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Como o explosivo Note 7 pode afetar a Samsung? Seria o fim da empresa?

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Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

11/10/2016 16h48

A empresa sul-coreana Samsung queria ir além quando lançou o Galaxy Note 7 em um mercado ultracompetitivo. Mas, no meio do caminho, acabou sendo surpreendida por "um mero contratempo técnico", que tão logo se transformou em uma verdadeira crise com o anúncio do fim definitivo da produção e venda do aparelho. Quais serão os impactos que a sul-coreana terá que enfrentar em um cenário em que a confiança e a fidelidade à marca são primordiais?

"Isto é uma calamidade", classificou Srinivas Reddy, diretor do Centro de Excelência em Marketing da Universidade de Administração de Cingapura. "A ameaça para a Samsung está relacionada à brevidade com que vão poder voltar. Se não voltarem logo, isso abrirá espaço para que outras empresas ganhem terreno."

O maior fabricante mundial de smartphones se viu forçado a pedir no dia 2 de setembro um recall em escala mundial de 2,5 milhões de unidades do Note 7, depois que alguns aparelhos pegaram fogo com a explosão da bateria durante a recarga. Isso fez parecer que a crise seria contida. Mas tudo veio abaixo quando a imprensa revelou que os aparelhos distribuídos para substituir os defeituosos também tinham problemas.

"É o pior cenário para a Samsung", destaca Jan Dawson, analista da Jackdaw Research. "Parafraseando Oscar Wilde, perder uma versão de um produto por um problema de bateria pode ser considerado um azar, mas perder duas versões parece uma negligência", acrescenta.

A sul-coreana não informou quantos telefones novos ou substitutos serão afetados. Mas os analistas estimam que o caso custe à Samsung cerca de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 32bilhões). E, se não bastasse, a suspensão definitiva das vendas do Note 7 chegou a derrubar as ações da Samsung em 8%, eliminando US$ 17 bilhões em valor de mercado. O mais importante, no entanto, é o impacto de longo prazo na imagem de marca global do gigante sul-coreano.

Para Greg Roh, analista da HMC Investment Securities, a direção da Samsung foi precipitada com seu novo Note 7. "Acho que a Samsung se precipitou em tirar seus novos telefones, e teria sido melhor ter levado mais tempo para fazer uma exaustiva investigação sobre as causas do problema do Note 7", disse ele. "Havia muitas pressões para controlar o mercado antes do lançamento do iPhone 7."

O pior cenário para a Samsung, como acrescenta Roh, será o de os compradores do Note 7 usarem o dinheiro devolvido pelo fabricante sul-coreano para adquirir um iPhone.

"A razão pela qual os consumidores preferem Samsung ou Apple tem a ver com a confiança", explica o analista. "O caso do Note 7 pesará no próximo modelo de smartphone da Samsung. Globalmente, os danos em termos de imagem serão inevitáveis. Será difícil para a Samsung inverter a tendência".

Não ameaça a existência, mas sim a liderança

Apesar de representar um desastre sem precedentes para a Samsung, ao menos para sua divisão de telefonia móvel, o fim anunciado do Galaxy Note 7 nem de longe ameaça a existência da gigante sul-coreana, segundo o jornalista alemão Henrik Böhme. 

"Em sua gama de produtos, ela oferece ainda navios, televisores e máquinas de lavar, como também atua na área de biotecnologia e na prestação de serviços financeiros, como seguros, por exemplo. Com quase 500 mil empregados, o faturamento da companhia corresponde a um quinto do Produto Interno Bruto da Coreia do Sul. A divisão de smartphones é importante, mas apenas uma parte da empresa, que vai sobreviver a tudo isso."

Atualmente, como recorda Böhme, um quinto das vendas mundiais de smartphones está nas mãos da Samsung. "Obviamente, esse desastre pode custar à empresa a sua posição de liderança. E no caso de algum americano queimar seus dedos num chamejante Galaxy Note 7, isso pode sair bem caro para a companhia."

Mas, segundo ele, não será a Apple --a maior concorrente da Samsung nos EUA-- a se beneficiar com o desastre do Note 7. Na visão de Böhme, um perigo muito maior para a gigante sul-coreana são os fabricantes em massa provenientes da China, como Huawei, ZTE, HTC, Oppo ou Xiaomi.

"Pois, diferentemente da Apple, a Samsung não aposta somente em caros aparelhos de qualidade superior, mas também opera de forma especial no mercado de massa de países emergentes e em desenvolvimento", explica Böhme, que diz acreditar que a questão não afetará significativamente as vendas da empresa sul-coreana. "O que resta é: alvoroço demais em torno de alguns smartphones em chamas."

Faturamento: 20% do PIB nacional

Em apenas algumas décadas, a Samsung evoluiu de pequena loja de alimentos a maior multinacional de eletrônica do mundo. Até 2008, quando um escândalo o forçou a renunciar, o filho do fundador do negócio familiar Lee Kun-Hee era o presidente. Desde então, o conglomerado Samsung é dirigido pelos chefes das diferentes empresas que o compõem. Hoje, ele fabrica e vende navios e arranha-céus, televisores e celulares, moda e produtos farmacêuticos, e muito mais.

Mais de 80 firmas operam sob seu nome, com um total de quase meio milhão de funcionários e um faturamento anual superior a 300 bilhões de dólares. "O faturamento do conglomerado equivale a mais ou menos 20% do Produto Interno Bruto do país", afirma Alexander Hirschle, da GTAI. "Ela é, com segurança, um dos pilares da economia sul-coreana."

A ascensão da Samsung e da Coreia do Sul transcorreram paralelas, desde o princípio da industrialização do país, na década de 1970. Com apoio estatal, a companhia se desenvolveu de forma excelente, assim como a Hyundai, LG e outras. "Desse modo, o progresso da Samsung pode ser visto como um sismógrafo da economia coreana como um todo", compara Hirschle.

Por outro lado, como completa o especialista, cabe "não subestimar o significado psicológico da Samsung para a sociedade coreana". Pelo menos no médio prazo, os danos econômicos do Galaxy Note 7 para a multinacional deverão ser suportáveis.

No começo da ação de recall, analistas do mercado calcularam os custos em US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, porém, a Samsung se desfez de suas participações em algumas empresas de tecnologia, angariando cerca de US$ 880 milhões. A suspensão das vendas deverá custar mais alguns bilhões. O que não deverá ser um prejuízo dramático, considerando-se os mais de US$ 160 bilhões que só a Samsung Electronic fatura por ano.

Ainda é impossível prever, porém, as perdas em termos de fatias do mercado global. A importância de ser pioneira Inevitavelmente, o caso "Galaxy gate" é tema de debate na Coreia do Sul. No entanto, as baterias defeituosas não constituem um problema fundamental para a Samsung nem para o país: outras crises ocupam a economia coreana muito mais, afirma Hirschle. "A indústria construção naval, por exemplo, assinala quedas de 90% nas encomendas. Números como esses são bem mais preocupantes", lembra.

O escândalo é, obviamente, um problema, porém o especialista alemão em comércio externo vê os desafios para a companhia num contexto mais amplo: "Para a Samsung, assim como a economia como um todo, será decisivo conseguir dar um salto qualitativo: de fast follower [seguidor veloz], o que fez a Coreia do Sul crescer, a um first mover [pioneiro]. Quer dizer: no futuro, lançar, ela própria uma tendência, criar um branding, ganhando, assim, a dianteira em relação aos seguidores mais baratos."

Já Martin Roll, estrategista de marcas e autor do livro Asian Brand Strategy ("Estratégia de Marcas Asiáticas", em tradução livre), acredita que "a maneira como a Samsung está gerenciando essa crise é meio que uma maneira de a Samsung entrar na era moderna porque as empresas asiáticas estão apenas começando a surgir como marcas de consumo contemporâneas muito icônicas como a Apple. A história da Samsung como marca ainda está sendo escrita".

(* Com agências internacionais)