticos, isso não resolve tudo. Um dos maiores problemas para Ella Jakubowska, consultora de políticas da ONG de direitos civis EDRi (European Digital Rights), é como o Prüm II poderia normalizar o uso do reconhecimento facial pelas autoridades europeias.

"O que você está criando é a infraestrutura de vigilância biométrica mais extensa que já vimos no mundo", diz Jakubowska em entrevista à Wired.