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Público aceita trocar seus dados por bons serviços na web, diz cientista

Ricardo Cappra, cientista de dados palestrante da Campus Party Brasília 2017 - Divulgação
Ricardo Cappra, cientista de dados palestrante da Campus Party Brasília 2017 Imagem: Divulgação

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

15/06/2017 04h00

Você está sendo monitorado. Não apenas com câmeras de vigilância nos supermercados, mas na internet também. E o que é mais estranho é que você mesmo permitiu isso quando entrou na página principal de uma rede social --ou várias-- e clicou em "Eu li e concordo com os termos de uso e políticas de privacidade".

Tudo que você faz poderá ser usado como mercadoria pelo Facebook, Twitter e afins: curtidas, reações, comentários, compartilhamentos, fotos, vídeos, além do conteúdo que não é fornecido espontaneamente por você: metadados nos arquivos --que dizem, por exemplo, com qual celular você tirou uma foto-- e informações de sistema dos aparelhos.

De posse desses dados, as empresas de internet vigiam seus hábitos para te entender e reverter isso em anúncios, campanhas, acordos comerciais ou apenas para tornar sua rede social ainda mais atraente, para você jamais sair dela.

Os chamados algoritmos são as equações programadas pelas empresas de tecnologia para lidar e gerenciar o grande volume de dados gerado mundialmente. Este volume, por sua vez, é chamado de "big data", um montante de informações presente na nuvem --isto é, nos servidores de internet-- que atende aos interesses não apenas das redes sociais, mas de empresas de vários segmentos e também de políticos e pessoas influentes.

Embora pareça assustador, o X da questão é que grande parte do público compreende e aceita isso. "Os consumidores estão dispostos a trocarem informações por serviços melhores. A troca de alguma forma gera valor para eles", diz Ricardo Cappra, cientista de dados que será palestrante da Campus Party Brasília nesta quinta-feira (15). 

Nesta entrevista ao UOL, Cappra detalha como funcionam os algoritmos e como eles interferem nas nossas vidas online e também off-line.

Facebook libera tema LGBT para o mês de junho, em comemoração à comunidade LGBT pelo mundo - Divulgação/Facebook - Divulgação/Facebook
Reações do Facebook informam ao algoritmo sobre os comportamentos dos usuários
Imagem: Divulgação/Facebook

O que é um algoritmo?

Existe uma certa mística sobre algoritmos, mas na realidade eles não passam de uma série de regras pré-determinadas para execução de tarefas. Algoritmos realizam sequências programadas para ocorrerem de forma lógica e com fim bem definido. Algoritmos podem automatizar tarefas humanas, desde que humanos definam qual sequência de passos ele deve seguir.

O que está por trás de um algoritmo? Qual a infra-estrutura e dados necessários para os algoritmos funcionarem?

Programadores criam uma lógica sequencial para a solução de problemas. Isso normalmente é baseado em um modelo matemático ou analítico complexo. Não é uma questão de infraestrutura. Afinal, isso fica cada vez mais acessível. E também não é por questão de dados, pois todos os dias temos mais dados disponíveis, e sim qual a lógica que precisa ser automatizada para resolver um determinado problema.

Por que os algoritmos se tornaram tão importantes nas nossas vidas, sobretudo na esfera digital? Quais são suas principais aplicações atualmente?

A importância se dá por causa da avalanche de dados que invadiu o mundo nos últimos anos. É impossível para humanos processarem a quantidade de informação disponível, então foi necessário repassar as tarefas repetitivas para as máquinas. Hoje há algoritmos que recomendam notícias, filmes e músicas para nosso perfil; que calculam o risco de uma operação financeira e até que recomendam o que comprar no supermercado baseado no que está na geladeira.

Como os algoritmos se aprimoraram para entender bem cada indivíduo em vez de tratar todos como uma massa de gente que pensa igual?

No caso do reconhecimento de hábitos, como as máquinas podem coletar, classificar e qualificar dados com grande velocidade e precisão, permite um acerto maior na hora de entender os hábitos de um determinado indivíduo. Quanto mais rastros deixamos, mais os criadores desses algoritmos aprenderão sobre nós.

Como está a questão da privacidade e do direito à informação nisso tudo? Essas empresas de tecnologia podem deter tanto poder assim? Quem pode freá-las?

Os consumidores estão dispostos a trocarem informações por serviços melhores. Ele aceita as condições de privacidade de Google, Facebook, Netflix, Spotify, e tantos outros porque a troca de alguma forma gera valor para eles. Quando a plataforma não gerar mais nenhum valor, o usuário abandona a mesma. Mas obviamente que precisam existir melhores regras para uso dessas informações.

Atualmente, os órgãos reguladores disso tudo são muito frágeis. Vendas de bases de dados não são claramente descritas, o que permitem abusos, mas esse é um processo natural, também vinculado à rápida evolução da Era da Informação.

Segundo a "Slate", algoritmos do Facebook e Google estão tão avançados que conseguem entender o que está em uma foto mesmo se não dermos informações sobre ela, como local, hora do dia ou reconhecer pessoas mesmo se a resolução e iluminação estiverem ruins. Isso é verdade?

Sim! Todos os dias avançam os recursos para análises de dados. Nesse caso específico, as novas formas de tratamento de imagens permitem cruzamentos que antes não eram possíveis. O algoritmo aprende baseado na repetição. Dessa forma, toda nova imagem gera um novo aprendizado, permitindo que que o algoritmo reconheça um novo padrão e se aprimore. Isso também é conhecido como "machine learning" (aprendizado de máquina).

A mesma reportagem dizia que um app marca um local como "elegante" se as fotos tiradas nele mostravam muitas bocas usando batom, ou que é possível copiar a impressão digital de uma pessoa ao tirar uma foto como uma câmera digital a três metros de distância.

Sempre trata-se de regras pré-determinadas que exigem constante atualização no algoritmo. Um humano foi lá e ensinou para a máquina o significado de "elegante" e mandou repetir essa tarefa em um repositório de dados até que tivesse massa crítica para melhorar o processo. Quanto a cópia da impressão digital, isso está muito mais relacionado com a evolução da tecnologia de captura de imagem do que com o algoritmo.

Donald Trump usar o Twitter em seu celular em seu escritório na Trump Tower - Josh Haner/The New York Times - Josh Haner/The New York Times
O presidente dos EUA, Donald Trump, usa o Twitter em seu celular em seu escritório
Imagem: Josh Haner/The New York Times
 

Já podemos dizer que algoritmos, ciência de dados, monitoramento de redes, notícias falsas e "big data" estão dominando por completo as nossas vidas offline? Fala-se por exemplo que as vitórias de Obama e Trump nos EUA, ou mesmo a de João Doria em São Paulo, são reflexo disso.

Não há como separar nossas vidas online e offline. O impacto da tecnologia da informação é gigantesco e incontrolável. No caso dos EUA, um algoritmo foi instruído a mostrar na timeline dos indivíduos aquilo que é mais relevante baseado no comportamento de pessoas semelhantes. Quando esses semelhantes clicam em uma notícia falsa, você também receberá uma notícia falsa para ler, e isso vai desencadear um efeito cascata em toda a rede.

Obviamente que uma informação que recebemos impacta nas decisões que tomamos no nosso dia-a-dia. Isso vai para nossa vida, independente do meio ou ambiente que essa informação encontrou de chegar até nós.

O uso de algoritmos para alcançar um objetivo é muito diferente do que a publicidade offline e institutos de pesquisa fizeram em outras décadas?

A diferença está na velocidade, disponibilidade, variedade e volume de informações que temos. Isso exigiu a ativação de "robôs", nesse caso algoritmos, para ajudar nessa tarefa. É mais fácil e rápido coletar dados de comportamento, e isso permite ativação instantânea através de mídias previamente programadas. Ou seja: coleta, classificação e geração de impacto, com constante melhoria de performance baseado no resultado, tudo ao vivo.

Acha que há um certo desconhecimento da opinião pública sobre como algoritmos estão em toda parte? Ou as pessoas apenas aceitam de bom grado?

Existe pouco conhecimento sobre a forma de funcionamento disso tudo, e isso pode estar transformando sim a vida de muitas pessoas. Esse desconhecimento pode ser muito nocivo, mas, por muito tempo não sabíamos a fonte da informação que consumíamos em um jornal ou telejornal. Precisamos aprender a filtrar toda essa informação. As pessoas que já entenderam o funcionamento dos algoritmos aprenderam a controlar certas regrinhas e podem se beneficiar muito do uso deles. A informação é uma fonte de poder, mas excesso de informação pode gerar muita confusão. É necessário encontrar o equilíbrio.

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New York Times