Poucas empresas são "donas" da inteligência artificial, e isso é bem ruim
A inteligência artificial está cada vez mais presente no nosso mundão – está lá na câmera do seu celular, nas buscas que você faz na internet e até na ajuda com diagnósticos médicos e com a prevenção de desastres. O potencial da tecnologia é bem amplo e já dizem que é uma nova era da computação.
Como era de se esperar, as cinco gigantes da tecnologia (leia-se Amazon, Apple, Facebook, Google e Microsoft) já dominam o setor. Segundo a consultoria CB Insights, nos últimos cinco anos, 90% das startups de inteligência artificial foram engolidas por essas companhias – aparecem na lista de compradores, ainda que em menor escala, outros nomes importantes do mundo tecnológico como Intel e Twitter.
O desempenho de Apple e o Google chamam ainda mais atenção: de 2011 até agora, ambas adquiriram uma dúzia de startups de inteligência artificial.
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A possibilidade de que um campo com tantas aplicações já esteja nas mãos de poucos (e poderosos) nomes vem tirando o sono de especialistas na área. Em 2016, Vinod Iyengar, diretor de produto da H20 (uma companhia que produz uma ferramenta de código aberto em inteligência artificial) escreveu em um artigo para o “TechCrunch” que o crescimento do segmento é afetado porque os produtos e soluções das empresas menores são tirados de circulação para favorecer os planos de negócio dos gigantes compradores. Além disso, as soluções proprietárias das gigantes inibiriam a inovação para favorecer margens de lucro.
Quando cinco companhias detêm o controle sobre o talento e a propriedade intelectual por trás de um campo emergente e potencialmente transformativo como a inteligência artificial, isso fere todos que não são comprados e compradores” VinodIyengar, diretor de produto da H20
Em um recente artigo para “Wired”, o escritor Robert Wright afirmou que leis antitruste deveriam ser usadas evitar que a inteligência artificial fique com poucas empresas. “Deveríamos começar a pensar agora sobre como construir um regime antitruste que preservará diversas e robustas inteligências artificiais, independentemente de qual companhia ameaçe esmagar outras”.
Mas o que está em jogo na corrida da inteligência artificial?
Pouca variedade
Quando uma gigante da tecnologia compra uma startup de inteligência artificial, não significa que ela tem interesse em todos os projetos da pequena. O interesse pode estar em apenas parte do que a emergente é capaz de fazer. Então, o mais comum é que os recursos mais atraentes sejam absorvidos em produtos já existentes, enquanto o resto sai de circulação.
Em 2014, por exemplo, o Google comprou por US$ 500 milhões a DeepMind, umas das startups mais promissoras do segmento, e aplicou sua tecnologia em serviços como reconhecimento de voz, que aparecem no Google Assistente, e reconhecimento de imagem, que ajudam a ferramenta buscas do Google.
Se por um lado é muito útil ter um celular espertão, jamais saberemos o que a DeepMind poderia ter nos oferecido diretamente. Esse é o problema da falta de variedade alertado por Iyengar: a ausência de mais empresas faz com que os rumos da tecnologia sejam mais limitados e previsíveis.
Além disso, a CB Insights também afirma que a concentração pode fazer com que as grandes empresas ignorem usos mais práticos da tecnologia, que poderiam ter impacto no mundo e na economia de hoje. Por exemplo, a inteligência artificial poderia ter todo seu desenvolvimento focado em de propagandas em redes sociais do que no diagnóstico de doenças graves.
Fora dos EUA, a China é o principal celeiro de inteligência artificial. Por lá, boa parte do desenvolvimento também está concentrado em poucas mãos: Tencent, Baidu e Alibaba dominam a corrida da IA. O Alibaba, por exemplo, permite compras apenas com um sorriso, via reconhecimento de imagens. De novo, mais uma solução pensada para o comércio da empresa.
Assim, não é muito difícil deduzir porque as gigantes focam primeiro em produtos mais rentáveis do que em pesquisa de maneira geral. Entre 2017 e 2021, o segmento de inteligência artificial vai gerar receita de US$ 1,1 trilhão, de acordo com a consultoria IDC.
Concentração de pessoal
Ainda de acordo com a CB Insights, a aquisição de uma startup é uma estratégia para pegar os talentos, mesmo que elas não saibam direito o que fazer com eles. O objetivo, na corrida pela inteligência artificial, é impedir os concorrentes de colocarem as mãos nos talentos da área.
É difícil para instituições acadêmicas e companhias de fora do setor de tecnologia competir e contratar as estrelas da IA
Alexandra Suich Bass, jornalista da The Economist
Para Alexandra Suich Bass, jornalista da The Economist, as empresas de tecnologia tem capturado muitos pesquisadores talentosos da área de inteligência artificial por duas razões. A primeira é que de certa forma elas também detêm um pioneirismo no segmento, então têm uma liderança inicial para atrair esses talentos.
A segunda é empresas como Google e Facebook já obtém lucros enormes com inteligência artificial, então podem pagar salários de astros para especialistas da área, assim como times esportivos pagam mais por atletas de elite.
Marcelo Murilo, COO da Brenner, ainda lembra que especialistas em inteligência artificial são difíceis de encontrar: "A concentração atual deles se dá pela simples raridade", diz.
E para o consumidor final o problema é que se os melhores da área estão ocupados em melhorar assistentes de voz do Google, da Apple e da Amazon ou estão focados em propagandas no Facebook, o grande app do futuro pode nunca virar realidade.
Suich Bass acredita que a situação pode mudar só nos próximos anos, com a formação de mais profissionais. "É similar ao que aconteceu com a internet nos anos 1990. Inicialmente não havia gente o bastante com habilidades de desenvolvimento web, mas eventualmente, isso mudou".
Correndo atrás
Com tantas desenvolvedoras de inteligência artificial sob as asas das grandes companhias de tecnologia, outras indústrias correm o risco de ficar fora do comando da IA. Mas elas ainda estão correndo atrás.
Há cinco anos, a Monsanto comprou a Climate Corporation, para alavancar sua visão de futuro no qual uma base de dados inteligente poderá aconselhar fazendeiros sobre o melhor momento para plantar sementes. A outra aquisição foi bem mais recente: em 2017, a fabricante de máquinas agrícolas John Deere comprou a Blue River Technology, que dá um passo além na ideia da Monsanto e monitora cada planta individualmente conforme o trator passa pela plantação, dando informações e sugerindo ações para cada caso.
Na indústria automobilística, GM, Ford e Delphi fizeram grandes investimentos em startups de inteligência artificial. O motivo é simples: desenvolver carros autônomos melhores do que os feitos no Vale do Silício e, se possível, colocá-los no mercado primeiro.
Da mesma forma, governos de outros países se preocupam com a liderança dos EUA na corrida pela inteligência artificial. China e Coreia do Sul fazem grandes investimentos em empresas da área e na Europa, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, se manifestaram sobre a necessidade de a Europa se esforçar mais para desenvolver tecnologias disruptivas, mas líderes do setor temem a falta de urgência da União Europeia. O fundo de inovação da União Europeia, o Horizon 2020, leva cerca de oito meses para revisar cada projeto e então liberar alguma verba para sua execução.
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