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Falta de peças e design: órgão expõe problemas para consertar celular

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Imagem: Unsplash

Roseli Adrion

Colaboração para Tilt

10/05/2021 11h44

A situação é comum: um dia, seu eletrônico está funcionando e, no dia seguinte, ele simplesmente não faz mais as funções como deveria. E aí pode ser uma saga para conseguir o conserto do aparelho. Essa dificuldade não ocorre apenas no Brasil.

Nos EUA, a FTC (Comissão Federal de Comércio) publicou um relatório sobre como os fabricantes limitam o acesso dos clientes a reparos. O documento detalha uma série de restrições, a maioria delas imposta por montadoras de automóveis e fabricantes de celulares, como falta de peças ou design que dificulta o reparo dos itens.

Agora, a FTC quer propor leis a respeito do tema, bem como reforçar o cumprimento das normas atuais, como a Lei de Garantia Magnuson-Moss - que diz que fabricantes e vendedores devem fornecer informações claras e detalhadas sobre o que a garantia de um produto cobre. Nos EUA, a garantia não é obrigatória, como aqui no Brasil.

O debate tem ganhado força também na Europa. Lá, o foco é o impacto no meio ambiente quando eletrônicos são descartados sem critério, mas os EUA se concentram no efeito sobre os consumidores. Segundo o relatório da FTC, "isso pode representar uma sobrecarga em comunidades de rendas mais baixas".

Principais queixas

Segundo a FTC, as fabricantes usam diferentes táticas para dificultar o acesso dos consumidores ao reparo. Isso inclui:

  • design de produto que dificulta o conserto;
  • falta de peças;
  • design que faz o conserto independente menos seguro;
  • aplicação de direitos de patente;
  • atualizações de firmware e bloqueio de software;
  • e outros.

Já as empresas dizem que têm razões legítimas para aplicar pelo menos parte dessas restrições. Entre elas estão proteção de propriedade intelectual, cibersegurança e riscos em reparos feitos por pessoal não autorizado. "Há poucas evidências para amparar essas justificativas", diz o documento da FTC. "A maioria delas não condiz com os registros."

Uma das companhias mais criticadas é a Apple, mas a marca tem procurado tornar peças e ferramentas de diagnóstico mais acessíveis para técnicos independentes. Mesmo assim, especialistas dizem que as políticas da empresa ainda dão a ela muito poder em relação a assistências técnicas independentes.

Agora, a dúvida é como tornar o reparo de equipamentos mais fácil. Entre as sugestões da FTC está a criação de legislação sobre o tema. Outra recomendação é que as empresas informem o consumidor sobre a possibilidade de reparo dos dispositivos. E a entidade pede que os consumidores denunciem fabricantes que não cumprem as regras já existentes a respeito de reparos de eletrônicos.

Um post no site do órgão explica como. "Vamos supor que você leve um produto a uma assistência técnica independente para conserto ou manutenção e depois o encaminhe para a fabricante para outro reparo - não relacionado com o primeiro. Se esse conserto estiver coberto pela garantia e a garantia não tiver expirado, a companhia não pode se recusar a reparar o equipamento. Se você for informado de que o conserto independente anterior anula a garantia, queremos ser informados".

O advogado do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) Igor Marchetti comenta que é comum que aparelhos parem de funcionar após a garantia. "É a chamada obsolescência programada. Às vezes, um dia após o fim da garantia, o produto simplesmente dá defeito. Nesse caso, o CDC (Código de Defesa do Consumidor) garante o conserto por 90 dias depois da constatação do vício, não da compra do dispositivo", destaca. "Existe, ainda, o aspecto econômico: são aparelhos caros, que causam um prejuízo importante."

Pandemia adicionou variáveis ao contexto

O documento da FTC chega em um momento importante: com a pandemia, o trabalho e o estudo em casa transformaram os eletrônicos em itens mais importantes que nunca - e aqui pode-se incluir, além do celular e do computador, os eletrodomésticos, que têm sido muito mais exigidos no dia a dia já que as tarefas do lar se tornaram mais constantes.

O colapso sanitário global levou a uma crise no segmento de semicondutores, o que afetou a produção de eletrônicos. Quando combinadas essas duas situações, é essencial poder consertar equipamentos já em uso.

No Brasil, a lei prevê que em produtos de primeira necessidade, como os computadores e celulares utilizados para trabalho, o conserto deve ser feito imediatamente. "A regra geral determina 30 dias para o conserto, mas para produtos de primeira necessidade não se observa esse prazo", explica Marchetti.

E se a empresa alegar que suas políticas internas têm outras definições, o consumidor pode recorrer à Justiça. "A política de uma empresa não se sobrepõe à lei", reforça Marchetti. "O consumidor pode procurar a plataforma consumidor.gov, ligada ao Ministério da Justiça, propor uma ação no Juizado Especial Cível (JEC) ou buscar a Fundação Procon. É importante que ele documente as tentativas de contato e acordo com a empresa para usar como prova."