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Alto-falante é novo interruptor da casa, diz brasileiro executivo do Google

Feliphe Lavor é gerente de design do Google Nest, a divisão da empresa que desenvolve caixas de som inteligentes, Chromecast e outros itens de casa inteligente - Arquivo pessoal
Feliphe Lavor é gerente de design do Google Nest, a divisão da empresa que desenvolve caixas de som inteligentes, Chromecast e outros itens de casa inteligente Imagem: Arquivo pessoal

Guilherme Tagiaroli

De Tilt, em São Paulo

09/08/2021 04h00

Se você tem alguma caixa de som inteligente atual do Google, saiba que há mãos brasileiras por trás delas. Mais especificamente, as do carioca Feliphe Lavor, que é gerente de design do Google Nest, a divisão de produtos de casa inteligente da empresa, que compreende de smart speakers (alto-falantes inteligentes), termostatos e até o Chromecast.

Formado em engenharia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e no Google desde 2018, Lavor atua especificamente pensando na experiência de uso que os consumidores terão. Em entrevista a Tilt, o executivo destacou que acredita que as caixas de som inteligentes são os "interruptores" deste século.

"As pessoas primeiro usavam iluminação a óleo, e depois passaram a usar eletricidade. Foi o interruptor que democratizou o controle da luz de casa. Vejo algo parecido com as caixas inteligentes. No início, eram só entusiastas que tinham um app que controlavam as lâmpadas conectadas. Agora, qualquer um com um comando de voz pode fazer o mesmo", afirma. O executivo ressalta que estamos nos primeiros anos da casa inteligente, e vem mais por aí.

As caixas de som inteligentes têm sido a porta de entrada para um lar com dispositivos conectado, segundo Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa da consultoria IDC Brasil. São elas que fazem com que os donos passem a se interessar por lâmpadas inteligentes, fechaduras digitais, sensores e outros itens. A consultoria estima uma média de 200 mil unidades de smart speakers vendidos trimestralmente, desde a estreia da categoria no Brasil, no fim de 2019.

Ainda que não tenha nos dado detalhes de próximos lançamentos dentro do segmento de casa inteligente (a empresa sempre faz um evento no segundo semestre para falar sobre novidades de hardware), Lavor nos falou sobre como foi parar no Google, o processo para criação de produtos e o que a companhia pensa para a casa inteligente do futuro.

Tilt: Como você foi parar no Google?

Feliphe Lavor: Em 2015, eu trabalhava em uma agência de design americana chamada Huge, que tem como um dos clientes o Google, e eu era uma das pessoas que atendia a companhia. Já tinha amigos no Google e começaram a falar que eu tinha muito a ver com a equipe de hardware, sobretudo pela minha experiência que mistura design e estratégia.

Como já conhecia o sistema de design do Google, trabalhando na agência, acho que foi uma confluência de coisas positivas. Iniciei o processo na metade de 2017 e comecei no início de 2018 em Mountain View [a sede do Google na Califórnia, EUA].

Tilt: Você participa de projetos sociais no morro Pavão-Pavãozinho, no Rio, e no Brooklyn, em Nova York, dando aulas de tecnologia e design. Queria que você me falasse um pouco de sua motivação os projetos.

Lavor: Nunca tive muita referência ou contatos quando comecei a trabalhar na área de tecnologia. Mesmo na faculdade, tive que ir desbravando. Fiz parte de uma das primeiras turmas da UFRJ e percebi que quase todo mundo se conhecia, pois estudavam nos mesmos colégios de elite.

Este tipo de trabalho que faço é de tentar dar um pouco mais de oportunidade e visibilidade para quem, como eu, não teve ou não tem uma rede contatos. Esses alunos nem imaginam que podem trabalhar em grandes empresas ou exercer este tipo de atividade. Isso dá a eles uma esperança, de pensarem que isso é uma possibilidade.

Tilt: Como é pensar em produtos que serão usados por milhões de pessoas de diferentes nacionalidades e hábitos?

Lavor: Nossos produtos são muito abrangentes. Então, imagine o Chromecast e a caixa de som, que são produtos de massa. O desafio é entender como as pessoas vão utilizá-lo no primeiro caso, e como as pessoas vão solicitar coisas para o assistente, seja no Brasil, no Japão, nos EUA ou na Bélgica, que tem três línguas oficiais, ou o Canadá, que fala francês e inglês, mas com o sotaque deles.

A toda hora nos perguntamos: o que é que atinge mais gente em todos esses mercados? E é nisso que a pesquisa nos ajuda a desenvolver estes produtos.

Tilt: Qual é a importância do smart speaker para a casa inteligente?

Lavor: Em 2019, liderei uma pesquisa no Google em que a gente viu como foi a adaptação/adoção de tecnologia na casa no início do século 20. É interessante, pois na época eles estavam passando por um processo parecido com o nosso. Só que hoje a gente está falando de inteligência artificial. Naquela época, se falava de eletricidade. Nas primeiras décadas do século 20, começa a coisa do botão, de ter um interruptor. Quando ele chega, toda a família pode usar, pois não precisa mais trocar o óleo de baleia para ligar a luz.

Quando começou essa coisa de casa inteligente, tinha entusiastas que instalavam lâmpadas inteligentes na casa toda, e tudo era controlado por um app que só uma pessoa tinha acesso. E os outros moradores reclamavam, pois não conseguiam ter este controle. Está acontecendo isso hoje com as caixas de som inteligente, o mesmo que aconteceu com o interruptor. Qualquer pessoa que entra pode pedir para apagar ou acender a luz.

Ainda não é o jeito mais fácil, mas a gente está nesse processo que é democratizar a tecnologia dentro de casa, e a caixa de som inteligente faz isso. Entendemos que estamos no início de tudo, pois lançamos a primeira caixinha há quatro anos. É um processo de muitas décadas, e estamos só no começo.

Tilt: O que vem por aí nos dispositivos Nest? Sempre penso na questão da energia elétrica — sem energia, a maioria dos smart speakers não serve para muita coisa. O que vocês planejam nesse sentido?

Lavor: No Google, a gente está sempre fazendo muita pesquisa. É sempre uma combinação: precisamos desenvolver uma tecnologia que cobre uma lacuna, mas que ao mesmo tempo é acessível. Quando a gente fala de 10 anos atrás, ter uma qualidade de áudio muito grande era algo de sistema de som super sofisticado.

O que eu sinto é que a tecnologia do Google vai evoluindo nesse sentido, de agora a qualidade do som poder ser maior. A gente lançou recentemente o Nest Audio por um preço acessível. Não custa milhares de reais. Incluímos recursos que valem a pena.

Nest Audio - Divulgação - Divulgação
Nest Audio
Imagem: Divulgação

Quando você pensa em situações como "faltou luz", "precisa ser portátil", "sem wi-fi". Tudo isso está sempre sendo pesquisado. Mas sempre pensamos no que a gente pode fazer, na existência da tecnologia e se ela pode atender mais gente.

Tilt: Tem algum uso específico de caixa de som inteligente mais frequente no Brasil?

Lavor: A questão da música é muito importante no Brasil. É interessante, pois quando a gente lançou a primeira caixa de som, falávamos muito do assistente do Google. Primeiro, vinha a mensagem do assistente, e depois a mensagem de que se podia ouvir música. Começamos a ver como música é importante no mercado brasileiro, e o Nest Audio é sobre isso. O assistente de voz está aí: você pode perguntar sobre o tempo, resultados de jogo de futebol; e ainda é bom para ouvir música.

Ao desenvolver a primeira caixa, pensamos: como vamos equalizar a qualidade do som para alguém que está perguntando sobre previsão do tempo? Vimos que no Brasil tem casa que só vai ouvir funk, outras, só música clássica. Como você gera uma equalização para que todos tenham uma qualidade boa? Este foi um exercício interessante.

Nos EUA, ao comprar produtos de som, eles querem saber de Watts RMS [a potência média do som], então eles gostam de colocar o volume super alto antes de adquirir um para ver se há distorção. No Japão é o oposto: eles têm essa coisa de não incomodar o vizinho, então gostam de ter um áudio claro e baixo.

Tilt: Como fica a questão do Chromecast e este mundo de smart TVs, em que o Google atua com seu sistema operacional próprio?

Lavor: É difícil prever para onde a tecnologia vai. A gente está sempre no caminho de desenvolver algo que vai ajudar mais gente e ao mesmo tempo ser acessível. Diria que hoje vemos demanda para três coisas: sistema operacional de televisão, Chromecast com sistema e controle remoto [que ainda não lançou no Brasil] e demanda para um Chromecast sem sistema.

Cada lugar vai fazer uso diferente da tecnologia, por isso é importante que ela seja o mais versátil possível.

Tilt: Como o Google vê essa questão da casa inteligente? O que vocês miram?

Lavor: O slogan do Nest é "a casa que te ajuda", pois o Google tem isso de auxiliar, seja no Maps, no calendário, na busca. No curto prazo, o foco é na conveniência. No longo prazo, você começa a ver que o mundo tem algumas tendências, que vão impactar a todos — como mudanças climáticas, tornando a energia mais cara, e o envelhecimento da população.

Em resumo, temos de ajudar as pessoas a gastarem menos energia e estarem preparadas para as grandes mudanças demográficas que ocorrem na sociedade, como o envelhecimento das populações de vários países.