O que fazer se eu virar vítima de pornografia falsa na internet?
Nesta semana, o vazamento de um vídeo pornográfico supostamente protagonizado por Rodrigo Bocardi, apresentador do Bom Dia Brasil, da TV Globo, gerou alvoroço nas redes sociais. O jornalista ainda não se pronunciou sobre o assunto publicamente, mas alguns meios de comunicação e usuários de redes sociais questionaram a legitimidade do vídeo: não seria uma montagem?
A dúvida é especialmente pertinente no momento atual. Nos últimos meses, um novo tipo de conteúdo pornográfico começou a se disseminar pela internet: os “deepfakes”, isto é, montagens que usam inteligência artificial para sobrepor o rosto de celebridades a corpos de pessoas em conteúdo pornográfico. Bocardi poderia ter sido mais uma vítima dos “deepfakes”.
As montagens realistas já envolveram personalidades de fama internacional como a atriz Scarlett Johansson e a protagonista de “Mulher-Maravilha” (2017) Gal Gadot. Mas a onda também começou a envolver pessoas comuns, que viraram vítimas de montagens. Nas últimas semanas, as questões éticas relacionadas a este tipo de conteúdo começaram a ser discutidas com mais intensidade.
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No começo de fevereiro, o site Reddit, que liberava um tópico com os “deepfakes” do qual a moda começou a se alastrar, decidiu coibi-los. O Twitter também já baniu a publicação de “deepfakes” na timeline de seus usuários. Em janeiro, outros sites dos EUA, como a plataforma de chat Discord, já haviam tomado a mesma decisão.
Não só empresas podem combater a existência dos “deepfakes”, mas também o Estado. No Brasil, assim como nos EUA, onde a maioria dos casos tem ocorrido, nenhuma legislação contempla especificamente este novo fenômeno digital, mas tanto algumas leis civis como penais podem ajudar a coibi-lo.
Segundo Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), a criação dos “deepfakes” pode afetar três direitos da pessoa previstos pelo Código Civil brasileiro: os direitos à privacidade, à imagem e à honra.
No Brasil, estamos mais protegidos do que nos EUA. Nos EUA, não existe o que se conhece no Brasil como o direito à imagem
Esse direito está previsto no capítulo II do Código Civil, que trata dos Direitos da Personalidade. O artigo 20 diz que “a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade”.
Na prática, por conta dessa lei, a vítima de um “deepfake” poderia conseguir a remoção do material publicado digitalmente, impedir a publicação futura do material e receber uma indenização por parte do autor da montagem.
Em geral, o site ou aplicativo em que o conteúdo fosse publicado não seria responsabilizado. Da mesma forma, quem divulgasse um “deepfake” sem ser seu criador dificilmente poderia ser processado. “Os tribunais não responsabilizam quem compartilha, mas sim a pessoa que publicou primeiro”, diz o especialista.
Isso porque os tribunais entendem que a participação de cada compartilhamento em todo o dano moral causado à vítima é muito pequena. O dano causado pelo primeiro divulgador do conteúdo costuma ser o único levado em conta. Nesse sentido, a privacidade oferecida por mensageiros como o WhatsApp pode representar um problema, porque pode ser quase impossível rastrear a primeira fonte do conteúdo.
Se o conteúdo é divulgado pelo WhatsApp, é realmente mais difícil tanto para fazer com que o conteúdo desapareça quanto para responsabilizar a primeira pessoa a divulgar o conteúdo
Carlos Affonso Souza
Já no caso de redes sociais e aplicativos de conteúdo público, mesmo que o "deepfake" fosse postado por um perfil falso, com um nome fantasia, a ação poderia ser movida diretamente contra o autor. “Não tem anonimato. O autor publica a partir de um IP, que está registrado. A vítima pode solicitar às organizações que informem o IP de onde partiu o conteúdo, com a data e a hora”, diz o especialista.
Mesmo que o conteúdo fosse postado por um perfil falso, com um nome fantasia, a ação poderia ser movida diretamente contra o autor. “Não tem anonimato. O autor publica a partir de um IP, que está registrado. A vítima pode solicitar às organizações que informem o IP de onde partiu o conteúdo, com a data e a hora”, diz o especialista.
Com essas informações, o autor de um “deepfake” poderia ser obrigado a eliminar o material publicado e até a pagar uma indenização para a vítima. Entretanto, conteúdo disseminado pelo WhatsApp ainda é de difícil rastreamento. Então, nesses casos o autor original quase nunca é encontrado.
Também seria possível –embora menos provável– que o criador do conteúdo respondesse criminalmente a seu ato, com chance de ser preso.
Souza ressalta que o Código Penal, que trata de condutas criminosas, não contempla especificamente os “deepfakes”. “A conduta criminosa precisa ser exatamente aquela descrita no Código Penal.
Mas, para ele, os crimes contra a honra, que estão descritos no capítulo V do Código Penal, “poderiam ser o gatilho para criminalizar os ‘deepfakes’”. Por exemplo, segundo o artigo 139, “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação” poderia acarretar em detenção de três meses a um ano.
Origem
Os “deepfakes” estão em discussão na internet desde dezembro de 2017.
O site Motherboard foi o primeiro a relatar a onda, em uma matéria de dezembro. O termo “deepfake” vem do nome de usuário no Reddit do principal personagem entrevistado nessa matéria, “deepfakes”, autor de algumas dessas montagens.
A técnica usada para criar um “deepfake” não é nova. Um recurso parecido de inteligência artificial é usado para produzir conteúdos humorísticos.
Em 2016, ficaram populares os aplicativos de “face swap” (troca de faces), que transplantavam a imagem do rosto de uma pessoa para a do corpo de outra. Os resultados apareciam toda hora nas timelines de redes sociais.
A onda dos “deepfakes” se intensificou depois que um usuário do Reddit disponibilizou um aplicativo para que usuários comuns pudessem aplicar a técnica fazendo suas próprias montagens.
A facilidade com que esses conteúdos passaram a ser produzidos trouxe ainda mais à tona a discussão sobre os problemas éticos envolvidos.
Além de todo o impacto social que podem ter, os “deepfakes” são mais um elemento que coloca em questão a credibilidade do vídeo como prova judicial.
“É só mais uma questão que esgarça o conceito de realidade. Aquilo que se vê não é exatamente aquilo que se passou. A gente caminha para uma situação em que o conhecimento técnico do advogado vai ser cada vez mais importante”, afirma o advogado.
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