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"Justiça da web" pode atrapalhar investigação de estupro, dizem advogados

O caso do estupro coletivo motivou uma série de protestos nas redes sociais - Reprodução/Facebook
O caso do estupro coletivo motivou uma série de protestos nas redes sociais Imagem: Reprodução/Facebook

Do UOL, em São Paulo

27/05/2016 16h05

A indignação sobre o caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro tem motivado reações mais radicais nas redes sociais. Há usuários compartilhando prints do vídeo, postado originalmente no Twitter, e alguns indo além: realizando buscas e divulgando perfis e dados pessoais dos supostos autores do crime.

A mãe de um dos rapazes, em sua página do Facebook, diz que está sendo vítima de intimidação. "Gente, sei que meu filho errou em compartilhar esse vídeo, mas ele não tem nada a ver com isso, pelo amor de Deus, se ele tiver que pagar, ele vai pagar (...) Parem de ficar postando minha foto e da minha filha, por favor."

Nesta sexta-feira (27), o grupo hacker Anonymous Brasil também entrou na caça aos autores do estupro e expôs em sua página no Facebook a identificação de um dos possíveis envolvidos.

Advogados especialistas em direito digital dizem que os "justiceiros da internet" pode expor ainda mais a vítima. Para eles, essa postura não cabe ao usuário comum, e sim às autoridades competentes como a Polícia Civil e o Ministério Público, que investigarão e acusarão formalmente os culpados, além de proteger a integridade da vítima.

"Se existe a suposição de um crime, o primeiro passo é identificar quem é a pessoa física que divulgou o vídeo na internet. Neste caso, será preciso acionar o Twitter via ordem judicial para que entregue esses dados. Ponto dois: identificar a vítima no mundo real. Ponto três: ir atrás das pessoas que por ventura divulgaram e fomentaram o vídeo", diz Frederico Meinberg Ceroy, promotor de Justiça e coordenador da comissão de Direito Digital do MP-DF.

É crime compartilhar o vídeo?

Como a vítima é menor de idade, publicar e compartilhar o vídeo configura crime de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diz o artigo 241-A: "Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente". A pena nestes casos é de três a seis anos de prisão e multa.

Para Caroline Teófilo, advogada do escritório de Direito Digital Patricia Peck, o vídeo no Twitter pode ser usado como "prova concreta" do crime, de acordo com os Códigos de Processo Penal e Civil. "No entanto, para que sejam localizados todos os suspeitos, serão necessárias outras provas que podem ser obtidas com a investigação, como prova testemunhal e documental", ressalta.

Mas Ceroy discorda. "O vídeo pode ter sido forjado. Qualquer vídeo tem que passar pelo Instituto de Criminalística, com a verificação de quem participou ou não do ato". Além disso, para ele, o ideal seria obter ao registro original do vídeo, se realizado em câmera portátil, webcam ou dispositivo móvel (celular e tablet).

Se a vítima fosse maior de idade, só haveria crime se o vídeo fosse divulgado com intenção de dolo. "Aqueles que realizaram essas práticas podem incorrer em crimes como apologia de crime ou do criminoso, conforme previsto no artigo 287 do Código Penal, ou algum dos 'crimes contra honra', artigos 138 e seguintes também do Código Penal", destaca Caroline.

Já a pessoa que compartilha o conteúdo de forma indignada (ainda em um caso hipotético envolvendo apenas adultos e preservando a identidade da vítima) não é prejudicada por conta da liberdade de expressão. "Mas tem que ter bom senso, no Direito não existe preto e branco", esclarece.

A advogada frisa que expor um acusado e associar a ele um crime antes da comprovação por meio da investigação policial pode incorrer em calúnia, infração prevista no artigo 138 do Código Penal.

Como denunciar casos como esse

A forma correta de colaborar nestes casos, segundo os juristas, ainda é pelos meios convencionais. É necessário obter provas como prints de tela e o endereço da página, por exemplo, e encaminhar via denúncia aos órgãos públicos, como delegacias e canais específicos -- no caso de crimes contra a mulher, o telefone de denúncias é o 180.

Há ainda a Safernet, organização não governamental que promove os Direitos Humanos na internet. Em seu site oficial há um canal de denúncia para temas como pornografia infantil, racismo, crimes contra a vida, neonazismo, homofobia e outros. Todas as denúncias são encaminhadas à Polícia Federal, Ministério Público Federal e outros canais oficiais.

O site da Polícia Federal também tem seu próprio canal de denúncias para quatro tipos de crimes na internet: pornografia Infantil, crimes de ódio, genocídio e tráfico de pessoas. Crimes como o do estupro no Rio, no entanto, ficam sob os cuidados da Polícia Civil dos Estados.