Tchau, celular: lente de contato tecnológica pode ser o seu próximo gadget
Você provavelmente tem um smartphone aí no seu bolso ou em cima da sua mesa — se é que você não está lendo este texto no aparelho. E se nós disséssemos que algumas das funções deles, como a câmera, as notificações ou os vídeos no YouTube, poderiam ser transferidas para um aparelho bem menor, como uma lente de contato? Parece coisa de ficção científica — e, de fato, ainda é, já que são poucos os protótipos e testes bem-sucedidos — mas empresas e pesquisadores já começaram a imaginar e desenvolver esse futuro.
Um dos projetos mais ambiciosos nesse sentido vem da Verily — uma das subsidiárias da Alphabet, a controladora do Google — e da farmacêutica suíça Novartis. Anunciada em 2014, a parceria entre as duas empresas pretendia desenvolver uma lente de contato capaz de medir os níveis de glicemia (açúcar no sangue) a partir de fluidos dos olhos. Os dados, então, seriam transmitidos por um smartphone, usando uma minúscula antena.
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Os testes para o produto estavam programados para 2016, mas não ocorreram. À época, uma porta-voz da Novartis disse à Reuters que era cedo demais para dizer quando os primeiros experimentos clínicos com humanos iriam começar, pois era um projeto tecnicamente complexo, que exigia bastante aprendizado de ambas as empresas.
Isso pode ser mesmo bem difícil. Uma fonte da Verily ouvida pelo site médico Stat News disse que o produto era um “slideware”, gíria do Vale do Silício usada para produtos supostamente revolucionários mas que só existem em apresentações. Segundo ela, um protótipo chegou a ser construído, mas não funcionou a contento.
O projeto também sofreu críticas de John Smith, cientista com passagem pela LifeScan, uma das maiores fabricantes do mundo de aparelhos para medição de glicose. Smith diz que acompanha testes do tipo há décadas, feitos majoritariamente por universidades, mas que nenhum dispositivo desses chegou ao mercado. O problema, segundo ele, é que as medições de açúcar em fluidos como saliva, suor e lágrimas não refletem os níveis de glicose do sangue. A Verily se defende, argumentando que essa ainda é uma questão científica em aberto.
Apesar dos problemas, há quem tope o desafio das lentes futuristas. Não são só as gigantes da tecnologia que trabalham em projetos para adicionar recursos tecnológicos às lentes de contato. Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Ulsan, na Coreia do Sul, liderados por Jihun Park, conseguiram algo parecido com o que o projeto do Google com a Novartis busca: eles criaram uma lente com materiais bastante flexíveis e alojaram nela uma antena, um circuito retificador, um sensor de glicose e um pequeno LED.
Quando os níveis de açúcar detectados sobem para um nível perigoso, o LED apaga. Assim, o paciente sabe que é hora de tomar insulina sem precisar levar uma picada no dedo, como nos testes convencionais. De acordo com a revista Science, que também publicou o artigo dos pesquisadores sul-coreanos, a lente experimental foi testada em coelhos, que aceitaram bem seu novo acessório, sem demonstrar mudanças no comportamento. Park também diz que as medições feitas pelo sensor de açúcar foram satisfatoriamente precisas.
As grandes empresas querem estar nos seus olhos
Além do uso médico, outras companhias estão começando a vislumbrar outros usos possíveis para lentes de contatos. Grande concorrente do Google no mundo dos smartphones, é óbvio que a Apple não ia ficar de fora dessa.
Em 2016, de acordo com o site especializado AppleInsider, a fornecedora de equipamentos médicos EPGL anunciou uma parceria com a empresa de Cupertino para desenvolver uma lente de contato com capacidades de realidade aumentada. Sim, estamos falando de uma lente que projeta imagens no olho de quem está usando. Maluco, não?
Sony e Samsung também estão de olho, com o perdão do trocadilho, nas possibilidades dessa área. As duas empresas já registraram patentes de produtos do tipo, e ambas têm uma coisa em comum: lentes com câmeras.
A patente da Samsung, requisitada em 2014 junto a autoridades de propriedade intelectual sul-coreanas, veio a público dois anos depois. Os documentos descrevem uma lente com capacidade para projetar imagens diretamente nos olhos do usuário e uma câmera embutida, que pode ser controlada por piscadelas ou com a ajuda de um smartphone.
Já os documentos registrados pela Sony em departamentos norte-americanos revelam a ideia de uma lente capaz de registrar vídeo, incluindo até mesmo um algoritmo para cortar os frames pretos causados pelo movimento involuntário de piscar os olhos.
As piscadelas intencionais seriam diferenciadas por sua duração, mais longa do que 0,4 segundos, e poderiam servir para dar comandos para o equipamento. O produto da companhia japonesa usaria sensores piezoelétricos para obter energia para os chips aproveitando o movimento do globo ocular.
Privacidade
Mas será que essa loucura de sair por aí com uma câmera nos olhos, filmando e fotografando tudo sem ninguém perceber, não pode passar dos limites? Eduardo Magrani, coordenador da área de direito do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), acha que sim.
Não é só porque existe a capacidade técnica de fazer uma coisa que a gente deve fazer
Eduardo Magrani, coordenador da área de direito do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio)
Para coibir abusos, o especialista defende que haja regulamentações de proteção a dados pessoais e a à privacidade de usuários, especialmente em relação a dados sensíveis, como as informações médicas que poderiam ser coletadas pelas lentes medidoras de glicemia. “No Brasil, não há uma legislação desse tipo.”
Magrani também ressalta a importância de um debate sobre as questões éticas envolvidas, e defende que o design dos próprios produtos traga recursos para coibir abusos e violações — um algoritmo de captura de vídeo que borre automaticamente imagens sensíveis ou que exponham a intimidade do usuário, por exemplo.
“Nós temos hoje uma relação cada vez mais simbiótica com a tecnologia, a ponto de não sabermos mais se nós a dominamos ou se ela nos domina. É preciso um olhar crítico antes de adotar as novidades”, diz o pesquisador.
Lentes de ficção científica
Outra ideia bastante promissora para o segmento vem da Suíça, e parece saída diretamente de um filme futurista. Pesquisadores da terra dos relógios desenvolveram uma lente com pequenos telescópios, que podem ampliar objetos em até 2,8 vezes. É isso mesmo: um zoom óptico no seu olho.
Isso pode ajudar muita gente que não enxerga bem, como idosos, mas a ideia original era outra. O trabalho foi financiado pela Darpa (Defense Advanced Research Projects Agency, ou Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa), o braço de pesquisa do Pentágono, que pretendia usar a invenção em soldados, para que eles pudessem ver mais longe.
Já os pesquisadores da Universidade do Wisconsin–Madison projetaram uma lente de contato com foco automático e sensores de imagem para conseguir enxergar em condições ruins de iluminação, o que pode fazer muita diferença para pacientes com presbiopia. A equipe do professor Hongrui Jiang foi buscar sua inspiração na natureza, mais precisamente no peixe elefante.
Originária da África ocidental e central, essa espécie tem olhos aprimorados para enxergar em águas lamacentas e turvas. As retinas do peixe têm estruturas parecidas com copos, com paredes reflexivas, o que ajuda a captar luz mesmo em condições ruins. Essa ideia foi replicada nas lentes desenvolvidas pelos cientistas, que contam com protuberâncias de vidro semelhantes a dedos, revestidas internamente com alumínio.
A lente do professor Jiang ainda não foi testada em olhos humanos, apenas em um modelo mecânico de plástico. O cientista estima que ainda vai levar de cinco a dez anos para uma tecnologia desse tipo chegar ao mercado. Em uma década, nossos olhos poderão estar diante de um produto que mais parece ficção científica.
Com tudo isso fica claro uma coisa: apesar da incursão aparentemente tortuosa do Google no segmento, ainda há interesse de empresas e pesquisadores em lentes futuristas. E aí, você tá pronto para deixar tanta tecnologia tão perto dos olhos?
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